sexta-feira, 2 de abril de 2010
Neoanarquista silvestre
Escritor François Silvestre abdica de lançamentos literários e das pretensões universais da literatura
Esmeralda: Crime no Santuário do Lima é o mais novo filho de François Silvestre. O caçula de uma família de linhagem nobre, reconhecida na sociedade potiguar. As crias, do primogênito ao mais novo, puxaram ao pai. Mas tem lá seus traços decorrentes de um amor literário. Um amor de linguagem moderna; linda como qualquer outra grande musa do além-mar. Mas o amor de François Silvestre, tem também o seu pé fincado na província. Vai, passeia, esbanja a sua beleza no Sul Maravilha e volta ao seu chão com a propriedade de quem sabe que é mais bela que as outras pobres mortais. Desse casal brotaram filhos já inscritos na história da literatura potiguar, mesmo fora das academias de letras ou academia das vaidades. E isso porque, filho de peixinho, peixinho é.
Entrevista – François Silvestre
A falta de um personagem marcante como foi Frederico, em Remanso de Piracema, foi proposital?
Enquanto no outro tinha um narrador-personagem, neste não tem. O cigano, o Tomé, o detetive são personagens de peso. Alguns me ligam e acham eles mais interessantes do que Frederico. Mas o maior personagem do livro é a trama, a tentativa do leitor em descobrir quem cometeu o assassinato de Esmeralda. Alguns já me ligaram e disseram ter se surpreendido com o desfecho. Outros disseram que já suspeitavam. Teve até quem me perguntou se Esmeralda era sapatão (risos).
É comum em seus livros a mescla entre ficção e realidade a partir das suas vivências...
É, mas neste livro há muito mais ficção do que no anterior. A maioria dos personagens é inventada, a não ser os secundários. Há cenários também inventados. O próprio santuário não é bem como está descrito no livro, a não ser a parte geográfica.
É seu livro mais ficcionista?
É ficção pura. Mas, muita gente do interior vai identificar os grupos ciganos. Fiz algumas pesquisas sobre o romanês, o sintó, língua bonita do diálogo dos ciganos. Uma mistura do português, com romanês e sintó. E a frase inicial desta resposta também é ficção.
Qual sua pretensão com este livro?
Nenhuma. Claro, quero ser lido, e quanto mais, melhor. Ou pelo menos ser bem lido, por leitores excelentes, do nível de Honório Medeiros, Manoel Onofre, Laurence Nóbrega....
O livro se pretende universalista?
Nada disso. É complicado esse assunto. Sou leitor dos seus textos e vejo que você tem essa implicância de universalismo e regionalismo. Nada é mais regionalista do que Tolstoi. Há dois livros de Victor Hugo – que há referência dele no livro – que são totalmente regionais. Mas temos esse complexo de que falar do sertão é regionalismo. Ninguém é mais universal do que Oswaldo Lamartine. A Pátria Não é Ninguém (livro de François) é muito mais regionalista do que o Remanso, por exemplo. Osman Lins, quando escreve Avalovara, se esborra todo quando tenta sair do sertão. Graciliano é regionalista um cacete. Ele vai lá pro fígado, não há livro mais angustiante do que o dele porque ele escreve sobre a vivência da pessoa.
Quando comentei do regionalismo presente em Remanso de Piracema, nada contra a descrição dos costumes e paisagens sertanejas. Os motivos eram as referências a nomes da sociedade local, fora do contexto do livro. Jairo Lima (poeta e dramaturgo pernambucano) achou a mesma coisa.
É, mas essas referências são coisas secundárias em uma obra. Jairo rejeita a cultura popular. Tem formação erudita. No caso de Jairo é gosto pessoal. Se dependesse dele, nenhum nordestino fazia música nem poesia. Só se fosse na Hungria, que seria naturalmente universal. Regional somos só nós, por acaso.
Foi mais um livro publicado sem lançamento literário. Por quê?
