Sinto até calafrios quando ouço alguém se auto-afirmar um cidadão do mundo. Eu, apenas um passarinho de gaiola e acostumado às cenas e costumes da esquina. Deitado em rede, numa varanda minha, até imagino-me nas gôndolas de Veneza, tomando um café no Champs-Élyseés ou a passear nos becos milenares do Cairo. É que os desaventurados têm esse costume dos sonhos impossíveis, de mastigar a essência daquilo que poderia ter sido e não foi.
Digo isto, amigo leitor, porque li hoje entrevista com a jornalista Glória Maria. Ela que passou dez anos à frente do Fantástico, agora se despede da emissora e parte para novas empreitadas. Perguntaram se ela poderia sentir saudade do Programa. E ela, dessas mulheres mais cosmopolitas, afirmou: “Saudade é palavra que só existe na língua portuguesa. Sou uma cidadã do mundo”.
E eu, apenas aquele cara do outro quarteirão; aquele que apenas assiste o rapaz distraído derrubar os livros da moça e ali iniciarem romance de novela, me arrepio com a frase da jornalista. Sou um provinciano, preso mesmo aos quarteirões da vida que construí. Ora, querer mais que a infinitude do mar, os mundos dos livros ou a eternidade das amizades é mostrar-se ingrato com a vida. Uma vida, registre-se, longe daquela “vida besta” assistida dos sobrados das casas do interior, descrita por Drumont.
Se coleciono auroras em vez de postais é porque suspeito que a verdadeira vida reside mesmo na imaginação. E por ela viajo, sonho e me transformo naquele herói das multidões, tão cheio de carisma e beleza. Como já afirmei, a vida é uma grande ilusão. Não se engane. E melhor é, ao acordar do sonho, assistir o cotidiano já conhecido, de esquinas do passado e do presente. A vida é mais fácil assim.
O amigo leitor pode me chamar de fraco, medroso ou outra classificação que o valha. Confesso outros defeitos muitos, não esses. Sou apenas um provinciano, e incurável, como Cascudo. Se me esforço a permanecer em minha redoma é por preferir a distância de um mundo dito mais fascinante e perfumado pelo cheiro do capital. E como Schopenhauer, também opto pela esquiva aos bípedes como melhor forma de expulsar minhas vontades e desejos – frutos de todos os pecados.
E assim, por estes quarteirões de uma Natal de morros, dunas, mar e rio, coloco os tijolos do muro de minha vida, com o cimento do meu silêncio: alicerce primeiro da minha ilusão.
sexta-feira, 28 de dezembro de 2007
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
Balanço cultural de 2007
Tomando carona na idéia do amigo jornalista Tácito Costa, escrevo aqui minha lista sobre alguns destaques vistos na cultura em 2007. Claro, como toda lista, sempre falta alguma coisa e peço ao amigo leitor aquele ajuda fundamental para fazermos jus às grandes idéias e projetos da nossa terrinha.
PROJETOS CULTURAIS: Seis e Meia, Pixinguinha, Som da Mata, Feira de Sebos, Encontro Natalense de Escritores, revista Brouhaha, o Auto de Natal (mesmo que carente de ajustes) e o espetáculo Nas Asas da História, em Parnamirim. A programação cultural promovida pela Casa da Ribeira e, mais ainda, pelo Beco da Lama e adjacências, como o Carnabeco, o Festival Gastronômico e a cerveja gelada do Bardallos, claro, e o trabalho desenvolvido pelo Cineclube Natal e Nalva Salão Café.
BLOGS: Entre os blogs relacionados à cultura, lembraria o Substantivo Plural (http://www.substantivoplural.com.br/), do próprio Tácito Costa, e o Grande Ponto (http://www.grandeponto.blogspot.com/), do jornalista Alexandro Gurgel.
LITERATURA: No campo da literatura, confesso com toda a vergonha, ter sido pouco produtivo este ano para este jornalista. Mas citaria os projetos literários de Franklin Jorge, publicados somente este ano, e os livros sobre folclore – salvo engano foram dois – de autoria de Deífilo Gurgel. Entre outros sem tanta relevância, li “Memória de Minhas Putas Tristes”, de García Márquez. Mas foi escrito em 2004, então não voga. O best seller “A Cura de Schopenhauer”, do psicanalista Irvin d. Yalon, é ótimo para reflexão, mas longe de uma obra literária de relevância.
CINEMA E DVDs: Minha lista de filmes ficou parecida com a de Tácito – e meu ego sobe ao último degrau por causa disso. Destacaria O Cheiro do Ralo, Casa de Areia, Império dos Sonhos, Querô, Paris Te Amo, Vermelho Abajur (do nosso Alan Cedrak), Pequena Miss Sunshine, Babel, Baixio das Bestas, O Labirinto do Fauno, Diamante de Sangue, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, Um Lugar na Platéia, Volver, e O Último Rei da Escóssia.
Tácito destacou ainda Cartas de Iwo Jima, A Conquista da Honra, Rainha, Tropa de Elite e Os Infiltrados, que também assisti. E mais: As Leis de Família. O Passado, Scoop – O Grande Furo, O Violino, Crimes de Autor, Leões e Cordeiros, O Novo Mundo, Árido Movie, Tempo de Guerra, O Amor em Fuga e Hiroshima Meu Amor.
MÚSICA: Creio ter sido a música potiguar a grande vencedora este ano no segmento cultural: tivemos lançamentos de CDs fenomenais como os de Mirabô e Roberta Sá, lembrados por Tácito, e ainda o Coisa de Preto, de Khrystal; Leve, Só as Pedras, de Valéria Oliveira; e Se Amar Assim, de Manuela Dac, além do Festival de Música; da Assembléia Cultural; o Praia Shopping Cultural; o Prêmio Hangar; e os projetos de música alternativa encabeçados pelo DoSol.
PERDA: Como grande perda do estado no segmento cultural, citaria o projeto Domingo na Praça, que ensaiou uma volta com o patrocínio da Oi, mas fracassou por falta de organização.
DECEPÇÃO: Posso angariar alguns inimigos com a opinião, mas fiquei imensamente decepcionado com o filme O Homem Que Desafiou o Diabo, de Moacir de Góes. Após tanta divulgação, estardalhaço e espera, um filme mal produzido. Outra decepção foi a espera pelas edições da revista Preá. A esperança, sendo a última, permanece.
DESTAQUE: Se há o que destacar este ano, não só pela qualidade – ou também destacaria outros tantos – mas pela projeção conseguida no difícil espaço do Sul Maravilha, o nome de Roberta Sá é o mais indicado.
REVELAÇÃO: Essa indicação partiu do jornalista Alex de Souza e da sua coluna Bazar. É o nome da jovem poetisa Ada Lima. Fico devendo o blog dela. Para uma próxima. (Alex, me socorra!)
A LEMBRAR: Um fato histórico para a música e o rádio potiguar: a despedida da diva Glorinha Oliveira dos palcos, durante apresentação na Assembléia Cultural, em dezembro. Também o trabalho incansável desenvolvido por Abimael Silva e seu Sebo Vermelho. As instalações do Movimento 8 de Maio, em Natal (M8M), e a revista eletrônica (chamam de E-Zine) Disruptores, com um bom time de jovens jornalistas e excelentes entrevistas.
O que mais?
PROJETOS CULTURAIS: Seis e Meia, Pixinguinha, Som da Mata, Feira de Sebos, Encontro Natalense de Escritores, revista Brouhaha, o Auto de Natal (mesmo que carente de ajustes) e o espetáculo Nas Asas da História, em Parnamirim. A programação cultural promovida pela Casa da Ribeira e, mais ainda, pelo Beco da Lama e adjacências, como o Carnabeco, o Festival Gastronômico e a cerveja gelada do Bardallos, claro, e o trabalho desenvolvido pelo Cineclube Natal e Nalva Salão Café.
