quarta-feira, 1 de abril de 2009

Radiohead, por Rodrigo Levino

Mário Ivo há de me perdoar. Roubo-lhe o texto publicado em seu blog Embrulhando Peixe, do escritor-cronista Rodrigo Levino a respeito do show, ao que parece, antológico do Radiohead, no Just Fest. As palavras de Levino são primorosas. Crítica de quem sabe o que diz e o que viu. Texto enxuto, para poucos. Do mesmo show li texto publicado na Tribuna, de Issac, também muito bom. O "infiliz" de Alex de Souza é que incitou a inveja alheia (rs) e quase nada escreveu a respeito. No site Digestivo Cultural encontrei algumas palavras pobres do jornalista Julio Daio Borges, sobre o tema.

Melho o de Levino:

RADIOHEAD; ZEITGEIST

Antes de mais nada: se algo dentro da cultura pop deste início de século tiver de ser escolhido para representar o zeitgeist, ou coisa que resuma em si o espírito do nosso tempo, não há nada que o faça melhor do que o Radiohead. A claustrofobia da modernidade, a vertigem, a depressão e tudo que o existencialismo tentou traduzir em teses e simpósios, a banda inglesa foi capaz de emular de maneira não exatamente acessível, mas usando certamente um instrumento de diluição mais palatável, no caso a música. E diga-se, com louvor.

A espera de quinze anos, sete discos, um show do Los Hermanos e outro do Kraftwerk na abertura, por si só justificaria a ansiedade visível das trinta mil pessoas que se acotovelaram para assistir o concerto da banda em São Paulo. Mas , o Radiohead é maior do que isso. Primeiro por não se tratar de um simples concerto, e sim um combo de soluções estéticas, tanto do ponto de vista cenográfico quanto musical, capaz de transformar a apresentação numa experiência sensorial.

A tal experiência, no entanto, era uma mera suspeita até que duas horas e meia e 26 músicas depois, a certeza de que se estava diante da maior e mais importante banda pop em atividade tornou-se límpida e sem atropelos, como a voz de Thom Yorke, mesmo enquanto se debate na sua dança frenética.

O Radiohead é sui generis. O caminho traçado pela banda, até hoje, difere do rock de arena do U2, discorda da melodia fácil dos Smiths, aprofunda a reflexão que apesar de sincera era superficial no Nirvana, recria alicerçado no rock progressivo do Pink Floyd, renova o pioneirismo dos alemães do Kraftwerk e assume influências de composições eruditas para restar numa moldura de autenticidade, peso, perfeita execução, empatia e lufadas de genialidade recaindo particularmente sobre o guitarrista Johnny Greenwood.

O que a banda fez, desde o histórico disco OK Computer, foi arriscar-se num universo onde não existem melodias fáceis nem refrões radiofônicos, mas o faz de maneira tão competente que ao iniciar o espetáculo com a sequência devastadora de “15 steps”, “There there” e “The national anthem”, dos respectivos discos In Rainbows, Hail to the Thief e Kid A, tinha a platéia diante de si ganha, imersa na profusão de harmonias quebradas, letras desesperadas e efeitos sonoros hipnotizantes.

Sabendo dos limites que podia atingir, sem ser cobrado pelo público das tais coisas fáceis de serem ouvidas, a banda pontuou o repertório depois de “Karma Police” e “Paranoid Android” - entoada pela platéia em peso, mesmo quando se havia encerrado a execução, forçando os músicos a continuarem tocando - por escolhas lentas e esmeradas, que foram de “The Gloaming”, do Hail to the Thief ao b-side “Talk show host”, passando por “Faust Arp” e “Exit music”, dos discos Hail to the Thief e OK Computer.

A partir daí a relação público-banda estendeu-se a uma cumplicidade tal que fez o grupo retornar por impressionantes três vezes ao palco, para destilar os ecos do passado melódico do disco The Bends, com “Fake plastic tree”, o experimentalismo do Amnesiac, com “You and whose army”, deixar no ar uma saída definitiva com “Everything in its right place”, para arrebatar corações e mentes com a música que os revelou ao grande público, “Creep”, do disco Pablo Honey. Era, então, um final apoteótico que resumia com um set list coeso e poderoso, a agonia e o êxtase do mundo tal qual o conhecemos, na melhor representação que a cultura pop atual é capaz de executar.

Los Hermanos
É muito provável que o show do grupo carioca, que abriu o festival, tenha sido mesmo o último da carreira, depois de dois anos de hiato. A falta de empatia entre os líderes Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante era tão visível que dava a impressão de os 200 mil reais que ganharam pelos dois shows, no RJ e em SP, não valiam a pena para se aturarem novamente.

Kraftwerk
Os pais da música eletrônica fizeram um show burocrático, com repertório previsível que foi de “Man machine” a “Autoban”, passando por “Tour de France”. Ficou, apesar da respeitabilidade e dos recursos visuais, a impressão de não ser uma banda para shows abertos.

País Tropical
Na seleta lista de convidados especiais do Radiohead, e que a organização do show escondeu a sete chaves, figurava o mais assediado pela banda: Jorge Ben Jor. Ed O’brian, guitarrista, é reconhecidamente fanático pelo cantor e compositor brasileiro.

Caos
Uma coisa precisa ser separada da outra: se o show do Radiohead foi algo antológico, a organização do festival Just a Fest, a cargo da PlanMusic, foi de um amadorismo atroz. O local do show além de distante, lembrava a estrutura da Arena do Imirá. Ou seja, um buraco puro e simples, não fossem as árvores e resquícios de grama.

Caos II
Ao menos sinal de chuva, a tal Chácara do Jockey Club ameaçava se transformar num lamaçal. Não bastasse o acesso dificultado, o estacionamento do evento cobrou extorsivos 35 reais, que não foram capazes de deixar nenhum veículo em segurança. 70 foram arrombados.

Caos III
Ao fim do show, já segunda-feira, quase uma da manhã, a saída das trinta mil pessoas foi penosa. Por um só caminho, estreito e acidentado, dezenas delas passaram mal e demoraram quase meia hora para deixar o local do show. Um horror.

Caos IV
Taxistas, aproveitando-se da distância e da falta de ônibus, chegavam a cobrar 150 reais por uma corrida que em condições normais não passaria de trinta mangos. Nesse ponto os profissionais paulistanos se igualaram aos cariocas, reconhecidos pela habitual “malandragem”.

2 comentários:

  1. Triste saber que uma banda com Los Hermanos acabou...

    Bem que poderia ser chamada agora de LOSER MANOS...

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  2. Opa! Que bom que gostou. Enfim, foi o melhor show que vi na vida =)

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