Quando passei pelo sebo Paraupaba acho que ouvi Goethe gritar lá de dentro: “Luz, mais luz!”. Talvez para iluminar um ambiente esquecido, de pouco movimento. Mais à frente, o rei Roberto Carlos cantava pretensioso: “Não adianta nem tentar, me esquecer...” Inútil. Lá estava o vinil ainda novo encostado ao relento, numa prateleira de sebo. Na prateleira de ofertas de até três reais, uma multidão menos ilustre recebe alguma atenção. As estórias (ou seriam histórias?) de cordel pediam leitura em voz alta. Tudo em vão. A décima edição da Feira de Sebos de Natal guarda todos esses nomes e uma programação cultural vasta, diversificada e atrativa. Nem assim.
A Feira permanece na Praça André de Albuquerque – nascedouro da cidade – até quarta-feira. Se este sábado fizer sol ou chuva, vale uma visita. Já às 10h haverá sarau sobre o escritor regionalista José Bezerra Gomes (1911-1982). Tem ainda oficinas, apresentações musicais, palestras, lançamento de livro de João Gualberto, papo com Vicente Serejo, Ana Maria Cascudo, Abimael Silva e João da Mata, sobre a história da cidade de Natal. E muito mais. Talvez pouco para estudantes que afirmaram ter ido em busca de vinis antigos de heavy metal. “Ta fraco de vinil. E essa música ta uma m..., tá ligado?”. Tocava um samba de coco naquele instante.
O evento reflete muito da situação educacional e econômica. A opinião do repórter numa matéria jornalística é ratificada por músicos, artistas e sebistas. E fácil, também, de constatar. Visite e verá. Antes fosse um formigueiro de formiguinhas ávidas pelo açúcar do cordel ou o veneno gostoso dos clássicos literários. Um pequeno amontoado de gafanhotos ainda compareceu ao lançamento do livro do chargista Cláudio Oliveira, Pizzaria Brasil. Cláudio já passou por este Diário e hoje publica seu trabalho no jornal popular do grupo Folha: o Agora São Paulo. “Fui convidado a lançar aqui e gostei da idéia. Sinto-me bem entre livros e amigos”.
Opinião diferente da “galera” dos vinis de heavy metal e de muitos ali. O estilo do público parece variado. Médicos, jornalistas, homo sapiens de pensamentos e atividades distintas. Mas a atmosfera do ambiente é uma só e formada por uma maioria de adolescentes vestidos com camisas de bandas de rock. Há até um varal com venda de roupas de Avril Lavigne, Metallica e outros. Gente de cabelo grande, adereços e calças fora do convencional. Claro, visto de perto ninguém é normal. Mas em cenários de esquinas afora o retrato é outro: o da grande massa consumidora. E essa massa ainda não percebeu a riqueza de uma Feira de Sebos.
Um dos produtores do evento, o sebista e editor Abimael Silva, disse ser difícil quebrar a casca do ovo. “A cada ano damos uma bicada”. O compositor e cantor Romildo Soares defende uma Feira permanente, toda semana ou pelo menos uma vez ao mês. “A Praça é um lugar agradável e a cidade carece de eventos como esse, de incentivo à leitura e à arte”. A lembrar o extinto Domingo na Praça. Outro músico, Mirabô reclama do notório: “o livro ta caro, o povo lê pouco”. E reivindica: “Eventos como esse merecem incentivos. É uma maneira de despertar a curiosidade do público para a leitura”.
Mirabô apontou o público presente: “São intelectuais e pessoas que já freqüentam sebos”. O sebista Franklin Serrão afunila o estereótipo: “São pessoas que freqüentam sebos, bibliotecas, ainda assim, sem freqüência”. E que tipo de pessoas são essas? Estudantes, punks e skatistas que já freqüentam a praça, pseudo-intelectuais, autônomos curiosos, músicos e artistas, bebuns do Centro? Franklin Serrão é dono do Sebo Paraupaba – é nome do índio que expulsou os portugueses da Paraíba. Era meio que inimigo do nosso índio Poti, o Felipe Camarão, amigo dos gajos. Paraupaba era caba brabo. Se saltasse do sebo e visse aquela gente esquisita, pouca e sedenta por livros baratos, nem sei da reação. Mas se tivesse a visão da grande massa comprando e se deleitando sobre os livros, de certo iniciaria a dança da chuva, na taba, para celebrar o fim da seca.
Ano passado tive a sorte de ser pautada para cobrir a feira. Esse ano não fui. Consumida pela rotina da redação, acabo perdendo grandes eventos.
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