BLOGS: Entre os blogs relacionados à cultura, lembraria o Substantivo Plural (http://www.substantivoplural.com.br/), do próprio Tácito Costa, e o Grande Ponto (http://www.grandeponto.blogspot.com/), do jornalista Alexandro Gurgel.
LITERATURA: No campo da literatura, confesso com toda a vergonha, ter sido pouco produtivo este ano para este jornalista. Mas citaria os projetos literários de Franklin Jorge, publicados somente este ano, e os livros sobre folclore – salvo engano foram dois – de autoria de Deífilo Gurgel. Entre outros sem tanta relevância, li “Memória de Minhas Putas Tristes”, de García Márquez. Mas foi escrito em 2004, então não voga. O best seller “A Cura de Schopenhauer”, do psicanalista Irvin d. Yalon, é ótimo para reflexão, mas longe de uma obra literária de relevância.
CINEMA E DVDs: Minha lista de filmes ficou parecida com a de Tácito – e meu ego sobe ao último degrau por causa disso. Destacaria O Cheiro do Ralo, Casa de Areia, Império dos Sonhos, Querô, Paris Te Amo, Vermelho Abajur (do nosso Alan Cedrak), Pequena Miss Sunshine, Babel, Baixio das Bestas, O Labirinto do Fauno, Diamante de Sangue, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, Um Lugar na Platéia, Volver, e O Último Rei da Escóssia.
Tácito destacou ainda Cartas de Iwo Jima, A Conquista da Honra, Rainha, Tropa de Elite e Os Infiltrados, que também assisti. E mais: As Leis de Família. O Passado, Scoop – O Grande Furo, O Violino, Crimes de Autor, Leões e Cordeiros, O Novo Mundo, Árido Movie, Tempo de Guerra, O Amor em Fuga e Hiroshima Meu Amor.
MÚSICA: Creio ter sido a música potiguar a grande vencedora este ano no segmento cultural: tivemos lançamentos de CDs fenomenais como os de Mirabô e Roberta Sá, lembrados por Tácito, e ainda o Coisa de Preto, de Khrystal; Leve, Só as Pedras, de Valéria Oliveira; e Se Amar Assim, de Manuela Dac, além do Festival de Música; da Assembléia Cultural; o Praia Shopping Cultural; o Prêmio Hangar; e os projetos de música alternativa encabeçados pelo DoSol.
PERDA: Como grande perda do estado no segmento cultural, citaria o projeto Domingo na Praça, que ensaiou uma volta com o patrocínio da Oi, mas fracassou por falta de organização.
DECEPÇÃO: Posso angariar alguns inimigos com a opinião, mas fiquei imensamente decepcionado com o filme O Homem Que Desafiou o Diabo, de Moacir de Góes. Após tanta divulgação, estardalhaço e espera, um filme mal produzido. Outra decepção foi a espera pelas edições da revista Preá. A esperança, sendo a última, permanece.
DESTAQUE: Se há o que destacar este ano, não só pela qualidade – ou também destacaria outros tantos – mas pela projeção conseguida no difícil espaço do Sul Maravilha, o nome de Roberta Sá é o mais indicado.
REVELAÇÃO: Essa indicação partiu do jornalista Alex de Souza e da sua coluna Bazar. É o nome da jovem poetisa Ada Lima. Fico devendo o blog dela. Para uma próxima. (Alex, me socorra!)
A LEMBRAR: Um fato histórico para a música e o rádio potiguar: a despedida da diva Glorinha Oliveira dos palcos, durante apresentação na Assembléia Cultural, em dezembro. Também o trabalho incansável desenvolvido por Abimael Silva e seu Sebo Vermelho. As instalações do Movimento 8 de Maio, em Natal (M8M), e a revista eletrônica (chamam de E-Zine) Disruptores, com um bom time de jovens jornalistas e excelentes entrevistas.
O que mais?
domingo, 23 de dezembro de 2007
Auto de Natal 2007
“Escrevi um auto e me devolveram um espetáculo da Broadway”, disse o dramaturgo Paulo de Tarso Correia de Melo minutos após o encerramento do primeiro dia de encenação do Auto de Natal. O autor do texto da quarta edição do evento – este ano promovido no Machadão pela prefeitura do Natal – presenciou um Estádio lotado para assistir, também, o show do cearense Fagner (a atração de hoje, último dia, é Ney Matogrosso). Mas quem roubou a cena do dia foi o músico e compositor Carlos Zens, responsável pela trilha sonora do Auto e que ditou o compasso e o roteiro do espetáculo.
Após o evento receber textos de grandes nomes da literatura potiguar, como Tarcísio Gurgel, Nei Leandro de Castro e Moacyr Cirne, Paulo de Tarso comentou que pensou em incluir uma dimensão educativa e apregoar alguns bons propósitos. “Sei que são fatores que não fazem boa literatura, mas não consegui escapar disso. Depois de tanta gente boa ter escrito para este evento, eu precisava ser original”. E conseguiu. Pelo menos o nascimento do Menino Jesus foi uma grande festa no palco e escapou da praxe das cenas comoventes vistas nas edições anteriores.
O Auto de Natal este ano conseguiu ser ainda mais regional. Se o elemento teatral foi menos explorado que em anos anteriores, cedendo lugar à dança e aos folguedos, os diálogos travados foram em maioria providos da linguagem de cordel ou versos de feição popular. O autor conseguiu ainda encaixar na saga do nascimento de Jesus na terra de Poti, folguedos como o Pastoril, Dança do Espontão, Congos, Baião Cocado, entre outros. Este ano nada de hip-hop ou tecno. Se alguma música soou estranha aos potiguares mais enraizados, foram batidas de tambor, a lembrar rituais de Umbanda.
Jesus já nasceu nos quatro cantos de Natal e até em Parnamirim, com a segunda edição do auto da cidade-vizinha. Faltava o interior, como o Sertão setentrional das bandas do Apodi. E foi sob as paredes do Lajedo Soledade o nascimento do Menino-Deus este ano. “A sobrevivência do primitivo sempre me impressionou, desde o meu primeiro livro – O Talhe Rupestre. Foi o que determinou a escolha do lugar”, disse Paulo de Tarso.
O dramaturgo homenageou ainda o poeta Othoniel Menezes, com o quadro “O Caminho da Praieira”, e o decano dos poetas vivos potiguares, Deífilo Gurgel, influência fundamental para um livro do autor: Os Romances de Alcaçus. E ainda no texto, um soneto de Auta de Souza que expressa de algum modo, segundo Paulo de Tarso, a angústia de caminhada de Maria e José em busca da estalagem de Belém. “Agradeço ao prefeito Carlos Eduardo Alves, ao presidente da Funcarte, Dácio Galvão e ao diretor do Auto, Véscio Lisboa, pela inclusão de portadores de necessidades especiais no elenco e pela edição do Auto no sistema Braille. Afinal, o nascimento de Jesus é de todos os que participam da condição humana”, concluiu Paulo de Tarso.
Após o evento receber textos de grandes nomes da literatura potiguar, como Tarcísio Gurgel, Nei Leandro de Castro e Moacyr Cirne, Paulo de Tarso comentou que pensou em incluir uma dimensão educativa e apregoar alguns bons propósitos. “Sei que são fatores que não fazem boa literatura, mas não consegui escapar disso. Depois de tanta gente boa ter escrito para este evento, eu precisava ser original”. E conseguiu. Pelo menos o nascimento do Menino Jesus foi uma grande festa no palco e escapou da praxe das cenas comoventes vistas nas edições anteriores.
O Auto de Natal este ano conseguiu ser ainda mais regional. Se o elemento teatral foi menos explorado que em anos anteriores, cedendo lugar à dança e aos folguedos, os diálogos travados foram em maioria providos da linguagem de cordel ou versos de feição popular. O autor conseguiu ainda encaixar na saga do nascimento de Jesus na terra de Poti, folguedos como o Pastoril, Dança do Espontão, Congos, Baião Cocado, entre outros. Este ano nada de hip-hop ou tecno. Se alguma música soou estranha aos potiguares mais enraizados, foram batidas de tambor, a lembrar rituais de Umbanda.
