quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Entrevista - Glorinha Oliveira


A relação de Glorinha Oliveira com os palcos merecia crônica de Nelson Rodrigues. É quase um caso de obsessão. O palco, o amante insaciável. Glorinha, a moça carente de amores. Uma paixão de mais de 70 anos. Em dezembro de 2007, o palco amante ouviu a despedida da voz de Rouxinol. Na noite de hoje, ela retorna aos braços daquele que sempre lhe acolheu. Será no Mercado de Petrópolis, dentro da última edição anual do projeto Quarta Cultural do Mercado de Petrópolis.

A voz jovial e potente de Glorinha jorrou romantismo pelos quatro cantos do Norte e Nordeste durante décadas. Aos 84 anos, Maria da Glória Mendes Oliveira diz pela primeira vez que sente a sua voz “fugir” e já perdeu a disposição para shows. Prefere, então, “parar no auge”, sem desafinar ou sair do tom. Na despedida há dois anos, Glorinha cantou ao palco amado: “Eu sei que vou te amar. Por toda minha vida, eu vou te amar. Em cada despedida eu vou te amar...”. E eis a volta.

O palco já não é mais aquele de outrora – o velho amante da mocidade. Glorinha gosta mesmo é de chegar e cantar, sem formalidades, parafernalhas eletrônicas e querelas burocráticas na montagem do... palco. Se vale mesmo é do “gogó”. Mesmo nas rádios de outrora, como a pioneira Rádio Educadora de Natal havia espaço para grandes orquestras, como a de Waldemar Ernesto, e tudo ao vivo, na “bucha”. E foi em consideração ao maestro Waldemar a volta de Glorinha aos braços do público. Ela explica o porquê.

Entrevista Glorinha Oliveira

Porque a volta aos palcos neste projeto?
Porque é uma coisa mais informal. Palco mesmo eu não tenho mais disposição. Esse ano eu penduro as chuteiras. A barra ta pesando, já. Quero deixar o palco no auge, sem desafinar. Cantar mesmo só em casa, numa brincadeira entre amigos, sem ser como profissional. É o jeito. Já são 84 anos nas costas, meu filho.

Essa relação com o palco parece caso de amor mal resolvido: sempre há uma reconciliação...
Graças a Deus caí no gosto do povo e sempre pedem para eu voltar. Mas cada qual sabe das suas possibilidades. Minha voz está fugindo. Em casa eu testo e tenho auto-crítica suficiente para perceber isso. É de fazer pena ver Ângela Maria desafinar, sair do tom. Nem sei se ela é mais velha do que eu, nem quero saber. Ademilde Fonseca, por exemplo, disse textualmente para mim que desistiu de cantar pelo mesmo motivo.

O Quarta Cultural é um projeto realizado mais pelo idealismo de abnegados do Mercado de Petrópolis, sem apoios. O cachê é ínfimo. A senhora decidiu participar para colaborar com o projeto?
Tocarei com Paulo Tito (violonista e compositor), um grande nome da nossa música. O Paulo me falou que não abre a boca ou leva seu material para tocar de graça em canto nenhum porque não é besta. Ele está certo. Mas preferi dizer sim a quem teve consideração comigo. Então, o cachê que seria me dado, de R$ 50 para cobrir custos, dei pra ele. Vou cantar de graça, mesmo sendo uma pessoa humilde, sem nem casa própria para morar.

E essa consideração se deve a quem já que o Mercado é formado por vários permissionários?
A Bruninha (Bruna Hetzel, produtora do evento) é neta do maestro Waldemar Ernesto. E tenho grande consideração por Waldermar desde muito tempo. Se ele me pedisse para cantar de graça no meio da feira eu ainda iria.

A senhora ainda mora de aluguel?
Enquanto ainda tiver dinheiro para pagar... Infelizmente não deu para fazer um “pé-de-meia” enquanto cantei. O artista era mal visto naquela época. Quando chegava para cantar parecia que estava contaminado. Hoje em dia é diferente e todo mundo sabe cantar depois da tecnologia que ajeita a voz. Na minha época era no gogó. Veja que hoje recebo um salário mínimo mais uma pensão dada por Garibaldi (Filho). Só o aluguel da casa (no bairro de Santos Reis) é 300 reais.

A casa própria é seu grande sonho, então?
Se aparecesse um louco e dissesse: ‘Você fará um show e depois vai para sua casa’ eu faria das tripas, coração, subiria no palco para meu último show porque depois iria para uma casa que eu pudesse chamar de minha. Meu segundo sonho é gravar um DVD. Mas isso, antes de eu pegar minha passagem só de ida eu ainda faço; é segredo profissional. Sairá pela UFRN. Enfim, apesar dos pesares sou feliz. Só reclamo das dores da artrose. Mas vejo tanta gente em situação pior. Ora, estou viva, inteira. Não estou velha, estou usada; estrada é que fica velha. Gostaria que muitos tivessem a alegria que tenho hoje.


QUARTA CULTURAL
Três gerações da música potiguar se encontram hoje no Quarta Cultural, a partir das 18h. O projeto apresenta a Orquestra Xilofônica do SESC-RN, sob a regência do professor Daniel Rezende. Em seguida, o Coral Vox da AFURN (regência e direção musical de Thyago Galvão) trará um belo repertório de releituras de músicas natalinas. Para fechar a noite, a rouxinol Glorinha Oliveira, acompanhada por Paulo Tito. O projeto tem início a partir das 14hs com as suas tradicionais feiras de Artesanato e Antiguidades, apresentando uma programação diversificada que contempla igualmente uma Mostra e Feira de Quadrinhos, e o Re-lançamento de dois livros do escritor potiguar Nelson Patriota: “Colóquio com um leitor Kafkiano”, e “A Estrela Conta” (biografia de Glorinha Oliveira) – livro já esgotado nas livrarias.

* Matéria publicada hoje no Diário de Natal

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