sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Dos possibilistas

Possibilistas é a expressão usada pelo artista plástico-pirado Marcelus Bob para diagnosticar aqueles com potencial para ascender. Luís Fernando Veríssimo poderia ser um se desejasse uma cadeira de imortal na Academia Brasileira de Letras. Não faz questão. Possibilista mesmo é a Dança de São Gonçalo, do município de Portalegre. Apesar de 200 anos de tradição no estado, poucos conhecem. Mas quando se tem Veríssimo, Zuenir Ventura e Villas Boas Correia na primeira fila da platéia para assistir a apresentação de uma cultura popular legítima, eles passam a ser possibilistas de uma notoriedade merecida.

Esse encontro inimaginável ocorreu ontem, no primeiro dia do Encontro Natalense de Escritores, que acaba amanhã. A literatura andou de mãos dadas com as manifestações folclóricas durante a segunda edição do evento. O encontro fundamental foi do público com a arte, seja na fotografia, nas artes plásticas, nas expressões populares, na música e, claro, na literatura e seus gêneros. E se o poeta e cineasta pernambucano Fernando Monteiro disse precisar de juventude e saúde para fazer cinema, lá estava dona Aldeíze, mestra da Dança de São Gonçalo e alguns anos mais velha que o cineasta, esbanjando vitalidade no palco.

A voz doída e aguda de dona Aldeíze vai permanecer na memória do evento pelas próximas 15 ou 50 edições. A mestra comandou a apresentação de mais 13 componentes. São sempre 12 mulheres e dois homens. A tradição é cultivada na comunidade quilombola do Pega, em Portalegre. O folclorista e poeta Deífilo Gurgel estava maravilhado. Segundo ele, a tradição tem sido repassada entre as gerações e 80% dos brincantes foram renovados desde a década de 80, época em que viu pela última vez a apresentação do grupo.

Dona Aldeíze disse ter aprendido a Dança com a mãe, Raimunda Leonila, que aprendeu com a mãe, dona Nila. Depois de enfrentar mais de 400 quilômetros de estrada e carregar uma tradição milenar trazida por portugueses, chegou ao palco do ENE com exigências: “Queria a presença do prefeito junto conosco”. Carlos Eduardo Alves subiu ao palco e recebeu a incumbência de segurar a imagem de São Gonçalo (monge português, santificado em 1.200, na região do Douro. Ele costumava evocar a dança para tirar as mulheres da promiscuidade. Os escravos baianos assimilarem a tradição na época da vinda do império ao Brasil). Após a apresentação... “Fiquei maravilhosa só em ele (o prefeito) dar atenção aos morenos, né?”. E os aplausos, merecidos aplausos aos possibilistas.

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