Jesus já nasceu nos quatro cantos de Natal e até em Parnamirim, com a segunda edição do auto da cidade-vizinha. Faltava o interior, como o Sertão setentrional das bandas do Apodi. E foi sob as paredes do Lajedo Soledade o nascimento do Menino-Deus este ano. “A sobrevivência do primitivo sempre me impressionou, desde o meu primeiro livro – O Talhe Rupestre. Foi o que determinou a escolha do lugar”, disse Paulo de Tarso.
O dramaturgo homenageou ainda o poeta Othoniel Menezes, com o quadro “O Caminho da Praieira”, e o decano dos poetas vivos potiguares, Deífilo Gurgel, influência fundamental para um livro do autor: Os Romances de Alcaçus. E ainda no texto, um soneto de Auta de Souza que expressa de algum modo, segundo Paulo de Tarso, a angústia de caminhada de Maria e José em busca da estalagem de Belém. “Agradeço ao prefeito Carlos Eduardo Alves, ao presidente da Funcarte, Dácio Galvão e ao diretor do Auto, Véscio Lisboa, pela inclusão de portadores de necessidades especiais no elenco e pela edição do Auto no sistema Braille. Afinal, o nascimento de Jesus é de todos os que participam da condição humana”, concluiu Paulo de Tarso.
sábado, 22 de dezembro de 2007
Dos linxamentos contra Marina Elali
O que li semana passada foi um verdadeiro linxamento midiático contra a intérprete Marina Elali. Blogs, jornais e noticiários teceram críticas veementes da gravação do CD ao vivo da cantora, no evento promovido pela prefeitura no Machadão. Se a música da moça é de “gosto duvidoso” – termo usado por quase todos os jornalistas – é porque há dúvidas se a qualidade é boa ou não.
De antemão afirmo que não aprecio o estilo musical de Marina Elali. Basta dizer que detesto Mariah Carey e Celina Dion. Também discordo que valha a comparação entre ela e Roberta Sá – também usada pela maioria dos colegas de imprensa. São estilos, posturas e público diferentes. Ou alguém imagina Marina Elali circulando entre os bons da MPB, como Max de Castro, Pedro Luís ou mesmo a tal Mariana Aydar?
O espaço buscado por Marina é outro: o popular, da grande massa; das músicas de fácil aceitação. Antes fosse um trabalho voltado à nossa música de raiz, maravilhosamente trilhado por Khrystal. Não é, infelizmente. Marina escolheu o caminho mais fácil, da maioria. E daí, também, se ela ou o pai tem dinheiro para estreitar o árduo caminho do sucesso?
Voz afinada – chata ou não – a moça tem. Ou não driblaria o crivo de críticos selecionados do programa Fama e alcançaria o terceiro posto, depois de desbancar milhares de pretendentes. Beleza e carisma, também. Pelo menos para agradar o grande público e o Faustão. E imagino que ela não queira muito mais do que isso. E não por essa escolha, ela mereça ser classificada de “tapada”, como escreveu alguém. Para ficar nesse adjetivo.
Talvez pela carência de bons nomes na seara da música regionalista ou pela luta incansável de compositores fantásticos da nossa terra em alcançar um terço do espaço na mídia nacional, já conseguido por Marina, tamanhas críticas da imprensa (algumas exageradas e de auto-promoção). Acho injusto. Marina Elali não toma o lugar de ninguém. Se merece mais ou menos do que outrem é outra questão.
Então, deixem a moça trabalhar, se cercar de seguranças e se pensar já uma estrela do pop nacional. Ora, a vida é uma grande ilusão!
De antemão afirmo que não aprecio o estilo musical de Marina Elali. Basta dizer que detesto Mariah Carey e Celina Dion. Também discordo que valha a comparação entre ela e Roberta Sá – também usada pela maioria dos colegas de imprensa. São estilos, posturas e público diferentes. Ou alguém imagina Marina Elali circulando entre os bons da MPB, como Max de Castro, Pedro Luís ou mesmo a tal Mariana Aydar?
O espaço buscado por Marina é outro: o popular, da grande massa; das músicas de fácil aceitação. Antes fosse um trabalho voltado à nossa música de raiz, maravilhosamente trilhado por Khrystal. Não é, infelizmente. Marina escolheu o caminho mais fácil, da maioria. E daí, também, se ela ou o pai tem dinheiro para estreitar o árduo caminho do sucesso?
Voz afinada – chata ou não – a moça tem. Ou não driblaria o crivo de críticos selecionados do programa Fama e alcançaria o terceiro posto, depois de desbancar milhares de pretendentes. Beleza e carisma, também. Pelo menos para agradar o grande público e o Faustão. E imagino que ela não queira muito mais do que isso. E não por essa escolha, ela mereça ser classificada de “tapada”, como escreveu alguém. Para ficar nesse adjetivo.
Talvez pela carência de bons nomes na seara da música regionalista ou pela luta incansável de compositores fantásticos da nossa terra em alcançar um terço do espaço na mídia nacional, já conseguido por Marina, tamanhas críticas da imprensa (algumas exageradas e de auto-promoção). Acho injusto. Marina Elali não toma o lugar de ninguém. Se merece mais ou menos do que outrem é outra questão.
Então, deixem a moça trabalhar, se cercar de seguranças e se pensar já uma estrela do pop nacional. Ora, a vida é uma grande ilusão!
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
A vida é mesmo uma ilusão
Reafirmo sem medo de errar: a vida é uma ilusão, sim, amigo leitor. Li em matéria publicada hoje no Diário que a lua cheia tem o mesmo tamanho quando está próxima do horizonte ou mais acima no céu. A impressão de que está maior quando sai do mar não passa de uma “grande ilusão”, segundo astrônomos. E por essas e outras ouso afirmar que precisamos das ilusões para a boa vida.
É bom iludir-se com as alegrias onustas do verão ou com a ansiedade da chegada dos fins de semana. É bom se deixar enganar e pensar que o homem foi feito para amar. Ora, e atire a primeira pedra quem não espera a paz chegar sem mover uma palha para isso. É porque a ilusão contamina e embriaga. E pra que negar? Como é bom o prazer da embriagues e do sonho feliz!
Pode ser que aqueles tempos infantis morassem em um terreno outro que não o da realidade pura e selvagem. Tempos de chãos escorregadios e inocência em que os fantasmas das frustrações eram esquecidos no instante seguinte. São lembranças grandiosas. Não pertencem a estes cenários tão cheios de cinza. São recordações cuja proprietária é a ilusão, aquela mesma da família dos que ainda sonham serem felizes.
É bom iludir-se com as alegrias onustas do verão ou com a ansiedade da chegada dos fins de semana. É bom se deixar enganar e pensar que o homem foi feito para amar. Ora, e atire a primeira pedra quem não espera a paz chegar sem mover uma palha para isso. É porque a ilusão contamina e embriaga. E pra que negar? Como é bom o prazer da embriagues e do sonho feliz!
Pode ser que aqueles tempos infantis morassem em um terreno outro que não o da realidade pura e selvagem. Tempos de chãos escorregadios e inocência em que os fantasmas das frustrações eram esquecidos no instante seguinte. São lembranças grandiosas. Não pertencem a estes cenários tão cheios de cinza. São recordações cuja proprietária é a ilusão, aquela mesma da família dos que ainda sonham serem felizes.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
Do peso da existência
Se minha presença diminuiu por aqui não é em função do período festivo ou de férias. É que meu pai está enfermo no leito de um hospital. Lembro de uma frase de Neruda: também “estou cansado de ser homem”, de ser gente. A existência pesa, amigo leitor. Por vezes sinto-me mais velho que meu velho pai. Esqueço o vigor da juventude para mergulhar em reflexões e justificativas para tantos pedregulhos no caminho da vida. Os livros – amigos fiéis – não morrem.
