quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Do prêmio Nubia Lafayette, Lafayete ou Lafaiete


Escutei com atenção os 14 primeiros CDs confeccionados via Prêmio Núbia Lafayette. Aliás, minto. Dois deles foi impossível a escuta porque não tocaram em nenhum aparelho de som. E justo de artistas desconhecidos a este blogueiro: Jurubebas e Coco de Roda Mestre Severino.

Aos 12 restantes, minha crítica - em alguns casos - desagradável. Devo conquistar alguma antipatia. Mas dever de jornalista é mesmo ingrato quando honesto. Só reafirmo que escutei todos com atenção, lendo o encarte e curtindo a música. Escutei todos eles mais de uma vez para apurar melhor o trabalho.

Samir Bilro
Foi o caso de O Som das Palavras, de Samir Bilro – meu destaque entre os 14 trabalhos. Dez faixas autorais (algumas em parceria) e composições de arranjos e letras simples. E no simples mora o complexo. Não é para qualquer um. Não é simplório. Samir produz MPB sem frescura.

Lembrei de meu professor César Ferrário (ator do Clowns de Shakespeare). Na faculdade ele pediu resenha do filme Clube da Luta. E ressaltou: “Máximo de uma página de texto. Se fizer mais, faça para tirar 10”. Atrevido, eu fiz. Quis ser “o foda” e me lasquei. Ou seja: se não sabe fazer, faça o simples, que já é difícil.

O problema visto em outros trabalhos do Prêmio, em outros álbuns ou em festivais como o MPBEco é o desejo de reinventar a roda. Músicas longas, sem melodia. É a tentativa de Chico Buarque. Mas ele, sim, reinventou a roda; a roda viva. É difícil achar um simples bem feito e mais ainda um complexo genial nas músicas daqui.

Samir conseguiu. Voz grave – por vezes lembra Zeca Baleiro – e afinadíssima. Tem algo lírico, na pitada certa à MPB mais pop. Os arranjos violados de Daniel Lut deixam a música limpa, agradável. Um sonho de criança (Samir Bilro / Tatiana Bilro) é linda. São muitas. Esse cara canta por onde, aliás?

Antônio Ronaldo
A excelência de Antônio Ronaldo nas composições é notória. O CD oferece 12 mostras disso, interpretadas por alguns figurões da música potiguar. Algumas pérolas. A canção homônima ao título do álbum, Novos caetés é um exemplo. Bem ao estilo Raulzito, melodia e arranjos parecidos com Cowboy fora da lei. Vaivém, por Kalene Fonseca - outro destaque...

Qual o “pró”? Entre as 12 faixas: reggae, samba, forró, guarânia, coco, MPB, ritmo caribenho, ciranda pernambucana, e, claro, arranjos muito diferenciados a cada composição. Instrumentos que se misturam e não conferem identidade ao CD. Ou criam possibilidades. Como? Um produtor escuta uma música e diz: “Esse cara tem uma pegada reggae muito boa!”.

Isoladas, as composições são excelentes. Antônio Ronaldo é dos grandes daqui no ofício. As interpretações de Donizete Lima, Clara Menezes, Sueldo Soares, Cida Lobo, Romildo Soares, Geraldo Carvalho, Leão Neto e a participação luxuosa da premiada cantora lírica Alzeny Nelo e todos os outros, foram escolhidos a dedo.

Tânia Soares
É das grandes intérpretes da música potiguar. Se não a coloco no pedestal é porque valorizo muito as compositoras-cantoras. Então, acredito no maior mérito do CD Cores e Flores na escolha do repertório. Parcerias de Chico César e Babal (Vazio) e a fantástica A quem interessar possa (Mirabô, Neumanne Pinto e Leandro Barros) valem o CD.

