Sem tempo nem dinheiro sequer para comprar poemas de Helmut escritos em guardanapos, deixo o leitor com este texto produzido para figurar na então coluna que havia herdado no Poti, quando substituiria o grande Osair. Extinto o espaço, estas mal escritas ficaram boiando aqui no computador. Volto mais tarde com novidades.
Tem texto pronto? Escuto esta pergunta há dez anos. A resposta afirmativa ensejava um escrito banal publicado neste mesmo espaço. O diferencial confortava minha timidez: apenas meu e-mail. Agora, olho para o “amigo leitor”. Olhar cansado; cabelo mal definido mesmo sob photoshop. Pior: nome destacado na abertura para substituir dos maiores da ralada profissão. Não bastasse, a página requer talento literário. Mesmo a crônica confiada às migalhas de tudo; um resto de banquete literário, como escreveu Rubem Braga. É dele a metáfora perfeita do cronista, em texto intitulado O padeiro.
O padeiro deixava o pão diariamente na residência de Rubem Braga. E gritava ao bater à porta: “Não é ninguém, é o padeiro!”. Aprendera de ouvido, quando alguém de dentro da casa perguntava quem era e a empregada ou outro qualquer respondia: “Ninguém, é o padeiro”. O cronista aproveitou o fato e metaforizou a figura do pão quentinho com o jornal, deixados cedinho na porta de cada lar – produtos feitos por... ninguém.
O cronista e o padeiro são mesmo uns ninguéns. Em breve esta página estará jogada no chão, no lixo ou protegendo a parede pro pintor. Ora, o pão e a crônica são retratos puros da banalidade cotidiana. Podem ser consumidos acompanhados do cafezinho, deitado à rede, no escritório... Em qualquer canto e hora. Mas reparem bem: o pão é pouco saboreado tamanho o costume do dia-a-dia. É assim com a crônica. Se o cafezinho está amargo ou a rotina pede pressa, logo o pãozinho é renegado; o jornal é posto de lado.
Outro papa da crônica, Luís Fernando Veríssimo diz que o cronista é como galinha: bota seu ovo regularmente. E talvez o cronista seja mesmo um galinha. Não por sair por aí pegando qualquer fato de esquina para jogar no jornal e chamar de seu. Definitivamente, não. O cronista é mesmo esta galinha descrita por Veríssimo, que põe seus textos na obrigação regular de preencher espaços de jornal – velho ofício egoísta do monólogo do eu afirmo e ninguém contesta.
Digo mais: cronista de província é mero repasse de causos da esquina, dos papos de boteco. Se o osso do ofício manda se ater às atualidades sem extinguir o saudosismo do passado, o provinciano metido a escrivinhador há de se prender às fofocas da janela; ao caminhar apressado do rapaz na calçada, com os pés apontando dez pras duas; ou à solidão das mulheres divorciadas. Se tudo cabe na poesia, a crônica consegue abocanhar, também, o universo poético. Daí tamanha generalidade. Por isso os assuntos sempre leves. E o registro fulgural dos fatos banais.
E esta talvez sejam as razões de seus autores serem sempre meros escritores de jornal, fadados à redoma da província e ao reconhecimento de dois ou três leitores da mesma rua de acontecências. É que a crônica é o filho pobre; o samba da literatura. Mora no barraco e assiste debaixo a rotina dos nobres literatos em suas coberturas de luxo. E o cronista é esta carne de açougue de vísceras cotidianas expostas, aberta ao consumo alheio. E há os que, sem melhor alternativa, ainda prefira, para um bom cozido de banalidades, a carne de segunda.
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