Toda embarcação guarda histórias de maré. No silêncio calmo da sabedoria, padecem com seus segredos de aventuras náuticas. Algumas alcançam os mediterrâneos e os mares mais bravios; colecionam auroras e cruzam oceanos até ancorarem na melancolia do cais. E se o cais é uma saudade de pedra, a névoa das tristezas também envolve a praia na espera das catraias para se lançarem ao mar – retratos da simplicidade.
E a espera das pequenas embarcações artesanais é de angústia. Sabem do perigo iminente e diário de seus donos, conquistadores de peixes. O mar que afaga também é ladrão de almas. Ancoradas sobre toras de coqueiro, inertes como um cartão-postal, anseiam pelo vinda do pescador. É a quebra do sono quase eterno de um dia e do reencontro com o mar. E se mais de um dia passa, é sabido do fim de seu único amigo.
Há quem herde o ofício. No comum das vezes morrem ali as catraias e jangadas, pouco depois de seu pescador. Miram pela última vez a paisagem marítima e num último arquejo de tédio, morrem. É que as catraias têm alma, amigo leitor. Alma provinciana e amiga. Suportam os dias para servir e deleitar-se ao mar, em namoro infinito. E se para mais nada servem, entregam sua alma.
São dali, longe da imponência dos grandes cargueiros e transatlânticos, onde repousam as catraias de minha praia-refúgio. Das areias alvas de Santa Rita, miram o mar já mais calmo da estação veraneio. E desdenham da agitação passageira da época. Reconhecem o rastro de ilusões e saudades deixadas pelo verão e recolhem-se no tédio inebriante das horas próximas ao mar.
Desconfio mesmo que as embarcações têm alma. Todas elas. Algumas mais ambiciosas preferem avançar no desconhecido. Dos saveiros vêm o espírito aventuroso. Dos cargueiros, a vocação comercial. Ali na praia espremida encontram-se as de alma provinciana. São jangadas sem pretensão, conhecedoras de seu ofício de galinha: limitadas a apenas imaginar o além-maré.
Longe das cargas valiosas do comércio exterior, as catraias carregam apenas o peso do tédio, de seus nativos e dos samburás de poucos e magros peixes. Desconhecem as grandes rotas e esperam ancoradas em areias conhecidas o seu fim, no desgaste pela maresia, esquecidas, sedentas pela água salgada do mar. Porque para as embarcações, amigo leitor, é doce morrer no mar.
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