Valdetário Carneiro sob outro prisma
As famílias Fernandes e Carneiro brigaram durante 12 anos sem desconfiarem de que pertenciam à mesma árvore genealógica. Mortes, personagens e fatos marcantes da crônica policial potiguar surgiram deste conflito iniciado em Caraúbas e destrinchado no livro A Saga Benevides Carneiro (edição independente, 218 pág., R$ 25). O vida do autor também conta uma saga: a de um compositor acusado de crime e inocentado por unanimidade após quase dois anos aprisionado na João Chaves. Dudé Viana conta em detalhes o “caso dos 94 milhões”. O assalto praticado por dois primos de Dudé em nada mudaria sua vida não fosse um outro partícipe: Dedé, o qual a polícia confundiu os nomes e prendeu o inocente.
A raíz genealógica da família Benevides Carneiro se assemelha à de outras centenas de árvores genealógicas formadas no Brasil a partir da chegada de portugueses, espanhóis, e outras nacionalidades e etnias. Dudé Viana, membro da família Carneiro, pesquisou durante uma década as origens da família e de seus principais personagens. E elucida no livro fatos distorcidos pelas páginas policiais dos noticiários. Além da própria injustiça sofrida, relata também os fatos que levaram o primo Valdetário Carneiro – figura conhecida na crônica policial – ao submundo do crime a partir de uma acusação injusta do qual, ao contrário de Dudé, não conseguiu superar.
A narrativa do livro mostra o Valdetário mecânico e amante das artes, fã de Raul Seixas, de Che Guevara e artesão na fabricação de caminhões de brinquedo, diferente do criminoso insano retratado na imprensa. Sonhava representar Che Guevara no teatro. Em foto documental no livro, ele incorpora Tiradentes, o mártir da independência do Brasil, na Escola onde estudava em Caraúbas. “Ele sempre falava de música e teatro dramático. ‘Eu gosto de rir... adoro comédia, mas o drama tem um quê na minha vida, que não sei explicar’”, lembra Dudé, em uma das conversas com Valdetário.
Em 1991, Valdetário e Galego foram presos acusados no roubo de um carro Pampa, sem nunca terem furtado nada. Os dois foram amarrados e colocados numa caminhonete, quando foi realizada verdadeira passeata pelas ruas de Carúbas mostrando a “nova dupla de ladrões da família Benevides Carneiro”. Foram condenados a 7 anos e 6 meses de cárcere. Fugiram em menos de dois anos. Valdetário foi encontrado e preso novamente. Quando reatava a profissão de mecânico fora da cadeia, foi novamente acusado de roubo em Mossoró. Ele próprio investigou o caso, descobriu os assaltantes e a acusação oriunda de um amigo da família Benevides. O fato revoltou Valdetário e o jogou na vida do crime. “Assaltava para manter a estrutura bélica e a síntese da sobrevivência”. Praticamente todos os crimes na região passaram a ser atribuídos a ele.
Dudé: período atrás das grades
Com Dudé foi diferente. E o livro, mesmo sem o propósito, traça essa comparação. Merecia livro à parte: A Saga de Dudé Viana. A infância pobre e a adolescência difícil em Caraúbas, ou a fase adulta de lutas diárias entre Natal e Rio de Janeiro, sempre em prol da carreira musical assistiram uma sina imerecida, em 10 de janeiro de 1983. Dudé se arrumava para levar à Rede Globo 12 canções para concorrer no Festival MPB-Schell. “Só pensava nisto e no sonho de uma premiação ou mesmo só o fato de aparecer na televisão em rede nacional. Estaria de bom tamanho para quem nasceu nas caatingas do RN, bebeu água barrenta, comeu fruta de xique-xique, ovos de passarinho e pirão de pedra”, relata.
No portão da casa da prima, onde estava hospedado, dois homens da Polícia Federal. “Um deles se antecipa e me pergunta: ‘Você é José da Silva, Dedé?’. Respondi: “Sou José Filho (Dudé)’”. Mesmo assim Dudé foi levado à Delegacia. E a truculência débil dos policiais forçaram a prisão sem provas nem confissões, mesmo com testemunhas contrárias. Foi um ano, dez meses e 13 dias aprisionado. “Quando saí acrescente o Viana Ramalho ao meu nome”. O Ramalho é sobrenome da família paterna. “Preferi o Ramalho porque tem sete letras: o número do juri que absolveu por unanimidade nas duas vezes em que foi julgado”.
Dudé conta no livro detalhes do caso, da vida na prisão João Chaves e da vida difícil pós-prisão. Hoje Dudé ainda trava lutas diárias para sobreviver da música. Pensa em comprar carro para transportar 50 livros de uma vez. O livro A Saga Benevides Carneiro, mesmo aprovado no Programa Djalma Maranhão, não conseguiu patrocínio privado. Esteve entre os mais vendidos na livraria Siciliano. Com seu Papo-Show, onde mescla música e causos engraçados e trágicos de sua vida, se apresenta em diversos palcos do RN ou outros estados, a exemplo do Amapá, onde lançará CD em breve. Se chamará O Andarilho das Canções – batismo do escritor Tarcísio Gurgel ao amigo Dudé, longe da pecha de pistoleiro empregada pela polícia.
Livro – A Saga Benevides Carneiro
Autor: Dudé Viana
Edição independente
Preço: R$ 25
À venda: Livraria Siciliano (Midway e West Shopping-Mossoró) e Potylivros
Contato: 8835-0871 (Dudé Viana)
* Matéria publicada ontem no Diário de Natal
OBS: Palavras de Dudé, via e-mail: "Olá, Adriana e Sérgio, muito obrigado mesmo pela matéria que já chegou me abrindo espaço... Hoje recebi muitas ligações... Já me rendeu um programa de rádio p/ amanhã e dois de televisão na segunda-feira, e estou negociando uma noite de autógrafo do livro com show musical em Caicó. Tudo graças a matéria de hoje".
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