Às vezes penso em território boêmio como proibido. Ali repousam almas sedentas. E o leque de desejos é amparado pela ânsia. Assusta. No Beco da Lama é diferente. Sempre foi. É chão escorregadio, sim. Mas cabe todo mundo. E freqüentam quase todos. Quase todos os de alma libertária. É como na vila da Redinha: o gosto pelas coisas simples se faz necessário para sentar, beber e prosear. E das prosas brotam histórias e estórias, como as contadas pelo jornalista Leonardo Sodré, reunidas em livro de crônicas lançado sábado no bar Bardallos, ali nas adjacências de um beco-confraria; de um beco-praça; de um beco-cantão.
E na mesma noite de lançamento do livro, um dos maiores violonistas desse mundo de menos fronteiras, resolve aparecer. Recebeu convite de amigo e foi lá. Quem bateu foto viria Yamandu Costa perto de garrafas de cerveja. Uma “canja” gratuita aos apreciadores da boa música. E quem são esses loucos? Os amantes da arte e da cultura mais genuinamente marginal. Os poetas errantes e certeiros de palavra, estrofes e sonetos. São os de vozes ecoadas dentro da redoma do beco e espalhadas aqui e ali. Vozes desejosas de gritos mais altos e outros que sequer sabem que são ouvidos. Nem fazem questão.
Neste sábado, esse beco sem vontade de avenida e de alma enlameada pelo perfume da província, prossegue com a quarta edição do festival de gastronomia chamado Pratodomundo. A alcunha resume o convite inconteste a todos. O filtro cabe ao participante de se adaptar à realidade daquela atmosfera. Claro, há o perigo. Uma vez do beco, os contornos da cidade modificam. Aquela eterna espera por grandes novidades, herdada da época da Segunda Grande Guerra, quando os americanos chacoalharam a cidade, se esvai. O amante do beco se volta às novidades dos arredores. A cena cultural da cidade ascende. O Centro Histórico despe-se do cinza e ganha cores. E a medida em que se é tragado pela alma do beco, uma sinfonia entoada por Cascudo começa a tornar-se audível, vinda lá das funduras do Potengi.
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