A vida é uma benção de Deus. É sim. Mas há os acasos – as linhas tortas de Deus. E se mais das vezes eles surgem para quebrar a monotonia dos dias, também armam surpresas que mancham de cinza as cores fortes do crepúsculo – instante mágico do dia. A fé costuma rir disso tudo. Olha de cima os acontecimentos recheados de acasos e bem sabe quais os propósitos para tantas tristezas. Guarda para si as razões para que as crenças se fortaleçam. e é na minha fé que posso reafirmar: a vida é um arroubo de ilusão.
A vida é uma benção de Deus. É sim. Mas há os acasos – as linhas tortas de Deus. E se mais das vezes eles surgem para quebrar a monotonia dos dias, também armam surpresas que mancham de cinza as cores fortes do crepúsculo – instante mágico do dia. A fé costuma rir disso tudo. Olha de cima os acontecimentos recheados de acasos e bem sabe quais os propósitos para tantas tristezas. Guarda para si as razões para que as crenças se fortaleçam. e é na minha fé que posso reafirmar: a vida é um arroubo de ilusão.
terça-feira, 18 de dezembro de 2007
Nas asas da história
Assisti ontem ao auto de Parnamirim. Achei mais simpático do que qualquer outro que vi até agora, mesmo as grandes produções dos de Mossoró ou o belíssimo espetáculo de Natal. Fui ano passado também e já noto uma tímida evolução. A segunda edição do espetáculo Nas Asas da História encenou a trajetória de nascimento da cidade a partir das notícias transmitidas pelas duas antigas amplificadoras do então vilarejo. As chamadas Bocas de Ferro eram o meio por onde os parnamirinenses recebiam notícias do mundo – uma espécie de alto-falante de Luís Romão, que “ajuntava” populares em Natal para ouvir notícias da Guerra.
O escritor e ensaísta Tarcísio Gurgel trouxe para narrar a história o locutor da primeira amplificadora da cidade – a Santo Antônio –, Oswaldo Moreira, além do professor de história Maurílio, que ministra aulas na Escola Municipal Augusto Severo. No palco, mais de 60 atores parnamirinenses. Coisa bonita de se ver. A estética Armorial – herança do romanceiro popular nordestino – incorporada ao espetáculo, aliado ao didatismo da peça facilitou o entendimento do público em conhecer a história luta de Parnamirim.
Tarcísio Gurgel – que já emprestou seu talento ao Auto de Natal – conseguiu mais uma vez inserir a história de nascimento de Jesus à história de fundação de Parnamirim. E se neste novo espetáculo (que se estende até amanhã no Parque Aluízio Alves) a história parte de personagens populares como as lavadeiras do bairro parnamirinense de Passagem de Areia, a tradição da atividade aeroviária da cidade não ficou de fora. E lá estava o piloto francês Paul Vachet e seu linguajar francês-tupiniquim prevendo o “progressór” de Parnamirim Field com a construção da Base Aérea.
Os aviões eram comuns em Parnamirim mesmo antes da construção da Base. As aeronaves comerciais da Air France sobrevoavam a cidade e pousavam no Rio Potengi. Mas foi a construção de uma Base Aérea, que viria a ser a proteção das Américas e empregaria mais de 80 mil pessoas o motivo para imigração de milhares de pessoas em busca de melhores condições de vida. E Tarcísio Gurgel foi buscar nos moradores antigos de Passagem de Areia a história das lavadeiras que migraram para os arredores da Base para lavar os uniformes dos militares e formarem um dos primeiros bairros da cidade – fundada em 17 de dezembro de 1958.
E um dos personagens de Passagem de Areia é o marceneiro José e sua mulher, a lavadeira Maria. Qualquer semelhança com o nome do casal bíblico não é mera coincidência. José e Maria fugiram da miséria em busca de trabalho e uma terra mais promissora para criar o filho que estava por nascer. Jesus nasce junto com a cidade de Parnamirim. Os três Reis Magos – representando a diversidade religiosa da cidade com o catolicismo, o candomblé e o protestantismo – abençoaram o menino Jesus, em cena depois já mais crescido e bonito, como a cidade Trampolim da Vitória próspera.
A adoção da estética Armorial tem sido fórmula para apresentações de sucesso indiscutível pelo Nordeste. Mas é um toque ousado e o diretor do espetáculo, Lindemberg Faria (integrante do Grupo Brincarte) recebe todo o mérito. A infra-estrutura do auto de Parnamirim está aquém do de Natal ou dos oratórios e autos mossoroenses. E talvez aí resida o charme do espetáculo. O palco é pequeno e relativamente baixo. Em frente, o grande público sentado em cadeiras de plástico. Na primeira fila, o prefeito Agnelo Alves e o autor do texto, Tarcísio Gurgel. É visível o tom popular do auto, muito mais do que enseja a intenção e a tradição de um espetáculo com este estilo.
O cenário foi menos produzido e criativo do que na primeira edição, quando a figura de uma aeronave apontada para o céu metaforizava a ligação da cidade com a atividade aeroviária. Nada que prejudicasse a contação de uma história gloriosa (que este ano recebeu o nome de Alô Sim, Alô não. Com vocês, Parnamirim!) que cada vez mais se incorpora na memória dos parnamirinenses. Afinal, como indagou pela segunda vez o texto da peça, uma cidade o que é? O que foi? O que será? E já responde: “Uma cidade se justifica por sua história e seu povo”.
O escritor e ensaísta Tarcísio Gurgel trouxe para narrar a história o locutor da primeira amplificadora da cidade – a Santo Antônio –, Oswaldo Moreira, além do professor de história Maurílio, que ministra aulas na Escola Municipal Augusto Severo. No palco, mais de 60 atores parnamirinenses. Coisa bonita de se ver. A estética Armorial – herança do romanceiro popular nordestino – incorporada ao espetáculo, aliado ao didatismo da peça facilitou o entendimento do público em conhecer a história luta de Parnamirim.
Tarcísio Gurgel – que já emprestou seu talento ao Auto de Natal – conseguiu mais uma vez inserir a história de nascimento de Jesus à história de fundação de Parnamirim. E se neste novo espetáculo (que se estende até amanhã no Parque Aluízio Alves) a história parte de personagens populares como as lavadeiras do bairro parnamirinense de Passagem de Areia, a tradição da atividade aeroviária da cidade não ficou de fora. E lá estava o piloto francês Paul Vachet e seu linguajar francês-tupiniquim prevendo o “progressór” de Parnamirim Field com a construção da Base Aérea.
Os aviões eram comuns em Parnamirim mesmo antes da construção da Base. As aeronaves comerciais da Air France sobrevoavam a cidade e pousavam no Rio Potengi. Mas foi a construção de uma Base Aérea, que viria a ser a proteção das Américas e empregaria mais de 80 mil pessoas o motivo para imigração de milhares de pessoas em busca de melhores condições de vida. E Tarcísio Gurgel foi buscar nos moradores antigos de Passagem de Areia a história das lavadeiras que migraram para os arredores da Base para lavar os uniformes dos militares e formarem um dos primeiros bairros da cidade – fundada em 17 de dezembro de 1958.
E um dos personagens de Passagem de Areia é o marceneiro José e sua mulher, a lavadeira Maria. Qualquer semelhança com o nome do casal bíblico não é mera coincidência. José e Maria fugiram da miséria em busca de trabalho e uma terra mais promissora para criar o filho que estava por nascer. Jesus nasce junto com a cidade de Parnamirim. Os três Reis Magos – representando a diversidade religiosa da cidade com o catolicismo, o candomblé e o protestantismo – abençoaram o menino Jesus, em cena depois já mais crescido e bonito, como a cidade Trampolim da Vitória próspera.
