quarta-feira, 15 de abril de 2009

De Gullar, Suassuna, poesia e que tais

Essa entrevista foi realizada em março de 2008. No Substantivo Plural de Tácito - olha ele de novo aí! (rs) - tem se travado discussão a respeito da obra do poeta Ferreira Gullar. Lembrei dessa matéria e da opinião desse crítico literário, que o acha medíocre. Segue o papo:

Por Sérgio Vilar

O crítico literário e poeta Frederico Barbosa é meio avesso a poemas alegres. Talvez guarde aquela essência do ofício: a de ser tristíssimo e olhar as cenas da esquina com alguma melancolia. Quem lê sua obra,percebe a descrença do poeta quanto ao caminhar do mundo. Por vezes parecem versos de cronista,daqueles observadores atentos às superficialidades do cotidiano.Mas tudo é muito condensado,embora também use das asas libertárias da poesia moderna.É um poeta de vanguarda. Recebeu dois prêmios Jabuti.Muito de sua obra foi traduzida e publicada em coletâneas de diversos países.

Frederico Barbosa,47,é pernambucano até os seis anos.Mudou-se para São Paulo em seguida. Sua obra tem olhar paulista. É pós-graduado em Literatura Brasileira pela USP.Foi crítico literário do Jornal da Tarde e Folha de São Paulo, redator da revista Help! - Literatura, publicada pelo jornal O Estado de São Paulo. Tem cinco livros de poemas escritos e é radicalmente contra o ‘‘fascismo’’ de Ariano Suassuna ou da poesia ‘‘medíocre’’ de Ferreira Gullar. Atualmente é diretor da Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura. É um espaço antagônico à ideologia niilista do poeta.Na Casa das Rosas, respira-se poesia. Não perfumada pela descrença.Mas pela ânsia de mudança de paradigma.

A Casa das Rosas é o único espaço no país dedicado apenas à poesia, segundo o poeta. Foi inaugurada em 2004, sem funcionários.Hoje conta com 16 e uma vida intelectual rica.Está lá todo o acervo da biblioteca de Haroldo de Campos. São 20 mil livros. É também um lugar de resistência contra a realidade caótica do mundo.Está localizada no centro de São Paulo, na Avenida Paulista ainda dominada por Bancos e pelo cheiro do capital financeiro. Para a entrevista, o poeta levou alguns trabalhos realizados na Casas das Rosas.Eram artes visuais inspiradas em alguma obra literária. O repórter comentou do silogismo com o Poema Processo. Frederico respondeu que não era exatamente, já que a formação do Poema Processo é literária. Foi quando a entrevista começou...

O Poti - Além do Poema Processo, o que mais você conhece de poesia ou literatura produzida em Natal?
Frederico Barbosa - A produção de Natal tinha de ser mais conhecida no resto do Brasil. Na minha opinião, Natal tem um dos maiores poetas visuais do mundo: o Avelino Araújo, completamente desconhecido. Talvez seja mais valorizado fora do Brasil. Conheço aquele movimento de vanguarda da década de 60, o pessoal está todo aí, né? Vi umas fotos. Moacir... Fizeram um movimento importante, mas que talvez no resto do Brasil também não se conheça.

A poesia contemporânea é mais contemplativa. Você aborda mais questões sociais...
Sem dúvida. Mas defendo que a poesia, para ser boa, precisa de forma. Dentro disso pode-se ir à vários lados. Para o parnasiano, por exemplo, vira uma coisa contemplativa. Gosto de escrever sobre coisas que importam às pessoas. Minha poesia, sobretudo após a década de 90, procura dialogar com a cultura atual. Gosto de Samuel Becker, mas também de John Lennon ou da cultura pop. Falo dos problemas de hoje sem a coisa panfletária. Aquela coisa ‘‘viva a revolução’’. Como escrever a questão da chuva em São Paulo ou o preconceito que se tem contra o rock in roll.

