sexta-feira, 9 de julho de 2010
Araruna sem asas
Do blogueiro: Esta matéria abaixo foi publicada sábado passado no Diário de Natal. Mas só ontem, passando em frente à sede do Araruna, percebi o que poderia ser classificado como ingenuidade - para usar um eufemismo - com as tradições desta que seja, talvez, a mais genuína manifestação folclórica da cultura potiguar. O nome Sociedade de Danças Antigas e Semi-desaparecidas Araruna, criado em 1956 pelo mestre Cornélio Campina, agora virou Associação. Por mais que seja reconhecida como entidade de utilidade pública, não se retira uma marca do dia pra noite. Que mude a razão social ou coisa parecida. Repito: é um gesto no mínimo ingênuo de seus representantes que, aliás, estão deixando morrer o grupo. Infelizmente mestre Cornélio não formou nenhum outro membro do Araruna para repassar os conhecimentos da dança. E com o "apoio" do poder público, como vocês verão abaixo, o grupo parece se encaminhar para o seu fim.
Grupo fundado pelo mestre Cornélio amarga o esquecimento sem nenhuma apresentação este ano
A Araruna está em silêncio. O pássaro sertanejo que deu nome a um dos grupos folclóricos mais genuínos da cultura popular do Rio Grande do Norte parece o “Assum Preto” de Luiz Gonzaga, preso na gaiola sem poder cantar. Está há mais de seis meses sem receber qualquer convite para apresentações. O último foi em janeiro, durante as festividades dedicadas a Nossa Senhora da Apresentação, na Redinha. Por falta de luz ficaram sem se apresentar e até hoje o grupo ainda espera da prefeitura de Natal o cachê “simbólico” ou melhor prestígio.
A morte de mestre Cornélio Campina aos 99 anos, em agosto de 2008 – pouco antes de completar 100 anos – parece ter dado início a um processo lento de desatenção ao grupo fundado em 1956. Para o mestre-diretor do Araruna, Carlos Araújo, Cornélio era a figura de identidade e referência do grupo, recebia homenagens e era o Araruna como um todo era mais lembrado. Ano passado, mestre Cornélio recebeu homenagem póstuma. Em 2008, foi agraciado por este Diário de Natal com o troféu O Poti. Mas, como disse o carnavalesco Joãozinho Trinta, o povo gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual. O fato é: homenagem é bom, mas dinheiro, também.
A Sociedade Araruna de Danças Antigas e Semidesaparecidas passa por dificuldades. Mais uma. Talvez a pior dos últimos anos, segundo Carlos Araújo: “Não lembro de um ano tão ruim como esse”, ele que dedicou décadas de esforço ao grupo. A esperança em cachês que giram entre R$ 400 e R$ 600 para uma apresentação vem em agosto, mês do folclore. Sem estímulo, o grupo dá sinais de início de falência: já parou os ensaios regulares às quartas-feiras. Sem motivos para tal, só se reúnem para ensaios quando há convites para apresentações. A esperança está entre os jovens que integram os 12 pares do Araruna. Geralmente uma preocupação entre grupos folclóricos da falta de interesse das novas gerações e conseqüente extinção daquela manifestação cultural.
A verba para manter a Sociedade Araruna é composta pelas mensalidades de R$ 5 pagas por menos de 20 contribuintes; R$ 30 também mensais pagos por um grupo de hip hop que usa o espaço da sede durante três noites da semana; além dos cachês para apresentação, quando há. Segundo Carlos Araújo, o Carlinhos, o comum são entre quatro e cinco convites durante o ano. Em cada um recebem uma média de R$ 600. A maioria parte dos órgãos públicos para incrementar a programação cultural de eventos promovidos em datas festivas.
O dinheiro é dividido entre o “tocador”, os 18 pares de dançarinos e a mesa diretora. Quando vivo, mestre Cornélio retia 10%, hoje recolhidos no caixa da Sociedade para ajuda de custos como passagem de ônibus para alguns integrantes ou pequenos reparos na sede. Há também ajudas espaçadas, como a recente colaboração do Sesc para as indumentárias. É pouco. Carlinhos disse que a falta de infraestrutura da sede impossibilita abrir espaço para eventos como promoção de festas de forró que durante décadas ajudaram a sustentar a Sociedade.
Uma reforma cuidadosa da sede doada pelo ex-prefeito Djalma Maranhão na década de 50 poderia servir de museu para guardar o acervo histórico do Araruna e Seo Cornélio. Muito do material está hoje aos cuidados da última mulher do mestre, dona Maria José, moradora do bairro de Mãe Luíza. Carlinhos afirmou que ela se propôs a doar o acervo quando a sede tivesse estrutura adequada e que fizesse jus à importância de Seo Cornélio para a cultura potiguar.
Início lembrado com dificuldades
A história de fundação do Araruna é contada hoje com alguma dificuldade por antigos membros, como o ex-presidente da Sociedade, Luiz Matias da Silva, 78, ou pela filha adotiva de mestre Cornélio, Geísa Gomes da Silva, 35. Segundo seo Luiz, mestre Cornélio organizou o São João na Roça logo após sua chegada em Natal, em 1935. Seo Cornélio, nascido em Portalegre, havia passado ainda por Areia Branca - terra do maior estudioso e descobridor do Araruna, folclorista Deífilo Gurgel - e São Miguel.
Quando chegou em Natal trabalhou com venda de jogo de bicho. A atividade durou pouco até ser marchant. “Ele matou muito porco, bode e carneiro”, disse Geísa. Nessa época promovia o São João na Roça, antecedido por sessões de forró. O Araruna foi fundado em 1949. Aglomerava bom número de pessoas na Rua Lucas Bicário, nas Rocas. Os ensaios ocorriam inicialmente no quintal da própria residência de mestre Cornélio, passaram para um salão alugado na mesma rua até o prefeito Djalma Maranhão doar a atual sede, situada à Rua Miramar, onde também funcionou como escola durante o programa educacional De pé no chão se aprende a ler.
Uma reunião foi organizada para falar com o prefeito. Djalma Maranhão. Este, após doação da sede, sugeriu a formação de uma sociedade e uma visita a Cascudo para definição do nome. Luiz Matias conta que uma comissão de dez pessoas foi à casa do mestre. “Cascudo pediu três dias para resposta. Voltamos lá e ele perguntou qual o primeiro número da dança, que era Araruna. Ele explicou que Araruna é nome de pássaro preto do Amazonas, parecido com a graúna”.
A Sociedade Araruna foi fundada oficialmente em 24 de julho de 1956. É a única do Estado com estatuto e sede própria. Desde sempre passa dificuldades para se manter. É oriunda das danças aristocráticas de salão, de origem européia, misturada com a valsa, polca, xote, mazurca e estilo popular de caráter folclórico. Cavalheiros usam casaca e cartola, e as damas, longos vestidos de saia rodada. Dançam em pares, acompanhados por sanfona e outros instrumentos. Teve como primeiro presidente João Francisco Gregório e primeiro mestre-sala, Chico Vicente.
* Matéria publicada no Diário de Natal
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