A adoção da estética Armorial tem sido fórmula para apresentações de sucesso indiscutível pelo Nordeste. Mas é um toque ousado e o diretor do espetáculo, Lindemberg Faria (integrante do Grupo Brincarte) recebe todo o mérito. A infra-estrutura do auto de Parnamirim está aquém do de Natal ou dos oratórios e autos mossoroenses. E talvez aí resida o charme do espetáculo. O palco é pequeno e relativamente baixo. Em frente, o grande público sentado em cadeiras de plástico. Na primeira fila, o prefeito Agnelo Alves e o autor do texto, Tarcísio Gurgel. É visível o tom popular do auto, muito mais do que enseja a intenção e a tradição de um espetáculo com este estilo.
O cenário foi menos produzido e criativo do que na primeira edição, quando a figura de uma aeronave apontada para o céu metaforizava a ligação da cidade com a atividade aeroviária. Nada que prejudicasse a contação de uma história gloriosa (que este ano recebeu o nome de Alô Sim, Alô não. Com vocês, Parnamirim!) que cada vez mais se incorpora na memória dos parnamirinenses. Afinal, como indagou pela segunda vez o texto da peça, uma cidade o que é? O que foi? O que será? E já responde: “Uma cidade se justifica por sua história e seu povo”.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
Para disfarçar tristezas de dezembro
Para mascarar momentos difíceis e abocanhar algumas lascas de tempo, deixo com vocês poesia do poeta dos mares calmos de Macau, Gilberto Avelino. São palavras com gosto de maresia e caju; palavras de dezembro, que soam alegres, boas para o instante:
Na piscina
Aquém do mar,
a piscina
de águas azuis.
As sombras,
os ventos,
as mesas,
brancas,
circulando
a piscina.
A suavidade
da água de cocos.
Ou o doce e fino
sabor
da água das fontes,
após
comer-se
a leve gordura dos cascos,
a clara carne
das patas
dos vermelhos
caranguejos cozidos.
Ainda,
a carne seca,
assada nas brasas,
flamejando.
Em copos de cristal,
a tênue espuma
do vinho
branco
ou tinto,
com verdes-azeitonas
boiando.
Enterneciam a manhã
os blues
de Louis Armstrong.
Aquém do mar,
a piscina
de águas azuis.
De repente
vinhas,
a davas ao corpo
a carícia das águas.
Com o exíguo vestir,
em relevo expunhas
ao sol
o viço
da inapagável beleza
do teu corpo.
E do olhar
nasciam-me
salsas enlaçantes.
Não te esqueças,
portanto,
girassol de dezembro,
de que sempre volto
a ver
o azul dessas águas.
(Gilberto Avelino)
Na piscina
Aquém do mar,
a piscina
de águas azuis.
As sombras,
os ventos,
as mesas,
brancas,
circulando
a piscina.
A suavidade
da água de cocos.
Ou o doce e fino
sabor
da água das fontes,
após
comer-se
a leve gordura dos cascos,
a clara carne
das patas
dos vermelhos
caranguejos cozidos.
Ainda,
a carne seca,
assada nas brasas,
flamejando.
Em copos de cristal,
a tênue espuma
do vinho
branco
ou tinto,
com verdes-azeitonas
boiando.
Enterneciam a manhã
os blues
de Louis Armstrong.
Aquém do mar,
a piscina
de águas azuis.
De repente
vinhas,
a davas ao corpo
a carícia das águas.
Com o exíguo vestir,
em relevo expunhas
ao sol
o viço
da inapagável beleza
do teu corpo.
E do olhar
nasciam-me
salsas enlaçantes.
Não te esqueças,
portanto,
girassol de dezembro,
de que sempre volto
a ver
o azul dessas águas.
(Gilberto Avelino)
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
Nem sempre vale a intenção
Cheguei por volta das 19h30 ontem no estádio Machadão para cobrir a mais nova atração do projeto Natal em Natal: o Festival da Música. Encantei-me com o Balé da Cidade do Natal e a peça inspirada no romance de Dona Militana. Cheguei depois do Boi de Reis – herança de Manoel Marinheiro. Achei fraca a performance de Rodolfo Amaral e saí antes do show de Rita Lee.
Minha decepção foi com o local do evento. Assisti praticamente todas as edições do Auto e do Festival, no Anfiteatro do Campus da UFRN. Escutava reclamações de que faltava espaço. Muitas pessoas assistiam em pé. Mas éramos felizes e não sabíamos (?). Sentia-me no Bem Brasil (programa musical da TV Universitária) ou mesmo em uma arena romana.
No anfiteatro, o Auto era mais Auto. E com o perdão do trocadilho, ali do alto tínhamos uma visibilidade perfeita das apresentações. O espaço ficou apertado, sobretudo nos últimos anos quando o evento se popularizou e evoluiu. Ora, oferta gratuita, de qualidade e de fácil acesso...
Grande número de pessoas assistia em pé. Mas sabe quando tem gente fodida e rindo da vida? Ali tinha calor humano. Se era em pé, era também em grupo. Confesso que a sensação deixada ano passado foi a de que o local ficou pequeno ou que necessitaria de mudanças. Mas que fosse para melhor. Um dos entrevistados de ontem disse que a solução seria melhor estruturação lá, no Anfiteatro. Não a mudança de local.
A reclamação das pessoas no Machadão era da falta de visibilidade. E com razão. Sentadinhas na grama, as pessoas assistiam praticamente a parede de uma espécie de passarela colocada em frente ao palco. Os fotógrafos tiveram dificuldades para um clique perfeito. Era difícil enxergar o corpo inteiro da pessoa. Já o palco principal, estava ainda mais distante, atrás da passarela e ainda protegido por grades. Sempre ouvi que o artista tem de estar onde o povo está.
Outro ponto falho: as pessoas ficavam dispersas. Além do palco distante, dois telões foram colocados para melhor visualização. Nada daquele ponto uno de convergência. Uma turista disse que faltava calor humano. E outra: muitas pessoas entraram pelo acesso errado (o acesso principal) e assistiram os shows da arquibancada.
Elogio desde sempre a gestão atual da Fundação Capitania das Artes e seu presidente, Dácio Galvão. O prefeito Carlos Eduardo Alves tem investido muito na cultura. As intenções são sempre as melhores. Essa semana, o secretário de Turismo, Fernando Bezerril, me disse que o projeto Natal em Natal estava engavetado há 18 anos e só agora alguém pôs em prática. E não duvido. O que acho que falta é saber por em prática. Explico:
Nada melhor que boas ofertas culturais e gratuitas, como o Festival da Música, o Encontro Nacional de Escritores e o Festival de Cinema. Mas esses três eventos precisam serem reformulados. São excelentes idéias que com melhor visão e planejamento podem se tornar eventos consolidados na cidade.
O ENE trouxe este ano uma lista de escritores nacionais e locais variada e de qualidade indiscutível. Faltou organização e infra-estrutura. O formato de uma grande tenda climatizada não cabe. E isso ficou provado no show de Zeca Baleiro quando uma multidão quase invadiu o local. O Festival de Cinema tem uma proposta interessante, mas insiste em exibir filmes já caducos. Quando a coisa é pública, nem sempre o que vale é a intenção. Acho que é isso.
Minha decepção foi com o local do evento. Assisti praticamente todas as edições do Auto e do Festival, no Anfiteatro do Campus da UFRN. Escutava reclamações de que faltava espaço. Muitas pessoas assistiam em pé. Mas éramos felizes e não sabíamos (?). Sentia-me no Bem Brasil (programa musical da TV Universitária) ou mesmo em uma arena romana.
No anfiteatro, o Auto era mais Auto. E com o perdão do trocadilho, ali do alto tínhamos uma visibilidade perfeita das apresentações. O espaço ficou apertado, sobretudo nos últimos anos quando o evento se popularizou e evoluiu. Ora, oferta gratuita, de qualidade e de fácil acesso...
