sábado, 16 de outubro de 2010
Obstáculos no acesso à cultura
No Diário de Natal
matéria de hoje
No palco do teatro, a arte imita a vida. Do lado de fora, nas calçadas e esquinas do cotidiano, a dureza da realidade carece da leveza artística, da sutileza poética dos versos ou da ficção das telas. Por vezes são apenas 25 centímetros de barreira. Nivelado este obstáculo, a cidadania daria um pequeno passo para a humanidade. E o cadeirante Roberto Morais passaria direto e sem tormentas ao mundo que lhe conforta: o universo dos palcos, da arte, longe dos degraus que não o levam a nada.
A dificuldade de locomoção do cadeirante na cidade começa na saída de casa, com as calçadas tão desniveladas quanto a administração pública. Até as paradas de ônibus sem acessibilidade. Depois, a espera por um transporte adaptado - são poucos. Precisa ainda da solidariedade humana, nem sempre à disposição para subir e descer. E novamente as calçadas, os batentes, os perigos e muralhas de uma cidade de pedras e buracos. Uma cidade mal adaptada - atrasada - aos direitos de todos do ir e vir, e do acesso aos bens culturais.
Roberto conhece bem alguns "muros de Berlin" interpostos entre as calçadas e o palco. O cadeirante hoje com 42 anos é paraplégico desde os 19 anos, quando levou um tiro. Aos 27 anos foi pioneiro em Natal ao se lançar dançarino e fundador (ao lado de Henrique Amoedo) de um grupo de dança apenas com cadeirantes: o Roda Viva, em 1995. Após transformar conceitos de dança e reintegração de pessoas com deficiência física para além da rotina "casa-hospital-casa", Roberto ainda sente poucas mudanças.
As leis de inclusão e acessibilidade aos cadeirantes citadas por Roberto parecem causos ou estórias de trancoso, muito contadas em cidades interioranas. São realidades distantes, quase surreais: calçadas niveladas, padronizadas; rampas de acesso para calçadas com 25 centímetros e em todos os estabelecimentos públicos; banheiros adaptados; vagas em estacionamento... "Quando há são maquiagens. No Alberto Maranhão, por exemplo, há rampa na entrada. Mas por dentro falta acessibilidade adequada, banheiros adaptados", reclama.
E o TAM ainda abriga das melhores situações. Ainda é mais elogiável o Teatro de Cultura Popular Chico Daniel (anexo à Fundação José Augusto), segundo Roberto. No Alecrim, mora um dos grandes entraves. O Teatro Municipal Sandoval Wanderley é uma muralha chinesa, a começar pelos desníveis das calçadas de acesso. "Quando somos chamados para espetáculos aqui, damos o nosso jeito e conseguimos". O "jeito", é a ajuda alheia. "Quando fiquei paraplégico fui demitido do trabalho de uma loja por invalidez. Mas não sou inválido. Faço praticamente tudo sozinho, quando não sou impedido pelo descumprimento de leis".
Espaços inacessíveis aos cadeirantes
Museus, bibliotecas, quando não "maquiadas", praticamente colocam à margem os cadeirantes. O Museu Câmara Cascudo é praticamente inacessível aos deficientes físicos. A rampa de acesso à calçada, de tão danificada, se tornou batente. O espaço para estacionamento é de paralelepípedo e não oferece nenhum espaço reservado ao cadeirante. Já no portão de entrada, um batente com obstáculo adicional, o suporte do ferrolho fixado no chão dificulta a entrada.
As barreiras são tantas, que Roberto chega a ironizar a situação. São 23 anos em cima de uma cadeira de rodas. Segundo funcionários do Museu, semana passada precisaram levar uma criança cadeirante nos braços até o pavimento superior. Um deles afirma ter um projeto de reforma no prédio já com dinheiro empenhado e preso nos labirintos da burocracia.