Quando você foge da ‘‘coisa panfletária’’se torna vanguardista já que a geração atual está cansada de lutar? Sua poesia é também muito cheia de descrença.
Escrever é uma forma de organizar o caos. A vida é tão caótica; seu interior é tão caótico; a linguagem é tão caótica. Se ouvíssemos a mente alheia não entenderíamos nada. A mente é uma confusão. Nos comunicamos através da linguagem. E a poesia é a forma mais interessante de tradução. Pode-se condensar determinados sentimentos e transformar todo o caos em poesia.

É um pensamento meio niilista...
(risos) Totalmente. Minha poesia é e eu sou niilista. Fiz um livro sobre a depressão. Chama-se Louco no oco sem beira - anatomia da depressão. Muita gente leu e sentiu-se bem porque se identificou com os escritos. A pessoa vê que não está só naquela depressão.

Para ser niilista é preciso abandonar ideologias.Mas no abandono se constrói ideologia...
Escrevi um poema chamado Sem crer. As pessoas associam à poesia de Augusto de Campos, intitulado Não. ‘‘Ainda não é poesia...’’ Ele fala isso. E a origem do meu poema tem como origem a canção de John Lennon - God. O refrão diz que ele não acredita em um monte de coisa e no final diz que só acredita nele e em Yoko. No meu eu digo que não acredito nem em mim. Outra descrença minha é na ausência de ideologia. Ela está em tudo. O que podemos falar hoje é dos fracassos de projetos ideologicamente carregados, seja na ala esquerda ou direita.

Qual sua ideologia que deu certo?
O livro que escrevi com Antônio Resério - Brasilbraseiro - tem como fundamento discutir a história, os problemas do Brasil hoje e ficou um livro extremamente pesado. Por outro lado é um livro de poesia que vendeu mais de 18 mil exemplares. Foi um absurdo. É praticamente impossível acontecer isso hoje no Brasil. Embora um livro pessimista, a gente conseguiu pensar num Brasil de arte, de poesia, que vive. E através disso organizar um Brasil mais saudável e interessante.

Como o trabalho realizado na Casa das Rosas?
É uma casa sempre cheia de gente curtindo poesia, saraus. Isso me deixa otimista. Quando comecei a escrever poesia, há quase 30 anos, não se tinha lugar para se apresentar. Há saraus lotados na periferia de São Paulo, e um dos casarões mais bonitos da Avenida Paulista é dedicado à poesia. Acho que essa valorização da arte e da cultura tem ocorrido no Brasil inteiro. Não adianta um país rico se for inculto

Schopenhauer falava que só através da arte se consegue fugir da prisão das vontades...
Exatamente. É engraçado. A Avenida Paulista foi originalmente do poder econômico agrícola. Depois dos industriais; dos Mattarazo e outros. Em seguida, dos Bancos. Não deixou de ser dos Bancos, mas está se transformando na avenida da cultura. Em cada quarteirão há um centro cultural, como a Casa das Rosas.

Qual sua avaliação da poesia produzida hoje no Brasil?
Muita coisa bacana está sendo construída. Editei uma antologia de poesia chamada Na virada do século, em 2002. Está na segunda edição. São 46 poetas. Daria para fazer outra com pelo menos mais 100. Ficaram de fora por desconhecimento ou incompetência minha. É difícil conhecer tudo de poesia num país como o Brasil. Aqui em Natal não conheço. Só os caras da década de 60. Uma das intenções de minha vinda é para conhecer. Numa oficina na Paraíba conheci vários, gente que produz poesias fantásticas.

A internet ajudou nisso?
Antigamente tinha de ter grana pra publicar. Hoje, não. Em São Paulo publiquei um livro de uma menina de Arcoverde, em Pernambuco. Descobri seus poemas na internet. Ela foi uma das finalistas do Portugal Telecom e ganhou certa notoriedade como poeta.

A poesia ainda é o patinho feio das editoras?
Existe o círculo vicioso: não publicam porque não vende. E não vende porque não publicam.

