sábado, 12 de junho de 2010
Barraco shakespeariano
Grupo Clowns de Shakespeare estreia espetáculo e nova sede em Natal neste fim de semana
A ilusão ameniza as durezas da vida, mas é preciso cair na real às vezes. É mais ou menos esse o mote do espetáculo O Capitão e a Sereia, encenado pelo Clowns de Shakespeare a partir de amanhã na nova sede do grupo. O roteiro é inspirado no livro homônimo do escritor e ilustrador André Neves. Fala sobre o menino sertanejo que cresceu ouvindo histórias sobre o mar, que formou uma trupe para contar histórias do sertão, e após muito tempo encantando a todos com essas histórias, resolve abandonar a sua trupe e seguir em busca do sonho de conhecer o mar.
Já imaginaram os cenários, os diálogos emocionados e cheios de esperança de uma pobre criança sertaneja superando dificuldades até ficar de olhos marejados diante da imensidão do mar? Esqueça. Interessa ao Clowns de Shakespeare contar a história daquela trupe que o menino esqueceu lá no sertão antes de buscar o sonhado mar de sua infância; contar a precariedade que envolve o fazer deste grupo, muito próximo à realidade local e da maioria das companhias de teatro do país. Essa é a “coluna vertebral” de O Capitão e a Sereia.
O espetáculo inicia a temporada dos Clowns em Natal a partir de amanhã e pelos próximos fins de semana (sábado e domingo) até 11 de julho, sempre às 19h. O local também é novidade. A nova sede do Barracão Clowns migrou de Lagoa Seca (nas proximidades do Midway) à Rua Amintas Barros, em Lagoa Nova. O diretor do espetáculo, Fernando Yamamoto esclarece que a sede não será usada para ensaios e atividades cotidianas da trupe, embora possua estrutura para abrigar espetáculos eventuais de outros grupos.
O Capitão e a Sereia traz também o ineditismo de ser o primeiro espetáculo encenado em sede própria pelo Clowns. “No ano passado, fizemos vários eventos, mas eram ensaios abertos, experimentos, nunca espetáculos. No caso do Capitão, especificamente, é um espetáculo que exige uma configuração espacial que não permite que apresentemos no TAM (Teatro Alberto Maranhão) ou na Casa da Ribeira”. Yamamoto ressalta ainda que a apresentação é limitada a 80 espectadores e encenada fora do formato tradicional de palco italiano (frontal e elevado), valorizando a proximidade com o espectador.
O espetáculo estreou em São Paulo, no SESI Leopoldina, em outubro do ano passado. Fez 40 apresentações em dois meses. Recebeu o Prêmio Shell 2009 de melhor figurino, foi indicada na categoria melhor música e considerado o terceiro melhor espetáculo da temporada paulistana de 2009 pela Folha de São Paulo. Na estreia em Natal, os Clowns também comemoram o início de um projeto Balaio Teatral. Os Clowns foram contemplados pelo edital de manutenção de grupos do Programa Petrobras Cultural, o mais importante na área no país. O projeto custeará as atividades do grupo e será o principal mantenedor dos Clowns até 2012.
Entrevista: Fernando Yamamoto
A quebra do formato tradicional é tendência no teatro? Temos ainda o Teatro do Oprimido (ainda bem difundido) e a Estética Relacional como exemplos de tentativa de aproximar o público do espetáculo.
O uso de formatos não-frontais não é nenhum tipo de novidade no teatro. O teatro de grupo brasileiro tem, nos últimos anos, buscado outros tipos de relação com a plateia, como forma de dar conta de responder às questões éticas e políticas que têm nos instigado, e que em muitos casos não têm como ser respondidas pela relação convencional. A ruptura espacial vai além de uma opção estética, passa a ser uma atitude de questionamento do próprio modo de fazer teatro.
As companhias teatrais da cidade deveriam investir em sedes próprias e trilharem caminhos mais independentes? O que falta à classe teatral natalense? União? Organização? Incentivo?
Sede própria é uma condição sine qua non para o desenvolvimento de um teatro de pesquisa, continuado. Deveria ser prioridade para qualquer grupo. No entanto, não é fácil se conseguir condições para a manutenção de um grupo, de um espaço. Acredito que esse é o desejo de qualquer grupo. Alguns da cidade já estão conseguindo isso, como nós, o Facetas, o Teart, entre outros.
Falta ao natalense valorizar a arte? Ingressos acima de R$ 20 são pagos apenas a produções com artistas globais. Como quebrar esse paradigma?
É um trabalho de formiguinha que jamais terá fim. É impossível o teatro de grupo, de pesquisa, responsável pela realização do melhor teatro feito no país, competir com o apelo da indústria cultural, que não se apoia nos valores artísticos, e sim na força da cultura de massa. Além do que, mesmo esses espetáculos caça-níqueis, que cobram ingressos abusivos do público, não conseguem sobreviver só de bilheteria. Se não fossem as distorções das leis de renúncia fiscal, mesmo os espetáculos comerciais poderiam sobreviver de bilheteria. Portanto, acho que essa "quebra de paradigma" está ligada à essência do nosso fazer, que é um trabalho de formação, tanto do público, quanto de nós mesmos.
O Capitão e a Sereia
Datas: sábados e domingos, de 12 de junho a 11 de julho (exceto 26 e 27)
Horário: 19h
Local: Barracão Clowns - Rua Amintas Barros, 4673 - Lagoa Nova (a 150 metros do cruzamento com a Av. Xavier da Silveira, em direção ao bairro de Nova Descoberta)
Ingressos: no local, R$ 20 e R$ 10 (meia entrada)
Informações: (84) 3221 1816 ou no local, das 14h às 22h
* Matéria publicada hoje no Diário de Natal
- Foto: Maurício Cuca
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