Do lado de fora, Roberto ainda ri, preso entre a calçada e a rua: "Olha que rampa bonita, essa", brinca, em tom de deboche. Confortável mesmo ele se sente na sede do grupo Gira Dança, fundado e dirigido por ele em 2005. "Pagamos o aluguel da sede com ajuda há cinco anos da empresa Ortorio. Se dependermos do poder público, nem pagamos a sede, nem caminhamos na calçada", lamenta. O Gira Dança é formado por quatro pessoas com deficiência física, um deficiente visual e uma pessoa portadora de nanismo. O grupo já representou o Rio Grande do Norte e o país em festivais promovidos nos Estados Unidos, Portugal e Paraguai.
O poder público se explica
Projetos em curso, ideias e estimativas alimentam a esperança dos cadeirantes ao melhor acesso aos bens culturais. E a esperança, sendo a última, já está cansada. No TAM, por exemplo, o tombamento do prédio pelo Patrimônio Histórico dificulta reformas substanciais necessárias à adaptação à acessibilidade, com criação de rampas aos camarins, camarotes e banheiros adequados. A única medida adotada, segundo a diretora Ivonete Albano, a retirada de algumas paredes fixas na última reforma facilitou o acesso. No lugar delas foram colocadas “guilhotinas” – uma espécie de paredes móveis para evitar entrada de água da chuva.
O local mais elogiado por Roberto Morais, o TCP, amarga apenas a falta de banheiros adaptados e assentos específicos para cadeirantes (outra falta do TAM). “Pelo espaço pequeno do teatro, não foi possível essa reserva. Mas há espaço junto às paredes do teatro para até três cadeirantes assistirem ao espetáculo sem desconforto. No mais, eles têm acesso a qualquer parte do teatro – palco, auditório, camarim, lanchonete – sem nenhum obstáculo. E vamos pensar no caso da adaptação ao banheiro”, prometeu Sônia Santos, diretora do TCP.
O superintendente de Infraestrutura da UFRN, Gustavo Rosado, explicou que de fato há projeto em curso para reforma completa do Museu Câmara Cascudo. A licitação da primeira das duas partes do projeto deverá sair nos próximos dias, segundo estimativa do superintendente. “Essa primeira parte privilegia aspectos estruturais: instalações elétricas, abastecimento d’água e a questão da acessibilidade. O prédio é muito antigo naquele tempo ninguém pensava nesse assunto”, justifica Gustavo. A segunda etapa abrange adaptações de espaços para novos setores do Museu. O projeto total está orçado em R$ 1,35 milhão.
- Foto: Fábio Cortez
Cada elogio que o TCP recebe é como se alguém me mandasse flores. A última reforma do TAM também foi realizada na minha administração. Mesmo assim o MP ainda procura chifre em cabeça de cavalo. Estou inaugurando neste fim de ano o Mirante de Mãe Guilé, na grota da Serra onde Mário de Andrade esteve com Câmara Cascudo.(l929). Lá também tem rampa de acesso e banheiro especial para cadeirantes. Por falar nesse encontro de MA com CC, Mário disse nessa ocasião:"Esta Serra lembra Petrópolis". Cascudo respondeu: "Não. petrópolis é que lembra a Serra do Martins". Esse diálogo foi contado por Cascudo a Manoel Onofre Júnior. Abraço de François Silvestre.
ResponderExcluirÔ blog vagaroso. Quero briga e nada mais... Gerônimo de Natal. Cadê Aninha?
ResponderExcluirCaro Sérgio:
ResponderExcluirGostaria de comunicar que o LUDOVICUS - INSTITUTO CÂMARA CASCUDO, que funciona na casa onde o meu avô residiu por quase 40 anos, foi todo pensado no acesso a quem possui necessidades especiais. Para evitar a escada da entrada, abrimos uma entrada na lateral, pela Travessa Pax. Toda a visita a casa é acessível através de pequenas rampas. Além disso, construímos, um banheiro todo projetado a este público.
Um grande abraço
Daliana Cascudo