Grande número de pessoas assistia em pé. Mas sabe quando tem gente fodida e rindo da vida? Ali tinha calor humano. Se era em pé, era também em grupo. Confesso que a sensação deixada ano passado foi a de que o local ficou pequeno ou que necessitaria de mudanças. Mas que fosse para melhor. Um dos entrevistados de ontem disse que a solução seria melhor estruturação lá, no Anfiteatro. Não a mudança de local.
A reclamação das pessoas no Machadão era da falta de visibilidade. E com razão. Sentadinhas na grama, as pessoas assistiam praticamente a parede de uma espécie de passarela colocada em frente ao palco. Os fotógrafos tiveram dificuldades para um clique perfeito. Era difícil enxergar o corpo inteiro da pessoa. Já o palco principal, estava ainda mais distante, atrás da passarela e ainda protegido por grades. Sempre ouvi que o artista tem de estar onde o povo está.
Outro ponto falho: as pessoas ficavam dispersas. Além do palco distante, dois telões foram colocados para melhor visualização. Nada daquele ponto uno de convergência. Uma turista disse que faltava calor humano. E outra: muitas pessoas entraram pelo acesso errado (o acesso principal) e assistiram os shows da arquibancada.
Elogio desde sempre a gestão atual da Fundação Capitania das Artes e seu presidente, Dácio Galvão. O prefeito Carlos Eduardo Alves tem investido muito na cultura. As intenções são sempre as melhores. Essa semana, o secretário de Turismo, Fernando Bezerril, me disse que o projeto Natal em Natal estava engavetado há 18 anos e só agora alguém pôs em prática. E não duvido. O que acho que falta é saber por em prática. Explico:
Nada melhor que boas ofertas culturais e gratuitas, como o Festival da Música, o Encontro Nacional de Escritores e o Festival de Cinema. Mas esses três eventos precisam serem reformulados. São excelentes idéias que com melhor visão e planejamento podem se tornar eventos consolidados na cidade.
O ENE trouxe este ano uma lista de escritores nacionais e locais variada e de qualidade indiscutível. Faltou organização e infra-estrutura. O formato de uma grande tenda climatizada não cabe. E isso ficou provado no show de Zeca Baleiro quando uma multidão quase invadiu o local. O Festival de Cinema tem uma proposta interessante, mas insiste em exibir filmes já caducos. Quando a coisa é pública, nem sempre o que vale é a intenção. Acho que é isso.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
E o palco se despede de Glorinha...
A relação de Glorinha Oliveira com os palcos merecia crônica de Nelson Rodrigues. É quase um caso de obsessão. O palco, o amante insaciável. Glorinha, a moça carente de amores. Durante mais de 70 anos, um completou o outro de forma avassaladora. A dupla ficou famosa. A voz jovial e potente de Glorinha jorrou amor pelos quatro cantos do Norte e Nordeste durante décadas. Aos 82 anos, Maria da Glória Mendes Oliveira se despediu do companheiro fiel. Os presentes na Assembléia Legislativa ontem assistiram a triste separação. E logo na abertura, cantou sua última canção, talvez, oferecida ao palco amado: “Eu sei que vou te amar. Por toda minha vida, eu vou te amar. Em cada despedida eu vou te amar...”.
Em cada aforismo há uma ponta de razão e a primeira impressão é mesmo a que fica. Por isso, a primeira associação feita a Glorinha não é com seu amante-palco, mas com seu primeiro amor: o rádio. Em verdade, como ela mesmo confessou, o gosto maior é o de chegar e cantar, sem querelas burocráticas. Ainda está desacostumada com parafernalhas eletrônicas e a montagem do... palco. É, ele já não é mais aquele. Mesmo nas rádios de outrora, como a pioneira Rádio Educadora de Natal havia espaço para grandes orquestras, como a de Waldemar Ernesto, e tudo ao vivo, na “bucha”. Na noite de ontem, ela esperou o fim da sessão da AL, assistiu entrega de troféus e uma banda cover de músicas internacionais abrir a noite para só então despejar seu canto para mais de 300 pessoas a sua espera.
Pareceu emocionada. Na platéia estava filho, neto, amigos de longa data como Ana Maria Cascudo, músicos de ontem e de hoje. Confessou antes de pisar o palco ter adorado a homenagem ainda em vida. E que vida. Mesmo aos 82 anos, a rouxinol potiguar é ativa como jovem. Costuma acordar por volta das 5h, caminha, faz ginástica de consciência corporal, participa de coral, lê jornais impressos, ouve muita música (reclama muito da programação das rádios e enaltece a Rádio Universitária) e tem como vício preencher palavras cruzadas. É uma por dia, segundo seu filho Aécio. E se depender da herança genética... Sua mãe morreu com 104 anos.
Fiz entrevista com ela a ser publicada amanhã no Diário de Natal. Foi feita às pressas. Cada fim de resposta vinha seguido de um “pronto, meu filho do olho lindo?”. Glorinha se preparava para cantar e encerrar a programação da Assembléia Cultural de 2007. Quando recebeu o convite, decidiu que encerraria sua participação nos palcos. Estava alegre, meio alvoroçada. Mesmo as perguntas mais “delicadas”, respondeu sem mágoas, embora tenha parado um pouco para pensar. Talvez algumas lembranças desagradáveis tenham passado pela mente. Nas entrevista de amanhã, Glorinha Oliveira comenta do único arrependimento em mais de 70 anos de carreira, e confessa ter sido de cima de um pé de sapoti, na residência em que morava nas Rocas, o despertar para a música, como um rouxinol.
Em cada aforismo há uma ponta de razão e a primeira impressão é mesmo a que fica. Por isso, a primeira associação feita a Glorinha não é com seu amante-palco, mas com seu primeiro amor: o rádio. Em verdade, como ela mesmo confessou, o gosto maior é o de chegar e cantar, sem querelas burocráticas. Ainda está desacostumada com parafernalhas eletrônicas e a montagem do... palco. É, ele já não é mais aquele. Mesmo nas rádios de outrora, como a pioneira Rádio Educadora de Natal havia espaço para grandes orquestras, como a de Waldemar Ernesto, e tudo ao vivo, na “bucha”. Na noite de ontem, ela esperou o fim da sessão da AL, assistiu entrega de troféus e uma banda cover de músicas internacionais abrir a noite para só então despejar seu canto para mais de 300 pessoas a sua espera.
Pareceu emocionada. Na platéia estava filho, neto, amigos de longa data como Ana Maria Cascudo, músicos de ontem e de hoje. Confessou antes de pisar o palco ter adorado a homenagem ainda em vida. E que vida. Mesmo aos 82 anos, a rouxinol potiguar é ativa como jovem. Costuma acordar por volta das 5h, caminha, faz ginástica de consciência corporal, participa de coral, lê jornais impressos, ouve muita música (reclama muito da programação das rádios e enaltece a Rádio Universitária) e tem como vício preencher palavras cruzadas. É uma por dia, segundo seu filho Aécio. E se depender da herança genética... Sua mãe morreu com 104 anos.
Fiz entrevista com ela a ser publicada amanhã no Diário de Natal. Foi feita às pressas. Cada fim de resposta vinha seguido de um “pronto, meu filho do olho lindo?”. Glorinha se preparava para cantar e encerrar a programação da Assembléia Cultural de 2007. Quando recebeu o convite, decidiu que encerraria sua participação nos palcos. Estava alegre, meio alvoroçada. Mesmo as perguntas mais “delicadas”, respondeu sem mágoas, embora tenha parado um pouco para pensar. Talvez algumas lembranças desagradáveis tenham passado pela mente. Nas entrevista de amanhã, Glorinha Oliveira comenta do único arrependimento em mais de 70 anos de carreira, e confessa ter sido de cima de um pé de sapoti, na residência em que morava nas Rocas, o despertar para a música, como um rouxinol.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
Velho, meu querido velho
Meu velho é um bom tipo. Desses bem quistos por aqui e alhures. Bebe, conversa alto. É indiscreto como só ele. Ainda carrega a disposição daquele jovem economista imaturo de três empregos. E que de tanto seguir andando alcançou o peso da idade. Completou 60 anos em novembro. Agora é “sex”, de sexagenário, como brinca.