Quais bons nomes da poesia contemporânea?
Assim você me coloca contra a parede. É difícil falar bons nomes, simplesmente. Mas há linhas interessantes. Uma poesia mais minimalista e contida tem uma poeta cearense radicada em São Paulo, uma médica chamada Mirna Teixeira. Uma linha que poderíamos chamar de neobarroca, de menos contenção e mais prolixidade, mas com muito trabalho na linguagem, temos o poeta Cláudio Daniel. Uma linha mais pop, com referências ao rock, o poeta Ademir Assunção. Uma poesia mais semiótica, em mistura com dança, música, tem o mineiro Ricardo Aleixo. E temos os mais velhos, aquele que considero o maior poeta vivo do mundo: Augusto de Campos.

Iria perguntar qual a preferência entre Augusto de Campos e Ferreira Gullar.Os acho meio antagônicos.
Ferreira Gullar é medíocre. Não há nada de interessante em sua obra. Geralmente as pessoas me xingam por isso. Ninguém conseguiu me mostrar porque ele é bom. Tenho uma pilha de livros dele. Se eu gostasse seria mais feliz. Não consigo gostar de um cara conservador e que critica o rock.

Em seguida os nomes seriam entre os pernambucanos Ariano Suassuna e Jomar Muniz de Brito.Mas você respondeu indiretamente.
Jomar Muniz de Brito é um gênio. Ariano Suassuna prefiro nem comentar para evitar palavrão. Ele é um ideólogo do fascismo.

Jomar participou do Encontro Natalense de Escritores e é realmente fantástico.
Como nordestino exilado não entendo como o Nordeste não dá o devido valor a Jomar. É dos maiores gênios que temos. Tem a capacidade de conhecer bem a tradição e mesclar com tudo. Ao contrário da ideologia fascista do Ariano. Não vejo a menor diferença entre a teoria dele e Mussolini. E Mussolini era idolatrado pelos italianos e até por brasileiros. Têm textos do Portinari com afirmação de que o Brasil precisava de Mussolini. Isso porque ele valorizava bastante a arte de sua terra. Só faltava dizer que era armorial. O Ariano é fascinante. Mas as pessoas se deixam levar pelo charme de Ariano e engolem as bobagens que ele fala. Igual ao Mussolini.

Em entrevista que fiz com Ariano perguntei da opinião dele sobre os Beatles, pra provocar.Ele ficou uma fera.
(risos) Você falou, foi? Que legal. Escrevi um poema publicado em revista do Recife, intitulado Rua da Moeda - tapa na cara dos velhacos (a Rua da Moeda, em Recife, é considerada um antro do rock). É um poema que falo do Gullar e do Ariano, da posição deles contra o rock ou daquilo que considero um dos movimentos culturais mais importantes que o Brasil já teve que foi a antropofagia do Oswald de Andrade. O Brasil é antropofagia total. Sempre foi. O Antônio Risério dizia que as duas coisas mais típicas da Bahia são importadas: o coco e o negro. Tudo aqui é importado. Nossa riqueza vem da miscigenação. Não dá pra fugir disso.

Você mistura poesia concreta, recursos de semântica e semiótica em sua obra e ao mesmo tempo é uma poesia contemporânea. Qual o segredo?

A poesia de Augusto e Haroldo de Campos, e do Décio (Pignatari) também são fundamentais na minha formação. Eles tinham de receber o Nobel. Eles foram autores da maior revolução na literatura do mundo. Foi a única vez que o Brasil conseguiu isso. Sempre viemos a reboque, mesmo com o Modernismo do Mário e do Oswald (de Andrade). Muita gente lê minha poesia e classifica como concreta. Não é. Não deixa de apresentar alguns recursos; é uma poesia de palavras discursivas, mas com tendência à concisão e um certo rigor que aprendi com a poesia concreta. Admiro esse rigor, mas também a graça, a espontaneidade, o humor de certos poetas da literatura e poesia marginal. O ideal é unir o rigor da poesia concreta, a inventividade da poesia marginal e a criticidade da poesia engajada. Não precisam ser, necessariamente, separadas.

