Diante de tantas pesquisas, contradições e dúvidas, o filósofo francês Jacques Ellul só temia uma coisa: tornar-se um esquizofrênico. A preocupação não era porque pretendia criar uma nova doutrina, mas porque cada vez mais se intitulava como um "anarquista cristão".
Na época em que lançou o livro Anarquia e Cristianismo - o original foi lançado em 1989 -, esta extensa caminhada espiritual e intelectual não só provocou grandes discussões políticas, econômicas, religiosas e sociais como tornou o francês um dos homens mais admirados, ora detestado, pela sua imponente convicção.
Pela primeira vez publicada por uma editora brasileira - a Garimpo Editorial - a partir do texto original, a obra chega às livrarias do país num momento oportuno: ano de eleição presidencial no Brasil. Mas o que o tema do livro tem a ver com política? A discussão é ampla e, como propõe Ellul, primeiro é preciso contemplar a história, seus gargalos, antes de responder qualquer questionamento.
Pelo que todos sabem, a essência do anarquismo é: "Tornar-se um homem, sim. Um político, jamais!" E ao explicar sobre a diferença entre anarquia e cristianismo (na visão de um cristão que é) Ellul levanta discussões - daquelas intermináveis e prazerosas - como: "Os anarquistas devem votar? Se a resposta é positiva, devem se apresentar como partido?".
Num país como o Brasil, onde a maioria dos eleitores declara-se católicos, as provocações de Ellul ganham ainda mais relevância. "Todas as Igrejas sempre respeitaram escrupulosamente e, por vezes, até apoiaram as autoridades do Estado, tornaram as injustiças sociais e a exploração pelo homem e transformaram uma palavra livre e libertadora em uma moral".
O teor pode parecer ofensivo, mas li o livro e o que Ellul quer reforçar é o acúmulo de erros cristãos e não a fé. "É preciso desfazer dois mil anos de tradições equivocadas", diz. Para ele tanto os protestantes como os católicos cometeram ao longo da história falhas e desvios vergonhosos.
O lançamento deste livro redescobre um dos pensadores mais respeitados dos últimos tempos e dissipa alguns mal-entendidos sem pretender justificar o que dizem e o que fazem as Igrejas e a maioria dos que se entendem como "cristão sociológicos". Ou seja, os que se declaram cristãos e se conduzem de um modo totalmente anticristão; ou então, como os grandes que utilizam alguns aspectos do cristianismo para assegurar ainda mais seu poder sobre os outros.
Trechos do livro
"Empreendi então uma longa caminhada espiritual e intelectual, não para chegar a uma conciliação entre ambos, mas para saber se finalmente eu não me tornaria um esquizofrênico! E assim, estranhamente, quanto mais eu estudava, mais eu compreendia em profundidade a mensagem bíblica (por completo, não somente o "doce" Evangelho de Jesus!), mais eu me deparava com a impossibilidade de uma obediência servil ao Estado e mais percebia na Bíblia uma orientação para algum tipo de anarquismo. Claro, era uma postura bastante pessoal"
"É preciso desmascarar as mentiras ideológicas dos múltiplos e, principalmente mostrar que a famosa teoria do "Estado de direito", que teria gerado as democracias, é falsa de ponta a ponta. O estado não respeita as regras que ele mesmo estabelece para si! E é preciso desconfiar de todos os presentes do Estado. É preciso sempre lembrar que "quem paga manda".
"Amsterdã se tornou a capital da droga e o centro da cidade, uma horrível aglomeração de viciados. Não basta acabar com a repressão para curar as paixões dos homens. De fato, apesar e todas as opiniões contrárias, posso afirmar que isso não é bom. O que digo não tem nada a ver com a ideia cristã de pecado. É algo que existe na relação com deus, somente. O erro em séculos de cristandade foi convencer o pecado como uma falta moral, o que, biblicamente, não é o caso. Pecado é ruptura com Deus e suas conseqüências".
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