O estudo há quase 30 anos. E sei que meu velho guarda qualidade pouco vista hoje: ele sabe curtir a tristeza e as frustrações da vida. E tem hora marcada pra isso. Costuma apreciá-las aos domingos, quando coloca um tamborete em frente ao fogão e prepara o tira-gosto para tomar com cachaça. No som pequenino, do qual mal sabe mexer, o som das letras doídas de Altermar Dutra e Núbia Lafaiette – companheiros da tristeza infinita.
Somos diferentes. Seguimos por caminhos opostos em tantas ideologias que mais das vezes penso serem inúteis neste caminhar apressado de vida. Já não há espaço para lutas ou posicionamentos. Vivemos a época da descrença. Talvez no tempo do meu velho os cenários fossem mais românticos e sequer comparavam a esperança com o medo.
Os tempos são outros. Eu e ele vivemos os dias de hoje. Ele, com as nostalgias de uma época mais colorida. Eu, com os lamentos do tempo-hoje. Meu querido velho briga hoje contra as artimanhas do acaso – mais uma luta travada, entre tantas outras. Eu resmungo do tempo – sempre impiedoso.
Se o tempo é o perfume da vida, alguma ironia ele há de carregar nesta sua inquietude eterna. Ele tem andado de mãos dadas com meu pai, neste embate contra o acaso. Mas os avanços da medicina não sabem carregar a essência do tempo. E por isso luto só contra esse viajante invisível. Perco a cada milésimo de segundo uma batalha e assisto o caminhar inexorável da existência.
E se não bastasse tanta ironia e sarcasmos, e após tantas derrotas, temos a sensação, no fim, de que somos vencedores. “Coisas da vida”, como costumam justificar os filósofos do cotidiano. Fato, meu querido velho, é que sou sangue do teu sangue. E isso nem o tempo – amigo teu nestas horas – nem as ironias da vida podem modificar.
O estudo há quase 30 anos. E sei que meu velho guarda qualidade pouco vista hoje: ele sabe curtir a tristeza e as frustrações da vida. E tem hora marcada pra isso. Costuma apreciá-las aos domingos, quando coloca um tamborete em frente ao fogão e prepara o tira-gosto para tomar com cachaça. No som pequenino, do qual mal sabe mexer, o som das letras doídas de Altermar Dutra e Núbia Lafaiette – companheiros da tristeza infinita.
Somos diferentes. Seguimos por caminhos opostos em tantas ideologias que mais das vezes penso serem inúteis neste caminhar apressado de vida. Já não há espaço para lutas ou posicionamentos. Vivemos a época da descrença. Talvez no tempo do meu velho os cenários fossem mais românticos e sequer comparavam a esperança com o medo.
Os tempos são outros. Eu e ele vivemos os dias de hoje. Ele, com as nostalgias de uma época mais colorida. Eu, com os lamentos do tempo-hoje. Meu querido velho briga hoje contra as artimanhas do acaso – mais uma luta travada, entre tantas outras. Eu resmungo do tempo – sempre impiedoso.
Se o tempo é o perfume da vida, alguma ironia ele há de carregar nesta sua inquietude eterna. Ele tem andado de mãos dadas com meu pai, neste embate contra o acaso. Mas os avanços da medicina não sabem carregar a essência do tempo. E por isso luto só contra esse viajante invisível. Perco a cada milésimo de segundo uma batalha e assisto o caminhar inexorável da existência.
E se não bastasse tanta ironia e sarcasmos, e após tantas derrotas, temos a sensação, no fim, de que somos vencedores. “Coisas da vida”, como costumam justificar os filósofos do cotidiano. Fato, meu querido velho, é que sou sangue do teu sangue. E isso nem o tempo – amigo teu nestas horas – nem as ironias da vida podem modificar.
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
Um "Vermelho" de bem com a vida
Recebi dia desses imeio do poeta baiano e uma das estrelas do Encontro Natalense de Escritores, Jorge Salomão, com elogios à entrevista que fiz com ele durante o evento, publicada na edição de O Poti. “Ficou excelente”, disse o poeta. Confesso que temi enviar-lhe o imeio – a pedido dele – com a matéria e a classificação de porra-loca que lhe atribui. Mas valeu. Fica uma ponta de inveja do poeta, feliz com tudo, mesmo com as dificuldades. E segue a entrevista:
Tem gente que tem o mundo como quintal. Nasceu pra fazer barulho, curtir até as dificuldades do cotidiano e viver como um... porra-louca, no melhor sentido da expressão. Parece coisa de baiano, que diz que não nasce, mas estréia. É assim com o multi-artista Jorge Salomão. Socialista convicto e agitador cultural, costuma seguir as letras do irmão Waly Salomão (1943 – 2003) e diz que também “não precisa de muito dinheiro, graças a Deus” – frase da célebre composição de Waly e Jards Macalé, Vapor Barato.
Jorge Salomão esteve no Encontro Natalense de Escritores (ENE). Trouxe o CD de poesias Cru Tecnológico pra vender. O nome do CD representa mesmo a junção de conceitos e mídias. E, claro, o trabalho tem a assinatura do baiano e é totalmente fora do convencional. Traz um formato diferente de apresentar poesias (ou anti-poesias, como disse) com sonorizações que oferecem textura às palavras. O resultado são novas interpretações e sensações. Coisa nata da poesia, mas que agora recebe um empurrão da musicalidade.
E a música está na trajetória de Jorge Salomão. Ele tem composições gravadas por Barão Vermelho, Marina, Zizi Possi e outros grandes da MPB. Produziu cenários e capas de discos de Caetano Veloso, Lobão. A semelhança com o irmão Waly não está apenas na aparência física. Ambos participaram ativamente do movimento tropicalista, na década de 70 e têm trabalhos consideráveis na música, artes plásticas e literatura.
Aos 61 anos, Jorge Salomão ainda fala cantando. Talvez por já ter sido preso e torturado pela ditadura, se diz mais livre, mesmo sem ter muito dinheiro, “graças a Deus”. Encarna um pouco o jeito brasileiro: se há problemas, “deixa a vida me levar”. Se diz um malabarista da vida, em suas contradições e conceitos. Como a ânsia de criança, ainda busca desvendar mistérios, sobretudo os da poesia e da música. Também de espírito jovial, ainda nutre o mesmo entusiasmo dos ideais estudantis socialistas que mercaram as décadas de 60 e 70.
Jorge Salomão concedeu a entrevista ao lado da deputada federal Fátima Bezerra. Ela esboçou sorriso leve quando o repórter perguntou ao entrevistado sobre o prazo de validade dos desejos de implantação do socialismo. O sorriso se alargou com a resposta do amigo Jorge: um dos “vermelhos” de uma época ainda presente na alma e nas palavras de Jorge Salomão.
Sérgio Vilar - O senhor trabalha com artes plásticas, música, poesia, ficção. Como faz para garimpar seu nome em cada segmento?
Jorge Salomão - Vejo tudo como um brinquedo, uma arte, um jogo. Eu detalho bem. Tenho uma capacidade de concentração ótima em qualquer trabalho. Já fiz cenários, capas de discos, poemas, livros, vídeos, o escambal. Acho que nos concentrando resolvemos o trabalho em si. Quanto à conceituação, sobre se você faz o quê, já deixei de lado isso. Eu me encontro como artista, um malabarista. Pra se viver no Brasil tem que ser malabarista. A arte manda no todo. Eu me concentro e detono.
Veríssimo perguntou a Zuenir qual profissão ele assinava no registro do hotel. Qual a sua?
Varia. Um dia boto uma coisa, outro boto outra. Gosto de brincar com os códigos. A burocracia oprime muito as pessoas. Com certa dose de humor vamos levando. Já coloquei tanta maluquice em recepção de hotel. Já botei que era bailarino, dançarino, malabarista. Enquanto há vida temos direito de exercitar o criativo ao excesso. O homem comum é travado. Não se interessa por exercer a liberdade e trabalha muito a dor. Os artistas trabalham mais o prazer.
