sábado, 20 de fevereiro de 2010
Meio século de samba
O samba de raiz tem origem afro-baiana de tempero carioca. Mas tudo que é grandioso e tem talento e respaldo nos campos da simplicidade, deságua nas Rocas, no Beco da Lama... Foi assim com Debinha, nascido Carlos Antônio Ramos, em 1960. Amanhã, o compositor do samba-enredo campeão do carnaval de Natal deste ano completa 50 anos de vida. E se viver é interagir. E se Debinha nasceu e cresceu nas Rocas, são 50 anos de samba – gênero musical mais autêntico do Brasil e trilha sonora da gente simples do bairro natalense.
O apelido Debinha vem desde os 7 anos. Na década de 60, as Rocas era também berço do futebol local. E o perfil físico do moleque “roquense” futebolista logo foi associado ao meia-esquerda do ABC, Debinha. E logo o alvinegro se tornou paixão na vida de Debinha. Tentou carreira no futebol. Chegou a jogar nos juniores do América. A troca dos times do coração, explica, foi levada pelo profissionalismo, pela oportunidade do momento. Mais tarde, o mesmo aconteceria com as agremiações carnavalescas.
O ingresso oficial e precoce no samba foi aos 15 anos. Na Rua 3 de Outubro, onde passou a morar, ainda nas Rocas, se reunia o então famoso grupo de bambas João de Orestes – sucesso na década de 70. “Comecei a tocar tan tan enquanto eles bebiam e conversavam. Depois cantava junto e logo estava no grupo. Já ouvia desde criança Jackson do Pandeiro, Martinho da Vila, Jorginho do Império, Clara Nunes... Tinha o ouvido treinado para o samba. Nas Rocas é raro se ouvir outro ritmo”, lembra.
Dois anos mais tarde, em 1977, Debinha compôs o primeiro samba, dedicado ao bloco de carnaval Os Otimistas, popular nas Rocas. Nessa época, passou a freqüentar as serestas e as rodas de samba da lenda do carnaval natalense, mestre Lucarino. Em 1980, a convite do próprio Lucarino, ingressava pela primeira vez nas agremiações carnavalescas. A estreia foi na famosa Balanço do Morro. Seria o início de uma história vitoriosa no carnaval de Natal.
“Lucarino pediu ajuda para construir o samba-enredo do ano seguinte. Escrevi, junto com Babal e Galvão Filho, e vencemos o carnaval de 82. A música se chamava Chove Prata. Naquele tempo, a cor prata começava a ser usava nos adereços e alas das escolas de samba do Rio de Janeiro”, recorda. No ano seguinte, em 1983, Debinha recebe convite do intérprete de sambas-enredo, Miguel, para participar da arquirrival da Balanço, a Malandros do Samba. Com Debinha, a Malandros venceria os carnavais de 83, 84 e 85.
“Mesmo entre a Balanço e a Malandros, no período que compreende 1980 a 1985, dava suporte para escolas menores como a Período Independente e Calouros Fantásticos, esta última era a menina dos olhos do ator Raul Cortez, que desfilou na escola por uns cinco anos, também dos sambistas famosos Manoel Farrapo e Djalma Setúbal”. A saída de Debinha da Malandros do Samba, em 85, marcaria um novo período junto aos grupos de samba.
Em Cima da Hora
Debinha começou a tocar em carnavais da cidade junto com alguns sambistas amigos. O reingresso na avenida do samba veio em boa hora, ou melhor, no Em Cima da Hora. Sambistas dissidentes da escola Balanço do Morro fundaram a escola Em Cima da Hora, em 1990. E a ascendência foi impressionante. A escola entrou no grupo de acesso no primeiro ano. No ano seguinte, em 91, venceu a chave C. Em 1992, foi campeã da chave B. E em 1993, disputava a chave A com a Balanço do Morro e Malandros do Samba.
“As duas eram hegemônicas no carnaval de Natal. Nunca uma escola de samba pequena havia arrastado o título. Mestre Raimundo Menezes me chamou, e junto comigo, Zacarias Anselmo, Agaci e Gérson. Escrevi o samba Chegou a Hora, Tem que Ser Agora. Resultado: quebramos a hegemonia e vencemos o carnaval, com desfile ainda na Prudente de Morais. Até hoje a Rua do Motor – origem da escola – lembra do feito e canta a música”, se orgulha Debinha.
Roda de Bambas
Novamente afastado das agremiações carnavalescas, Debinha funda o grupo de samba e chorinho Sapato Novo, em 1995. Junto com Debinha, o compositor-flautista Carlos Zens, Zezinho, Roberto Cabanhas e Pachequinho. O grupo durou até 1999 percorrendo as casas de shows, hotéis e rodas de samba das Rocas. A saída de Carlos Zens para se lançar em carreira solo provocou a mudança de nome do quinteto para Rodas de Bamba, agora também com o violonista Délcio.
O Rodas de Bamba existe desde 2000. Tornou-se famoso na AABB, onde se apresentavam semanalmente até maio do ano passado. Há dois anos, o médico e apreciador da aura sambista das Rocas e do gênero musical, Zizinho, chamou o Rodas de Bamba para tocar aos sábados no Buraco da Catita. O bar se tornava point da cidade às sextas-feiras, quando apresentava o chorinho. “Quando começamos a levantar o sábado no Buraco da Catita, houve desavenças internas e o médico Zizinho, então sócio do bar, nos levou para o Centro Histórico”, disse Debinha.
Desde janeiro de 2009, o Rodas de Bamba se apresenta nas primeiras sextas-feiras do mês na Rua Vigário Bartolomeu, próximo ao cruzamento com a Ulisses Caldas, perto da prefeitura e do camelódromo da Cidade Alta. O projeto é o Nós do Beco, idealizado por Zizinho. Nasceu como homenagem ao compositor K-Ximbinho. Em cada edição, a rua fica tomada de gente, a partir das 19h30. As participações especiais abrilhantam o som do grupo: o cavaquinho de Chumbinho (parceiro musical de Debinha há 30 anos) e o violão do mestre Silvano, além das canjas vocais de Damiana, grande dama do carnaval de Natal.
Dia Nacional do Samba
O embrião para Natal comemorar o Dia Nacional do Samba, foi lançado por Debinha no último 2 de dezembro. “Era uma quarta-feira véspera de Carnatal e conseguimos reunir oito grupos de samba da cidade, fechando com Isaque Galvão para festejarmos o Dia do Samba. A entrada era somente um quilo de alimento não-perecível. Conseguimos mais de 1,2 mil quilos. Então, queremos ampliar essa ideia neste ano. Buscaremos apoios e outros grupos para que Natal possa comemorar a data como um evento anual”, sugere o sambista.
]Outro projeto de Debinha é a gravação de um CD de samba, em comemoração aos seus 35 anos de samba. “Será gravado ao vivo no Teatro Alberto Maranhão em maio deste ano. Tenho reunido amigos para escolha do repertório. Será composto de músicas inéditas e clássicos do samba. Também vou em busca de apoios de amigos para viabilizar o CD”, estima Debinha – nome de futebolista, abecedista e sambista dos bons, anônimo para muitos e presente na história dos muitos carnavais.
* Matéria publicada no Diário de Natal deste domingo (aqui, na íntegra).
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