A poesia de Edgar Alan Poe olhava muito para o interior dele.A de Drummond também é muito autoral.A impressão passada a partir de sua poesia é a de um observador passivo e revoltado com o cotidiano.Sua inspiração parte daí?
Não acredito em inspiração. Uma vez falei isso em sala de aula e uma aluna, inteligente e sarcástica – que, aliás, são sinônimos - me falou: ‘‘É porque você nunca teve’’. Talvez seja isso. Mas eu acredito em trabalho. Poema não sai, poema se faz. O que sai é no banheiro. Inspiração podem ser momentos de condensação de determinadas idéias. Meu processo é lento. Vejo uma coisa, fico imaginando escrever sobre ela. Só que às vezes demoro muito pra escrever. Sou desorganizado ou teria uma obra muito maior. Vou dar um exemplo: quando chove em São Paulo, as ruas entopem de carros. É impressionante. Achei legal essa visão. Fiquei com essa imagem uns 15 anos, até escrever o poema Quando chove.

Tem outra história dessa?
Outra que escrevi foi... Acho que o momento mais depressivo da vida é o domingo à noite. Quando eu me suicidar será nesse horário e dia. Escrevi um poema curtinho: ‘‘Fim de domingo / Ao som da TV / A vida pelo ralo / Desperdício de ser’’. São quatro versos que demorou um tempão pra escrever.

Clarice Lispector dizia que tinha medo de escrever porque era mexer com o desconhecido.E que pra escrever ela se colocava num vazio.
A Clarice mentia muito. Até a própria idade. Eu adoro Clarice. É das maiores escritoras que o mundo teve. Mas na hora que você escreve tem de apresentar muito do que você tem dentro de si. Você citou o Poe. Ele falava muito nisso. Dizia que quem não sabe escrever o que sente, não sabe direito o que sente. O problema é que somos uma massa meio amorfa..

Um comentário:

  1. Puxa...se eu tivesse lido essa entrevista em um dia qualquer teria achado esse Frederico Barbosa meio chato. Mas hoje não é um dia qualquer. É que acabei de ler a biografia do Paulo Leminski, um poeta ENORME, e essa biografia é uma coisa linda, emocionante. Então, depois de uma overdose de Leminski, leio essa entrevista e acho esse Frederico Barbosa TOTALMENTE chato. Não discordo por completo da opinião dele sobre Ferreira Gullar nem sobre Ariano (que de fato é charmoso mas é um baita intransigente). Mas, sei lá, achei essa entrevista muito baixo-astral e aquela poesia sobre o domingo muito chatinha.
    E achei podre de chato esse trecho:
    “A vida é tão caótica; seu interior é tão caótico; a linguagem é tão caótica. Se ouvíssemos a mente alheia não entenderíamos nada. A mente é uma confusão. Nos comunicamos através da linguagem. E a poesia é a forma mais interessante de tradução.”

    Contraponho a ele o meu queridinho Leminski:
    “De todas as coisas que os homens possam buscar, o uso da linguagem dá um barato fundamental para o ser humano. Não é preciso justificar isso à luz de nada! Isso aí é que é fundamental, outras coisas é que tem que se justificar.”

    Quanta diferença! A linguagem como um meio de comunicação para traduzir o caos dessa vida entediante, para Frederico Barbosa. Para Leminski, a linguagem como um barato fundamental!!!

    Bom, mas eu explico porque estou falando tanto no Leminski aqui. É que, como deu pra perceber, em primeiro lugar sou apaixonada por ele. Ok, mas além disso, senti a ausência dele quando o cara citou Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos e fiquei meio despeitada. Tudo bem que gosto cada um tem o seu, mas creio que quando um crítico fala nesses nomes, em concretismo e tal, o Leminski é um nome essencial, mesmo que seja para detonar, para dizer que não aprecia.
    Bom, pra finalizar, deixo meu recado para o Sr. Frederico:

    "podem ficar com a realidade
    esse baixo astral
    em que tudo entra pelo cano
    eu quero viver de verdade
    eu fico com o cinema americano "

    (de Leminski, claro:)

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