E tem muito mais. Carneirinhos (Napoleão Paiva), Tulipa negra (Sueldo Soares – título do último show de Tânia), Meia Luz (Hianto de Almeida e João Luiz – Tânia também interpretou Hianto em show recente), o swing de Decida-se (Nelson Freire) e arranjos interessantes em Na Festa do Senhor São João (Elino Julião).

Tânia é daquelas intérpretes versáteis, de bela voz – tão bela quanto algumas renomadas cantoras da MPB. Mas falta um diferencial vocal. Um timbre peculiar, diferenciado e capaz de chamar atenção de um grande produtor. É o que penso. Encontro isso em Khrystal, Simona Talma, Luciane Antunes... Não vislumbro pulos à cantora fora das muralhas potiguares. Melhor pra nós.

Lene Macedo
Muito do que escrevi a respeito de Tânia Soares, serve também ao CD Mais que Um Sonho, de Lene Macedo - um trabalho de personalidade. Uma seleção de bons nomes. A começar pela primeira faixa Quando o amor é lei, de Zeca Brasil – grande compositor sem prestígio! Zeca é desses que fazem do simples excelentes composições.

Ainda Ivando Monte, Antônio Ronaldo, Letto, Nelson Freire... Músicas boas e interpretações afinadas com os arranjos e a proposta das canções. Sinto falta do citado diferencial vocal. Em terra de tão boas intérpretes é requisito-mor. Mas quando o jazz é música da vez, ou a pedida é mais romântica, a voz quase rouca de Lene Macedo é mel aos ouvidos.

Kiko Chagas
Já defendo o talento desse cara faz um tempo. Já havia escutado alguma coisa desse Kiko Chagas Canta Chico Elion. É trabalho de primeira. Dos mais bem produzidos. As composições são irretocáveis, do mestre Chico Elion – um registro merecido do filho e ainda pouco a um dos maiores nomes da música potiguar.

Ranchino de paia, Moinho D’água e Voz do Rio – clássicos de Chico Elion – compõe o CD, com novos arranjos. Merece escuta também Advertência, para tomar junto a uma cerveja bem gelada. Em Ponta Côa, busque uma água de coco. A influência da música afrobaiana de Kiko está presente em Mãe sublime.

Kiko tem história. É um batalhador pelos direitos dos músicos daqui. Já se mostrou cansado com o resultado e defende a organização profissional da música baiana, por onde tocou por muito tempo, produziu álbuns relevantes e até emplacou composição entre as 20 mais da banda Cheiro de Amor. Kiko é guitarrista como poucos daqui e alhures. Também mostra precisão vocal nesse CD.

Carlos Bem
O CD Anjo do Sol alterna ótimos momentos e outros bem aquém do talento - na minha opinião - regionalista de Carlos Bem. Acho mesmo que o intérprete e compositor deveria se voltar mais ao estilo; combina mais com suas características de interpretação e timbre de voz.

Memórias da casa velha (Nagério, Severino Ramos e Fernando Calon) é meu destaque no CD e mostra uma performance de voz e violão quase em uníssono, ao estilo Bicho de 7 cabeças. Pra que serve a Croácia é mostra do que escrevi acima: a tentativa de Chico Buarque. Letra alongada e sem melodia. Conheço bem a música do MPBeco 2009.

Melhor Anjo Sol, parceria também com Romildo Soares. Tarde (Tertuliano Aires e Nagério), também mostra bom momento. Anjo do Sol é um bom CD. Penso numa linha um pouco mais regionalista e seria um ótimo álbum. Não precisa ser um Galvão Filho. Algo mais pop - um Geraldo Azevedo, talvez.

Nordestinato
Sinto-me pouco à vontade para comentar hip hop. Mas o trabalho do Nordestenato é muito bom. Conhecia apenas do MPBeco. Entre os 14 CDs, seria minha segunda aposta. E a produção do CD é coisa primeiríssima. Valeu pelo inusitado apoio governamental ao gênero. Acho que li no twitter ser iniciativa pioneira. Se a Soul cabaré é chatinha, destacaria a canção-titulo A virada do jogo, Cenas de amor, Entre quatro paredes, Sem show, Tudo de bom, e até a provinciana Oba.

