domingo, 8 de junho de 2008

MPBeco em fragmentos

Cai a tarde e a solidão. A Cidade Alta é mais centro: é movimento. O arrebol abocanha o Potengi e transpira o início da festa. A praça já é do povo. Quase hippies. Natal é refundada em música, sob o manto de Cascudo e do índio Poti. A Natal de um deus mar que vive para o sol é também canibal. Tem fome de roque. A MPB marginal, regional encontra ecos no beco. Suga o elixir das tribos de intelectuais, músicos, jornalistas e da gente livre. E espalha o perfume pronto à alma dedicada à música.

Mirabeaux é mais Mirabô do que nunca. Um potiguar de mote diferente, de tropicália jerimum. De alma branca. Das cores dos mares daqui. Amacia o palco e a populaça. O antro é libertário. Estão presos ali a diversidade e a voz coletiva. A criança brinca na escada da pinacoteca. O rapaz de juba amarrada paquera a moça tatuada. Próximo à fila para a cerveja, Carlão grava as cenas com o olhar apurado. Romildo toma uma cerveja. Abimael ingere várias. Moisés de Lima passeia nervoso entre canibais. Petistas reunidos. Alexandro Gurgel registra tudo pelas lentes do beco.

Na sopa do palco, o frevo come o hip hop. O carimbó janta o frevo. A MPB morde o carimbó. O regionalismo devora a MPB. E o rock natalense, meio grogs, lambe com ironia o regionalismo engasgado. Vencidos, vencedores. Todos saíram vitoriosos. Músicos e platéia, donos da palavra e da cicuta. São os votantes da democracia alheia. Os donos da praça, de coroa na mão. Por algumas noites foram felizes. Natal em festa, em festival. A música homenageada. A cultura aplaudida pela contra-cultura.

Orquestra Boca Seca já é entoada seca. É o fim dos sábados no Centro de histórias. A dispersão encontra ruelas e serpenteia becos a procura das heranças de Cascudo. O palco cuspiu toda a poesia, que encontrou o lodo e caiu na vala. A música sepulcral do Potengi já se escuta. Começo, meio e fim da MBP do Beco Natal. A noite sem memórias há de esquecer estes dias. E Dessa Casa quero Lembranças. Do Caos. Dos Insanos. E a praça... A praça abraça o tédio e a loucura dos indigentes. Guarda no sótão da memória dias de euforia e dorme de novo o silêncio pacato dos dias comuns.

Um comentário:

  1. Maravilha de texto, Sérgio. Uma sopa musical becodalamense para saborear como um biscoito fino. O texto já está estampando as páginas do Grande Ponto. Abraços, Alex.

    ResponderExcluir