sexta-feira, 26 de junho de 2009
Cabeças pensantes do futebol
A magia do futebol é inexplicável. Consegue unir antônimos e sinônimos numa mesma paixão. Adocica textos de Nelson Rodrigues. Vira poema escrito e jogado; arte plástica; música cadenciada; paulicéia literária. Desde quando os primatas descobriram a roda, a pelota é objeto de estudo e carece de explicação científica para definir seus efeitos sob a massa homogênea. Coisa que Freud e A cabeça do futebol explicam. O livro é organizado pelos literatos e futebolistas frustrados Carlos Magno Araújo, Samarone Lima e Gustavo de Castro - jornalistas e cronistas também deste campeonato do cotidiano.
Choro, revolta, euforia, ironia, angústia… O futebol retrata pedaços existenciais. No compêndio de suas histórias está a ilusão e os fatos. Sem um deles a vida seria metade. A cabeça do futebol reúne esses pedaços na tentativa de explicar o imponderável. Um escrete comparável à seleção brasileira de 70 foi escalado para preencher os limites das quatro linhas do livro. São 28 craques da literatura e do jornalismo. Poetas, cronistas, ensaístas, romancistas, contistas e até jogador estrangeiro. Time pra jogar em todas as posições e emplacar este golaço, já lançado em passe milimétrico em Recife, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e hoje recebe o aplauso da torcida natalense na Siciliano do Midway, às 19h.
O livro A cabeça do futebol (Editora Casa das Musas, 2009, R$ 25) será apresentado aos torcedores de todas as agremiações. É provável que alguns dos selecionáveis, comandados pelo capitão Carlos Magno Araújo, estejam presentes. Formam o time Juca Kfouri, José Roberto Torero, Luiz Zanin, Daniel Piza, Xico Sá, Humberto Werneck, Fabrício Carpinejar; os potiguares Moacy Cirne, Rubens Lemos Filho e Gustavo de Castro.
As histórias parecem contos de fadas. Servem mesmo para contação às crianças. Talvez até despertem esta magia pronta a desabrochar. Há também os relatos tristes, como a escrita pelo espanhol Enrique Vila-Matas e a tragédia do meio-campista uruguaio Abdón Porte, ídolo do Nacional. Corria o distante 1918. Abdón festejava com amigos a vitória do seu time após a partida. A uma da madrugada retornou ao estádio. “No meio da noite, foi até o círculo central do campo, onde tinha o costume de reinar. Ninguém mais o substituiria. Ali, no próprio centro do estádio, matou-se com um tiro no coração”. Foi sua última partida.
Relatos de craques nacionais também figuram neste campo literário. Mas também os mais anônimos ou tão famosos que só cabem no pôster do time campeão da sua cidade. As lembranças infantis naquele alumbramento mágico despertado pelo time de coração que acompanha os próximos domingos da sua vida, também ilustram a obra. E lá estão as bolas de meia, a primeira ida ao estádio, os torcedores folclóricos, e os fatos cotidianos que apresentam o futebol como pano de fundo; como pintura íntima da vida. Na crônica de Carlos Magno Araújo, o duelo do abecedista Hélcio Jacaré com ídolo Fio Maravilha, ex-rubronegro, em cenas coloridas pela nostalgia.
CAPITÃO CHARLES
Apesar da pompa dos elogios já registrados na imprensa nacional e da circunstância dos lançamentos, Carlos Magno Araújo imprimiu a categoria e discrição do botafoguense Didi, maestro da seleção campeã de 58, para justificar a reunião de tantos “cartolas temporários neste sonho de reunir craques do jornalismo e da literatura para falar do mais passional dos esportes”. Está logo na apresentação: “Não esperam a glória fútil do Motoradio, a entrevista útil na boca do túnel ou o destaque na resenha da noite. Foi tudo por amor ao futebol - sem preço que pague”. E falou mais:
Sérgio Vilar - Como surgiu a ideia de elaborar o livro?
Carlos Magno Araújo - O livro surgiu da ideia de mostrar que o futebol é bem mais do que 22 homens correndo atrás de uma bola. O futebol pode ser visto, sim, como um microcosmo da vida. Os que praticam, em geral, aprendem a ser solidários, a conviver com derrotas e vitórias e a ter consciência de que precisam da ajuda dos demais para vencer. Assim é a vida. O futebol é o grande e verdadeiro Big Brother. Em noventa minutos, oferece aos espectadores alegria, dor, emoção - e o melhor: sem precisar discar para o Pedro Bial.
Qual a recomendação dada a cada colaborador?
Junto com os dois outros organizadores, meus amigos Gustavo de Castro e Samarone Lima, começamos a sondar escritores e jornalistas. O projeto que, a princípio, seria mais “local”, foi ganhando outros contornos. Todos os colaboradores adoraram a ideia e fizeram questão de participar. Os textos foram chegando e formando um caleidoscópio interessante e muito peculiar sobre o futebol.
Os textos fogem do academicismo da técnica jornalística. Seriam eles parâmetros às editorias de esportes tornarem suas matérias mais humanas?
Não pensamos nisso na hora de montar o livro. O que pedimos, basicamente, foi que cada um narrasse um episódio marcante na sua vida envolvendo o futebol. Em relação às editoria de esportes, vale o mesmo para qualquer outra: não há jornalismo bom sem personagens, mas acima de tudo não existe jornalismo bom sem texto bom.
O livro é permeado de nostalgia; as histórias são alumbramentos antigos. O futebol perdeu muito desta magia relatada?
O futebol, como tudo hoje em dia, paga o preço da pressa, da urgência. Se por um lado dispomos hoje de uma infinidade de meios para ver jogos e acompanhar notícias de futebol (TV aberta, TV paga, internet, pay per view, sites, blogues), por outro sente-se falta daquela magia particular, daqueles grandes jogos, dos craques inesquecíveis. Antes vivíamos a era do texto no futebol, das crônicas marcantes, hoje vive-se a era da imagem e do mercado. Estamos vivendo o tempo do futebol fast food.
P.S: Esta é mais uma matéria que sairia hoje no DN e foi barrada em virtude da morte do Michael e de um espetáculo de dança.
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