Mário Ivo há de me perdoar. Roubo-lhe o texto publicado em seu blog Embrulhando Peixe, do escritor-cronista Rodrigo Levino a respeito do show, ao que parece, antológico do Radiohead, no Just Fest. As palavras de Levino são primorosas. Crítica de quem sabe o que diz e o que viu. Texto enxuto, para poucos. Do mesmo show li texto publicado na Tribuna, de Issac, também muito bom. O "infiliz" de Alex de Souza é que incitou a inveja alheia (rs) e quase nada escreveu a respeito. No site Digestivo Cultural encontrei algumas palavras pobres do jornalista Julio Daio Borges, sobre o tema.
Melho o de Levino:
RADIOHEAD; ZEITGEIST
Antes de mais nada: se algo dentro da cultura pop deste início de século tiver de ser escolhido para representar o zeitgeist, ou coisa que resuma em si o espírito do nosso tempo, não há nada que o faça melhor do que o Radiohead. A claustrofobia da modernidade, a vertigem, a depressão e tudo que o existencialismo tentou traduzir em teses e simpósios, a banda inglesa foi capaz de emular de maneira não exatamente acessível, mas usando certamente um instrumento de diluição mais palatável, no caso a música. E diga-se, com louvor.
A espera de quinze anos, sete discos, um show do Los Hermanos e outro do Kraftwerk na abertura, por si só justificaria a ansiedade visível das trinta mil pessoas que se acotovelaram para assistir o concerto da banda em São Paulo. Mas , o Radiohead é maior do que isso. Primeiro por não se tratar de um simples concerto, e sim um combo de soluções estéticas, tanto do ponto de vista cenográfico quanto musical, capaz de transformar a apresentação numa experiência sensorial.
A tal experiência, no entanto, era uma mera suspeita até que duas horas e meia e 26 músicas depois, a certeza de que se estava diante da maior e mais importante banda pop em atividade tornou-se límpida e sem atropelos, como a voz de Thom Yorke, mesmo enquanto se debate na sua dança frenética.
O Radiohead é sui generis. O caminho traçado pela banda, até hoje, difere do rock de arena do U2, discorda da melodia fácil dos Smiths, aprofunda a reflexão que apesar de sincera era superficial no Nirvana, recria alicerçado no rock progressivo do Pink Floyd, renova o pioneirismo dos alemães do Kraftwerk e assume influências de composições eruditas para restar numa moldura de autenticidade, peso, perfeita execução, empatia e lufadas de genialidade recaindo particularmente sobre o guitarrista Johnny Greenwood.
O que a banda fez, desde o histórico disco OK Computer, foi arriscar-se num universo onde não existem melodias fáceis nem refrões radiofônicos, mas o faz de maneira tão competente que ao iniciar o espetáculo com a sequência devastadora de “15 steps”, “There there” e “The national anthem”, dos respectivos discos In Rainbows, Hail to the Thief e Kid A, tinha a platéia diante de si ganha, imersa na profusão de harmonias quebradas, letras desesperadas e efeitos sonoros hipnotizantes.
Sabendo dos limites que podia atingir, sem ser cobrado pelo público das tais coisas fáceis de serem ouvidas, a banda pontuou o repertório depois de “Karma Police” e “Paranoid Android” - entoada pela platéia em peso, mesmo quando se havia encerrado a execução, forçando os músicos a continuarem tocando - por escolhas lentas e esmeradas, que foram de “The Gloaming”, do Hail to the Thief ao b-side “Talk show host”, passando por “Faust Arp” e “Exit music”, dos discos Hail to the Thief e OK Computer.
A partir daí a relação público-banda estendeu-se a uma cumplicidade tal que fez o grupo retornar por impressionantes três vezes ao palco, para destilar os ecos do passado melódico do disco The Bends, com “Fake plastic tree”, o experimentalismo do Amnesiac, com “You and whose army”, deixar no ar uma saída definitiva com “Everything in its right place”, para arrebatar corações e mentes com a música que os revelou ao grande público, “Creep”, do disco Pablo Honey. Era, então, um final apoteótico que resumia com um set list coeso e poderoso, a agonia e o êxtase do mundo tal qual o conhecemos, na melhor representação que a cultura pop atual é capaz de executar.
Los Hermanos
É muito provável que o show do grupo carioca, que abriu o festival, tenha sido mesmo o último da carreira, depois de dois anos de hiato. A falta de empatia entre os líderes Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante era tão visível que dava a impressão de os 200 mil reais que ganharam pelos dois shows, no RJ e em SP, não valiam a pena para se aturarem novamente.
Kraftwerk
Os pais da música eletrônica fizeram um show burocrático, com repertório previsível que foi de “Man machine” a “Autoban”, passando por “Tour de France”. Ficou, apesar da respeitabilidade e dos recursos visuais, a impressão de não ser uma banda para shows abertos.
País Tropical
Na seleta lista de convidados especiais do Radiohead, e que a organização do show escondeu a sete chaves, figurava o mais assediado pela banda: Jorge Ben Jor. Ed O’brian, guitarrista, é reconhecidamente fanático pelo cantor e compositor brasileiro.
Caos
Uma coisa precisa ser separada da outra: se o show do Radiohead foi algo antológico, a organização do festival Just a Fest, a cargo da PlanMusic, foi de um amadorismo atroz. O local do show além de distante, lembrava a estrutura da Arena do Imirá. Ou seja, um buraco puro e simples, não fossem as árvores e resquícios de grama.
Caos II
Ao menos sinal de chuva, a tal Chácara do Jockey Club ameaçava se transformar num lamaçal. Não bastasse o acesso dificultado, o estacionamento do evento cobrou extorsivos 35 reais, que não foram capazes de deixar nenhum veículo em segurança. 70 foram arrombados.
Caos III
Ao fim do show, já segunda-feira, quase uma da manhã, a saída das trinta mil pessoas foi penosa. Por um só caminho, estreito e acidentado, dezenas delas passaram mal e demoraram quase meia hora para deixar o local do show. Um horror.
Caos IV
Taxistas, aproveitando-se da distância e da falta de ônibus, chegavam a cobrar 150 reais por uma corrida que em condições normais não passaria de trinta mangos. Nesse ponto os profissionais paulistanos se igualaram aos cariocas, reconhecidos pela habitual “malandragem”.
Triste saber que uma banda com Los Hermanos acabou...
ResponderExcluirBem que poderia ser chamada agora de LOSER MANOS...
Opa! Que bom que gostou. Enfim, foi o melhor show que vi na vida =)
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