segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Dramática Gramática
O barulho quase inaudível do sorriso sarcástico de Bukowski na estante passa despercebido enquanto Carlos Gurgel derrama amarguras. Preso na eternidade dos livros, o poeta alemão ainda ecoa brados de desesperança e ri daqueles tardios descrentes da humanidade. O alerta foi dado há décadas. Seus personagens outsiders, anárquicos e desiludidos eram tão reais quanto os fantasmas interiores de cada um, vestidos de moda contemporânea. E o poeta potiguar amante e marido da arte desde os tempos em que a paz e o amor eram bandeiras hasteadas na Fortaleza dos Reis Magos, sucumbiu à solidão daqueles rodeados de multidões vazias do tempo-hoje.
Quer ler Dramática Gramática? Afaste esse abismo diante de você. Não é frase imperativa. É apenas alerta. Em poucos minutos o perigo estará dissipado. Seus pés estarão pregados no chão, derretidos como uma massa colante. E agora é você com seus traumas e culpas, sem possibilidade de fuga, perdido no campo sombrio dos poemas de um realismo maldito. A gramática acadêmica foi dissipada; cedeu lugar ao submundo descascado do inconsciente coletivo. A camuflada hipocrisia do seu quarteirão está desnuda. É o mundo real, de hoje. E o desespero emana como vulcão em ebulição. Mas já não há mais esconderijos. E vem a vontade do grito contido no corpo asmático.
A sensação da falta de fôlego cresce a cada poema lido. Na mesma proporção da desesperança dos dias de Carlos Gurgel. “Tem horas que fico louco. Escrevo para limpar o real à minha frente”. E o poeta ratifica o que disse Ferreira Gullar: “A poesia existe porque a vida não basta”. Mas nem a poesia basta a Carlos Gurgel. E para extirpar a sua catarse de angústias corrosivas, o poeta também produziu um DVD com oito microfilmes: “Poesia em estúdio é muito bom. Pois que poesia em imagem e vídeo também o é. E os parceiros, todos eles, são exímios poetas. Pois a poesia quando mergulha por sobre voz e imagem, ela se reconhece de outra forma. Ela pula, ressuscita, revigora o verbo”, reconhece.
O pacote multimídia, acrescido ainda de camisa, CD com a letra dos poemas cinematografados em vídeo e mais um pôster-poesia, será lançado às 19h dnesta terça-feira, na pizzaria Bella Napoli, em Tirol (Hermes da Fonseca). O poeta, artista plástico e colega dos tempos lisérgicos da praia do Forte, Eduardo Alexandre, fará a apresentação do amigo. César Ferrário, do Clowns de Shakespeare, e Titina Medeiros, do grupo Carmin recitarão poemas do livro. A noite de lançamento contará ainda com a voz soul de Clara e a Noite. Todo o material (livro, DVD e CD e camisa) recebeu os desenhos gráficos de Dany Boy, e será vendido em separado.
Tóxicos versos
Carlos Gurgel viveu intensamente o movimento cultural na década esfumaçada pela multicolorida psicodelia. E naqueles efervescentes anos 70 de paz, amor e poesia compulsiva, provou de uma liberdade recheada de esperanças e vislumbres de novos mundos. Um mergulho mais profundo nos tóxicos e acordou em um universo cinza, confuso, sem chão. “Me recinto em ter perdido aquelas pessoas, aqueles ídolos”. E mesmo a contracultura do qual vestiu a farda a pregar o não-ídolo, “não tinha como passar em branco por Glauber Rocha, John Lennon. E hoje?”. E cita Macluhan: “O mundo virou um quintal”. E completa com Andy Wahrol: “Tão efêmero quanto os 15 minutos de Wahrol”.
E desse mundo-aldeia-efêmero, Carlos Gurgel extraiu essência, como um gorgulho metido no feijão; um intruso no mundo cuja missão é estragar o status quo mostrando sua verdadeira face. “(...) o ser humano já não se basta, ele já não se aguenta, faz muito temop. Ele explodiu faz tempo. Muita gordura. Ele já não se agüenta em pé. Rasteja fracassos e eclipses. Soletra um vocabulário podre. Sem timing e elegância. É a pura dissimulação da desfaçatez e caretice. Estamos todos comprimidos e morridos”. E como um lagarto preso no casulo, Carlos Gurgel se mantém vivo em Dramática Gramática: um poeta-luz no blackout da cidade, vítima do sarcasmo de Bukowski.
Lançamento: Dramática Gramática
Autor: Carlos Gurgel
Onde: Tratoria Bela Napoli (Av. Hermes da Fonseca, Tirol)
Data e hora: terça-feira, às 19h
Quem: participação de Eduardo Alexandre (apresentação), César Ferrário e Titina Medeiros (recital de poemas) e Clara e a Noite (atração musical).
Quanto:
- Livro: R$ 25
- Camisa: R$ 25
- DVD e CD: R$ 30
LUZIR
paira sobre mim
a superficialidade das coisas
como o suspiro de um sonho
que suporta o peso
dos meus medos
lenta agonia
de um barco
que trafega no rio
coberto de mergulhos
e hiatos
e o que sobra da correnteza
simplesmente é a luz
que da lua vaga
sobre a água sem fim.
LEI DA RUA
sou fuga
abismo de rinhas
e esquecido sonho
vou
como quem reflete
bêbados e selvas
ergo
o arco que dilacera
morros e vestes
e
espelho retorcido
recolho grama
e fumo.
* Matéria publicada no Diário de Natal
- Foto: Sergio Vilar
Nenhum comentário:
Postar um comentário