Ligo pro meu irmão:
- O carro sai hoje da oficina? Tenho que ir treinar...
- Nada! Tá pensando que a batida que você deu foi pequena? Crie vergonha e aprenda a pegar ÔNIBUS.
Já estava mesmo na hora, 19 anos e nunca tinha pego um ônibus sozinho. Antes do carro, que só dirigi mesmo após a maioridade, costumava andar, seja para o colégio, casa da namorada ou para a cervejinha do fim-de-semana. Meu apelido era Andarilho. Mas agora, mal acostumado ante o conforto do automóvel e a grande distância da Academia de capoeira para a minha casa (moro no Tirol. A Academia fica no Campus Universitário) não me restaram alternativas: criei vergonha.
- Diga aí Capacete?! Ei, tu que moras aqui perto de casa, qual o ÔNIBUS que eu pego pra Academia?
- Rapaz, o “45” ou o “53”...
- O telefone tá com um chiado danado! Os ônibus são só esses dois mesmo: O “45” e o “46”?... Alô, Capacete?! Puts, caiu a linha...
Lá estava eu na parada. Situação nova. Dentre todos era o mais atento à passagem dos ônibus. Lia tudo que vinha em sua fachada: idaalecrimvoltapraçacidsatéliteribeira... tudo, a fim de ir me familiarizando com a nova rotina.
Vinte minutos e nada. Era só eu na sombra do poste. E como uma miragem do deserto, o “46” aparece. Que sorte! Após observar o comportamento dos usuários durante aqueles longos minutos, levanto o braço magistralmente, com autoridade de veterano e peço parada. Lógico, sem nem desconfiar que se o telefonema não chiasse tanto, o “46” em que me opunha naquele momento, deveria ser o “53”.
Após o pagamento da passagem e alguns desequilíbrios bruscos e consequentes risadas, passo a roleta e vejo todos os bancos ocupados. Tive uma lembrança idiota do filme Ben-Hur, com aqueles escravos remadores no porão do navio, divididos por um corredozito onde desfilava o capataz com seu chicote. Seria eu? Havia, inclusive, algumas pessoas com a expressão sofrida do Charlton Heston: deviam ter remado muito naquele dia. Enquanto divagava essas bobagens, uma fileira de estudantes atrás de mim esperava impaciente minha decisão. Adiantei-me desengonçadamente e por um tempo segui em pé o trajeto, o que causou mais desequilíbrios. Cheguei a pedir desculpas a uma senhora, dizendo que não era minha intenção sentar em seu colo.
Para minha surpresa, o dito ônibus segue firme pela BR em vez de fazer o retorno na rótula que, na época, me levaria ao Campus: o “46” era o Ponta Negra! “Faz mal não, na volta, quando passar pelo Shopping, eu desço e vou andando, sempre fiz isso!” – penso eu.
Depois de contornar TODO o conjunto de Ponta Negra – e juro, pensei que fosse só pra me fazer raiva – o ÔNIBUS pára no terminal, na Vila de Ponta Negra, com a seguida frase do motorista: “Ufa, até que enfim! – e não precisa dizer que eu era o único passageiro no dito “oinbu”.
- Como assim, até que enfim? E como eu faço para ir pro Campus?
- Pega o que está saindo aí na frente!
Saltei do ônibus como um sapo da boca do crocodilo, mais com vergonha do motorista do que para, sem saber, pegar meu segundo ônibus errado. Desta vez, acomodado como um rei em seu trono, segui admirando a bela praia do bairro enquanto seguia pela Av. Roberto Freire, quando este imenso enlatado de merda dobra à direita, rumo a Via Costeira. Desesperado avanço até o motorista e chego a afirmar ao dito, na certa com alguns anos de profissão, de que estava equivocado e que a Universidade ficava do lado esquerdo. E mais mar na minha frente.
Para encurtar a história, fui acabar na parada em frente ao Itorn, em Petrópolis, para esperar traumatizado, o “45” e seguir não mais para o treino que já devia ter acabado, mas para meu lar, meu doce lar...
Texto publicado em 30 de setembro de 2002, em O Jornal de Hoje
kkkkk... Eu lembro desse texto. Foi um dos primeiros que li.. kkkk.. mto boa! Mas, fala sério: vc sentou mesmo no colo da velhinha ou era só pra criar polêmica??? ;)
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