Dona Edite do Pium
Foi um dos grandes achados do projeto. Quase um resgate folclórico. Nada de romances. Sequer cabe a comparação. Mas quando se descobre uma senhorinha já na terceira idade com preciosidades musicais dessa estirpe, se faz urgente um registro documental desse trabalho. Canta Pra Gente Boa: Zu Zun Zum é desses CDs pra se guardar.

Quando falo em folclore, é porque as letras – e até a melodia, algumas assemelhadas a cantigas – são relatos de costumes e tradições de antigamente. De certo, causos repassados entre gerações. E outros da modernidade. No CD, ganharam arranjos próximos ao samba quando de suas origens, com cavaquinho, zabumba, pandeiro, tarol, ganzá e violão.

Instrumental
Entre os 14 CDs dessa primeira leva, quatro são de grupos instrumentais. Achei exagero. Tudo bem, Natal comporta instrumentistas renomados até fora do Brasil. O saudoso Som da Mata mostrava isso todo domingo. O Candeeiro Jazz reúne alguns deles com Jubileu Filho, Zé Hilton e Sérgio Groove. Mas quatro? Dois deles não me disseram muita coisa: Quarteto Prisma e o sanfoneiro Zé de Cesário.

O primeiro, tudo bem. Banda afinada, uns cinco anos de estrada. Uma mistura de ritmos interessante: jazz, bossa, samba. Mas é que penso em quem ficou de fora do Edital. E o Zé de Cesário, com todo o respeito, mas instrumental com acordeon, zabumba, triângulo e pandeiro... Por que não um cantor, e uma letra? Até onde sei, não é tradição do forró, do xote ou baião apenas o instrumental. Parece trabalho inacabado.

E ainda o Catita Choro e Gafieira – grupo conhecido por muitos que comparecem toda sexta-feira ao Buraco da Catita. É aquela mesma galera, de chorinho sempre em dia e que merece o seu registro, o seu espaço no edital. Até pelo trabalho de resgate da boa música na cidade; pelo gênero pouco divulgado em mídia CD, e a possibilidade dessa música chegar com mais facilidade aos lares provincianos natalenses.

DO PRÊMIO
A entrega dos 14 primeiros CDs dos 40 selecionados mostra o que poderia ter sido a Fundação José Augusto se os compromissos governamentais com a cultura fossem respeitados. Se a política burocrática dos editais já fosse costumeira à FJA, ao Governo e aos artistas que também atrasaram entrega de documentação e adiaram a conclusão do projeto.

Este é apenas o edital de música. Agora imagine os 16 ou sei lá quantos editais pagos em dia, o que não poderia gerar de produção cultural na cidade. Imagine mais 26 CDs do mesmo edital, caso tudo ocorresse normalmente, sem entraves da parte de ninguém. Se os estúdios fossem muitos – veja que sete (metade) foram mixados em apenas um estúdio!

Imagine ainda se o projeto gráfico dos CDs fosse mais cuidadoso. O suporte é padrão para todos, com um imenso emblema da FJA e o nome de cada contemplado. No encarte, a página de abertura traz mais propaganda governamental. A segunda, as composições. A terceira, a ficha técnica. E a última, mais propaganda. Nenhuma linha a respeito dos artistas. Nem foto. Ah, e na contracapa, a explicação do que é o Edital, com palavras do Joaquim Crispa.

A homenageada com o Prêmio, a assuense Núbia Lafayette, teve seu codinome escrito de duas formas: ambas erradas. Na Capa, com o emblema do edital, está Prêmio Núbia Lafaiete. Na contracapa, Núbia Lafayete. E o certo é Núbia Lafayette. Um pequeno desleixo da produção.

