terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Conto Eu
por Carlos Gurgel
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Decerto, Encorpado Franzino não detinha a aureóla de homem do bem. Enfiava ao redor do seu coração da mata, prejuízos noturnos, ajuizando calafrios e tempestades de cigarros falsos. Formigava o desejo de pegar biela através do rio, dorso da cidade imaginária. Falho na retórica do bem bom, armava através dos anos, a sensação de estar sempre começando alguma coisa escorregadia, onde o desejo pelo desafio de estar a carregar nós e mais nós de bocejos, lhe bastava. Vizinho da noite, dialogava com os anjos semi-nús, o vozeirão do estrume da floresta. Costurava o couro do cabelo gasto. Apregoava como demiurgo de uma época danada, a razão do esforço da floresta cultivada de bois matutos, tetas de vacas gordas, assobios de pássaros do além. Disputava a ferro e fogo, o olor das grandes descobertas, e se apinhava feito gente grande, no ziguezague da escuridão do céu. Esplendor do amanhã, gostava de contar coisas falsas, domingos sonolentos. Embrenhava na faca sobre o dorso do cavalo, a iminência de um corte profundo e sem história, feito a luz fugidia despencada pela estrela que cai. Da mangueira do quintal empoeirado, olhava como pássaro medroso, as tentativas do vento de te levar. Dava de ombros. Tinha mais o que dizer. Pela parte da razão, corria feito animal sem coleira, aplaudindo as sementes brotando flor. Quando sentia fome, pensava nos parentes distantes, fotografando como repórter do seu tempo, as panelas de barro, abarrotadas de sonhos, pesadelos e pensamentos da sua cama intacta. Quase quando dava, pegava na enxada e cruzava caminho, abilolando as minhocas já acostumadas com tamanha indiscrição. No eco do vento insano, ia à procura de si mesmo, como teiuaçu esbravejado, torcicolo da terra verde. Da cancela, porteira do paraiso parido, escutava o lamento do boi sem ração; razão da sua própria sobrevivência. Terra oca, enriquecia a língua com o roçado da boa água. Também pudera, dava três passos, e caia feito grilo no cio. De madrugada, quando o tempo se acalmava, procurava por dentro do capim, as redomas de feijão e da cana-de-açúcar do sítio desdentado. No silêncio que vinha do sol, se cobria de desculpas, estudante que se fazia das manifestações da natureza, soberana do pedaço. Alicate de pequeno porte, soletrava rio abaixo, mazelas do brejo cheio de fantasmas para todas as horas. Do fogo que se fazia vida, sorria das suas próprias entranhas, súplica cheia de amor, como o coração dos mais pobres. No outro dia, quando o sol amanhecia, Encorpado Franzino, se fazia de Deus, procurando ao redor do terreno, a gravidade da sua vida, como quem procura o dorso do barro batido. Nunca mais se soube dele. Talvez tenha se encantado. Como as estrofes de uma canção que se perpetua através dos tempos. Cúmplice da sua própria existência. Bem feito, quem mandou ele ser Deus?
O sertanejo é antes de tudo um forte!
ResponderExcluirLembra alguma coisa...
Belo...belíssimo texto. Um chopp amanteigado. Esse sujeito além de poeta é grugé. Abraço de François Silvestre.
ResponderExcluirFrançois, se não conhece, Carlos é o primogênito de Deífilo; uma grande figura. Assumiu agora alguma função lá no gabinete de Isaura e já ouvi elogios do home.
ResponderExcluirConheço de antes e outras eras. É amigo antigo, meu caro Sérgio. O grugé é uma sacanagem que ele conhece a origem da brincadeira. François.
ResponderExcluirdois queridíssimos amigos:um militante dessa lida jornalística com talento, maestria. o outro, garimpador que colhe o amanhecer com suas nuvens e sóis, como um vigia e múltiplo irmão.
ResponderExcluircgurgel