A matéria a seguir deveria ser publicada hoje no DN. Não me perguntem o porquê da rasteira. Fato é que figura aqui, neste espaço em gradativo crescimento de prestígio. É sobre a revista-livro editado pelo escritor Adriano de Sousa e sua Flor do Sal. Reúne textos alusivos a Natal daqui a 50 anos, inspirada na conferência centenária proferida pelo jornalista e jurista Manoel Dantas, em 1909.
O lançamento foi ontem na Siciliano do Midway. Aliás, este mês a livraria se tornou o point da cidade dos arraiás chuvosos. Não pude ir justo pelo trânsito caótico que me prendeu por quase uma hora na BR 101. Soube de Tácito que foi prestigiado e contou com a presença do sobrinho de Manoel Dantas, Edgar Dantas - figura ímpar com quem tive o prazer de longa conversa e que porta o legado de Oswaldo Lamartine.
Edgar se emocionou ao relatar a vida e a pessoa do tio e da Natal da época - uma Belle Èpoque paraguaia (observação do blogueiro). A revista foi distribuída entre os presentes. Como afirma Adriano de Sousa (o qual peço perdão pela falta do espaçamento original de seu poema abaixo, culpa do sistema), o sentido da revista é repetir o espírito da Conferência, promovida para angariar fundos à família do - provavelmente - o primeiro poeta potiguar, Segundo Wanderley.
Segue a matéria:
A alma da cidade repousa nas esquinas. E Natal é quina continental. O Estado tem formato côncavo, sorridente ao resto da humanidade. O tapete estendido é azul marinho e os ares chegam do Atlântico. Daí o sonho cosmopolita ao povoado provinciano. Desfilam as épocas na passarela do tempo e Natal continua a província desconsagrada de Cascudo. Desde a Conferência do jornalista, jurista e político Manoel Dantas, há 100 anos, a cidade vive a espera de uma nova invasão estrangeira. Primeiro foram as caravelas francesas (que invadiriam depois a Belle Èpoque natalense). Vieram os americanos na 2ª Guerra. E agora o escritor Adriano de Sousa reúne alumbramentos futurologistas de uma Natal para além do pós-moderno; uma Natal mergulhada no imaginário de literatos e jornalistas despidos de utopias, crentes na atmosfera presente para projetar o faz de conta do futuro.
“A ironia guarda perfeita relação com as centúrias de Manoel Dantas. Lidas em retrospecto, aquelas visões e projeções geram a sensação de que o autor sabia da nossa (em 1909, 1959 ou 2009) precariamente como construtores do futuro. E concluiu que, nesse caso, tanto fazia brincar de faz de conta ou especular a sério com fatos e datas; fabular absurdos ou sonhar concretudes; desejar verdadeiramente o futuro ou simplesmente caricaturá-lo”. As palavras aspeadas integram o editorial da revista, escritas ao estilo do organizador. E penduram no varal os textos de cada autor. São páginas agridoces. Natal é pintada de cores cinzas, como na poesia seca de um presente-futuro de Alex Nascimento (ler abaixo), ou na melancolia de cenários cotidianos e personagens de alma faroleira, detalhados pelo jornalista e escritor Mário Ivo Cavalcanti. Tácito Costa se dá ao luxo de reportar a mesmice da província em viagem ficcionista ao inferno.
O próprio poeta Adriano de Souza dá o tom desta produção literária livre de qualquer amarra de técnicas jornalísticas ou rigor profético e pincela quadros ácidos à cidade de rotina besta, vista das janelas drummonianas, mas vestida de roupa importada. Segue um trecho:
“Iés, meu patrão
o futuro passou
por aqui
nós o vimos
ir por ali
a passo de jegue
digo melhor
a passo de dromedário
tomar a barca da redinha”
A revista editada pela Flor do Sal tem formado de livro e papel couchê. O material - lançado ontem na livraria Siciliano do Midway - reúne ainda imagens do fotógrafo Giovanni Sérgio e uma edição fac simile da edição original da conferëncia, publicada em 1909 pela Imprensa Oficial. Segundo Adriano de Souza, a ideia embrionária do livro foi publicar textos divididos em áreas técnicas como educação, saúde, transporte e outros setores relevantes ao cidadão. O material seria escrito por especialistas em cada segmento. “Apenas um colaborador entregou o trabalho pronto. Então modificamos o perfil da revista e convidamos pessoas do qual sou admirador como leitor ou tenho afinidade pessoal”. O currículo de Adriano de Souza reportou a poetas e cronistas da cidade, como Carlos Fialho, Vicente Serejo, Carlos Magno Araújo, Rodrigo Levino, Carmem Vasconcelos e outros. Todos voluntários no projeto, em alusão ao espírito filantrópico da Conferência. À época, o intuito foi arrecadar fundos à família do poeta Segundo Wanderley.
As últimas páginas de Perigo Iminente - distribuída gratuitamente nas escolas - são reproduções de cartas e desenhos de alunos da Escola Viva, sob o tema referido. O último parágrafo é da aluna Tainá Macedo de Andrade, de nove anos. E diz: “Eu acho que a vida em Natal daqui a 50 aos vai tar (sic) mais precária porque hoje em dia o ser humano está jogando mais livro nos mares e nas ruas. Se as indústrias replantarem as árvores que cortaram o mundo vai ficar com mais ar puro. Dependendo da colaboração de cada um a vida será bem melhor”.
Feliz 2059
“Quando haver era verbo aqui havia
Um vulto que chamavam de cidade
Um Éden, fauna, flora e vaidade,
Chorava o riso e da tristeza ria.
Felizmente o Atlântico sabia
Que o vazio não tem posteridade
E guardou submersa essa beldade
Num tsunâmi de filantropia.
A vida inteira vendeu mal por bem
E comprou sem pagar o bem por mal
Recebeu justa paga a hipocrisia
Cujo nome secreto era Natal;
A ilha do Careca foi um dia
Um morro de saudade, sangue e sal”.
(Alex Nascimento)
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