E repito: não sei se ocorreu com mais alguém, mas dois CDs não tocaram em aparelhos aqui de casa ou no Toca CD do carro. E claramente mostram a mídia sem gravação. Se ocorreu comigo, quantos outros não devem ter sido distribuídos também com o mesmo defeito? Afora ainda os desrrespeitos com alguns dos artistas presentes no lançamento dos CDs no TAM, relatados abaixo, a luta foi válida e o resultado está aí. É a FJA diminuindo a goleada.

6 comentários:

  1. Massa Sérgio, gostei muito da sua análise. Muito bacana!!!

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  2. O mundinho do RN...
    Chispa, Crispa!!!!

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  3. samir alexsandro de almeida14 de outubro de 2010 às 19:26

    Caramba, Sérgio Vilar, muito obrigado! Esse trabalho realmente foi feito com muita simplicidade. Gravado em uma semana, Só trabalhei com meus amigos, nas composições e nos arranjos, (pra você ter uma idéia, não consegui sequer um baterista. Daniel Lut que fez a instrumentação, gravou a batera no sacrifício pois ele não toca o instrumento) E a música que você escolheu como destaque (um sonho de criança) é a minha preferida do cd! Um texto que minha irmã escreveu para mim que eu musiquei. Fiquei muito feliz com seus comentários e o fato de eu ser completamente desconhecido me deixa ainda mais lisonjeado. Tenho 30 anos, aos 20 comecei a tocar com Esso Alencar numa parceria que durou 10 anos e pintou essa oportunidade de gravar. Fiquei na 1ª suplência e entrei por causa de um problema de CPF de um dos contemplados. Quer dizer, entrei praticamente pela porta dos fundos! Respondendo sua pergunta, ainda não estou tocando em lugar nenhum por enquanto. Me foi prometido um show no 6 e meia para novembro pela direção da FJA, mas cancelaram o projeto em outubro alegando falta de grana. Mas tem nada não, vou batalhar meu espaço. valeu mesmo, cara! Desculpa aí o tamanho do comentário. Um abraço!

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  4. Caramba, Sérgio, valeu mesmo! Fiquei muito lisonjeado. O cd ( O som das palavras) foi feito com simplicidade mesmo, gravado em uma semana, trabalhei apenas com meus amigos, nas composições e nos arranjos. Pra você ter uma idéia, não consegui baterista. Daniel Lut gravou no sacrifício, pois ele não toca esse instrumento. Em relação ao repertório, você destacou exatamente a música que me é mais preciosa, um texto que minha irmã fez para mim que eu musiquei. Eu comecei minha trajetória tocando com Esso Alencar, numa parceria que durou 10 anos. Pintou esse projeto, ele me deu o toque, praticamente me pegou pela orelha e me levou. Fiquei na 1ª suplência e fui chamado por causa de um problema de documentação de um dos contemplados. entrei pela porta dos fundos! Por isso, é muito importante pra um artista desconhecido como eu, uma crítica como a sua. Respondendo sua pergunta, ainda não estou tocando em lugar nenhum. A direção da FJA tinha dado a palavra que eu, junto com outros artistas (por meio de sorteio, veja só!) faríamos o 6 e meia. Eu tocaria em novembro. Outubro foi o último show. Cancelaram alegando falta de grana! Tudo bem, vou batalhar meu espaço. Grande abraço!

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  5. Sou testemunha da vontade que Samir Bilro tinha de ser reconhecido e fico feliz em saber uqe pessoas que nem o conhecem estão curtindo á sua boa musica.

    Leonara Araújo.

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  6. Nubia Lafayete não é necesssariamente a cantora dos meus sonhos, pois eu sou mais chegado em coisas mais alegres como a Carmem Miranda, portanto não se trata de uma época e sim de um estilo.
    Mas dentro do que ela se propos a fazer ela o fez tão bem, como Elis Regina ou Dalva de Oliveira.
    Sinto uma certa simpatia por ela por termos nascido em Minas, acho que é só isso.

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