Essa história da crítica ao lançamento de livro pode parecer bobagem, mas não é. Quem vai à livraria comprar um livro, ou toma ele emprestado ou mesmo pede a alguém que lhe dê é porque deseja lê-lo. Esse é o leitor que me interessa. O freqüentador de lançamentos nem sempre é leitor. Às vezes deixa o livro no primeiro bar por onde passa. Ou compra o livro por amizade ou outro tipo de pressão sutil. Por isso não faço lançamento de livro em respeito aos meus leitores e aos donos de bancas que vendem meus livros sem fazer lançamentos. Isso porque o livro comprado em lançamento não vai ser comprado na banca de revista ou livraria que não fez o lançamento.
E porque o nome da Editora Bakunin?
Bakunin foi um filósofo e revolucionário anarquista, nascido na província de Tver, na Rússia, durante a segunda década do século 19. Morreu na Suíça, por volta da década de 70 do mesmo século. Foi preso, deportado da Sibéria e condenado à morte, cuja execução não se consumou. Ele conviveu na Europa com Marx e Proudhon. Desentendeu-se de Marx na internacional dos trabalhadores em 1872 em decorrência de divergências ideológicas. Bakunin negava o comunismo sob a gerência do Estado. Parece que estava adivinhando. O primeiro comunista no Leste Europeu produziu tortura e corrupção. Só não produziu comunismo.
O neoanarquismo funcionaria num cenário de completa desigualdade social?
O neoanarquismo ao qual me filio sem ter ficha assinada é a negação do neoliberalismo tucano e do neopeleguismo petista. O neoanarquista não pretende o poder. Até porque o poder é o matadouro das ideologias. A pré-humanidade que somos nós é incompatível com o socialismo porque nós não conseguimos abdicar nem a ganância nem do egoísmo. É por isso que o capitalismo está para as relações sociais assim como a natureza está para o movimento dos astros. Enquanto formos pré-humanos a única relação natural do nosso contrato social é o capitalismo. Se bem que estudar isso e falar sobre isso em mesa de bar é sempre muito agradável. Mas jeito não tem, não. Adoto a tese de Vicente Pentelho de Alma, amigo meu, que diz ser a democracia o melhor regime político: quanto mais esculhambada melhor ela é. Sugiro aos leitores a leitura de três livro aparentemente pesados, mas literalmente belíssimos: O 18 Brumário, de Marx; O Fenômeno Humano, de Teilhard de Chardin; e Meditações do Quixote, de Ortega y Gasset. Certa vez, numa discussão minha com Ariano (Suassuna), ele disse que o texto de Marx era insuportável. Então, fiz citações do 18 Brumário. Ele não reconheceu a origem e reconheceu a beleza do texto sem saber de quem era. E para encerrar, em matéria de filosofia, lhe dou: Gosto de Sartre, mas não gosto de Sartre. Quem quiser leia como quiser.
* Matéria publicada nesta sexta-feira no Diário de Natal (foto de Raíssa Tâmisa).
OBS: A entrevista contém trechos da conversa que seria publicada na finada revista Ginga.
Ségio, vi o texto publicado no Diário de Natal. Só um reparo. Não a você, mas a mim mesmo. Não é essa a minha opinião sobre Jairo Lima. Mesmo que eu tenha dito assim, retiro o que disse. Jairo é um poeta porreta. Merece minha amizade e admiração. Minha discussão com ele sobre cultura popular é uma pinimba boba. Viva Jairo e viva você. O neoanarquismo é assim mesmo. Uma ideologia sem rumo. Abraço de françois.
ResponderExcluirNão entendi o "teste". Abração de françois.
ResponderExcluirUma correção na frase "bakunin pregava o comunismo sob o dompinio do Estado". Em lugar de pregava, leia-se "negava".
ResponderExcluirO "teste" é que meu blog quase foi pras cucuias, François. Quando vc ligou eu estava na praia. Então pedi para meu primo atualizar o blog com o seu recado via celular. Aí desconfigurou tudo. Eu tava sem poder postar nada nem aceitar comentários. Graças a Deus deu certo. E ja ajeitei o "equívoco de Bakunin"..rs
ResponderExcluirAbraço!
Prezado Sérgio Vilar,
ResponderExcluirAcabo de ler a entrevista de François dada a você, e publicada no caderno "Muito" - do Diário de Natal. Gostei das perguntas e das respostas. Você sabe questionar, e ele, o escritor, tem talento para derivar.
Cumprimentos aos dois, entrevistador e entrevistado.
Walter Gomes (via email)