Essa alegria é coisa de baiano, de artista ou um manifesto contra a intolerância?
Gostei da colocação. É, sim, um manifesto contra a sisudez. É uma coisa muito própria, desde criança. Também sou muito rebelde porque sou um lutador. Tudo que fiz até agora foi com muita luta. Agora, aos 61 anos, sinto-me mais livre. Não me preocupo com responsabilidades alheias. E as minhas são intrínsecas na minha alegria e na minha liberdade.
Como buscar a essência sendo contraditório?
O Walt Whitman, escritor americano e um dos meus ídolos, tem uma frase que me acompanha sempre: “Contradigo a mim mesmo porque sou vasto”. Temos o direito de exercer a liberdade.
Como inserir a poesia na música?
A poesia e a música são o máximo. O poema é igual a um parto. E a música, também. Eles coexistem por um acontecimento maior. Brotam de coisas que vão tomando a gente totalmente. São descobertas, conhecimentos. O pronto não interessa. O bom é o misterioso, a descoberta.
Qual o melhor intérprete?
Cada intérprete é o melhor em si. O bonito no ser humano são as diferenças. Tem gente que não tem voz nenhuma, mas tem uma preciosidade tão grande na expressão, no jeito.
O senhor já redescobriu uma poesia-música sua após gravada por outrem?
Sempre descobrimos coisas. Não podemos parar o ciclo das coisas. Gosto muito quando gravam coisa minha. Vou contar uma história: quando fiz a música Noite – foi meu maior sucesso na voz de Zizi Possi e que me deu mais dinheiro – eu estava num momento super triste. Eu tinha me apaixonado por uma pessoa que não me deu a maior bola. Eu estava apaixonado e botei pra quebrar. E o bonito é o reflexo da música no sistema social da coisa. As pessoas me paravam na rua e diziam: “Ontem eu namorei tanto ouvindo aquela música”. É bacana isso. É o resultado de um trabalho criativo. Vira uma coisa independente da gente.
Poesia pode ser música e música pode ser poesia?
Acho que sim. São gêmeas, são irmãs, amantes. São próximas.
Seu irmão Wally Salomão (também poeta e compositor) escreveu em celebre canção que “não preciso de muito dinheiro, graças a Deus”. E o senhor?
Ninguém precisa de muito dinheiro pra criar, pra viver. Essa saga, essa coisa horrorosa de correr atrás de dinheiro o tempo todo é uma doença do homem; elimina o prazer, o gozar da existência. Conheço pessoas que têm muito dinheiro e são ocas. Não tenho muito dinheiro, mas vivo bastante. Minha felicidade é a do outro. Tenho uma mente socialista. Tenho 61 anos e me sinto um garoto.
Essa mente socialista tem prazo de validade?
Acho que dura pra sempre. É genético. Meu pai era assim. Minha mãe morreu ano passado com 96 anos e era uma mulher maravilhosa. Quem chegava lá em casa comia, andava, ficava. Eu gosto desse clima social. Minha casa é pequena, mas é aberta. Gosto de cultivar essa coisa de transformação do uno.
Gilberto Gil homenageou você com uma música e o chamou de Jeca Total, Jeca Tatu. Quem é Jorge Salomão?
Essa música nasceu de uma observação minha. Eu andava na rua do Neblon e caía uma chuva forte. Fiquei embaixo de uma marquise de cinema. Quando olhei pra cima passava um filme do Mazaropi chamado Jeca Tatu. Nisso, vem correndo uma moça toda molhada. Era Sônia Braga. Depois, andei umas quatro quadras até a casa de Caetano (Veloso). Quando estou na sala sentado olhando a Sônia Braga na novela Gabriela e aquela cena de ela subindo o telhado, e aqueles quadris, eu falei: “Pô, esse Brasil é um jeca total”. O Caetano disse: “Essa frase é maravilhosa”. E contou pro Gil. Seis dias depois Gil chegou pra mim e disse que fez uma música que seria uma espécie de homenagem a mim. Tudo partiu de um acaso e ficou uma coisa legal.
E Jorge Salomão é fruto de acasos?
É tudo isso e uma pessoa concentrada. Gosto de estar em casa. Eu leio muito. Ouço muita música. Sou bem difícil, mas com coração mole. Gosto de ter amigos e compartilhar o que tenho com outros. Jorge Salomão é uma contradição em si. Mas uma contradição gostosa. Nunca estou próximo ao desespero. Gosto de acordar cedo e andar quilômetros, sempre com um caderno pra anotar detalhes.
Isso é coisa de cronista...
Ah, eu adoro observar. Nasci no interior do Brasil e quando fui pra Salvador estudar, tinha 11 anos, mas já tinha formação básica bacana. Eu lia muito. Eu e meu irmão sempre fomos muito agitadores. Não é à toa que éramos conhecidos como “os vermelhos”. Taí, acho que Jorge Salomão é um vermelho.
MÚSICAS DE JORGE SALOMÃO
NOITE
(Jorge Salomão e Nico Rezende)
Eu fico quieta, não canto
Penso, medito e me espanto
A vida dá voltas, mistérios
O que é que eu vou fazer?!
Sozinha num quarto fechado
Eu vejo a cidade ao longe
Procuro alguém que se esconde
Por onde começar?!
Noite, há horas te espero
E você não chega, ai meu coração!
Fogo aceso, corpo paixão
Sou toda explosão...
SUDOESTE
(Jorge Salomão e Adriana Calcanhoto)
..tenho por princípios
Nunca fechar portas
Mas como mantê-las abertas
O tempo todo
Se em certos dias o vento
Quer derrubar tudo?...
FÚRIA E FOLIA
(Jorge Salomão e Frejat)
Passeando pela cidade destruída bombas
Foram lançadas e tudo reduzido a pó
Na praça aberta sou um colar de livres pensamentos..
Quem quer comprar o jornal de ontem com notícias de anteontem?
Me chamo vento..me chamo vento...
SECO
(Jorge Salomão e Frejat)
Seco
Pareço um enxuto leito de rio
Sem chuva
Nem vegetação
Seco
Igual a carne seca
Fruta seca
Um som seco
Seco
Sem babados
DiretoDespojado
Informação seca
Como um canto
Sem acompanhamento
Com a goela seca
Seco
Batendo na terra
Buscando algo
Que não seja seco
Tem gente que tem o mundo como quintal. Nasceu pra fazer barulho, curtir até as dificuldades do cotidiano e viver como um... porra-louca, no melhor sentido da expressão. Parece coisa de baiano, que diz que não nasce, mas estréia. É assim com o multi-artista Jorge Salomão. Socialista convicto e agitador cultural, costuma seguir as letras do irmão Waly Salomão (1943 – 2003) e diz que também “não precisa de muito dinheiro, graças a Deus” – frase da célebre composição de Waly e Jards Macalé, Vapor Barato.
Jorge Salomão esteve no Encontro Natalense de Escritores (ENE). Trouxe o CD de poesias Cru Tecnológico pra vender. O nome do CD representa mesmo a junção de conceitos e mídias. E, claro, o trabalho tem a assinatura do baiano e é totalmente fora do convencional. Traz um formato diferente de apresentar poesias (ou anti-poesias, como disse) com sonorizações que oferecem textura às palavras. O resultado são novas interpretações e sensações. Coisa nata da poesia, mas que agora recebe um empurrão da musicalidade.
E a música está na trajetória de Jorge Salomão. Ele tem composições gravadas por Barão Vermelho, Marina, Zizi Possi e outros grandes da MPB. Produziu cenários e capas de discos de Caetano Veloso, Lobão. A semelhança com o irmão Waly não está apenas na aparência física. Ambos participaram ativamente do movimento tropicalista, na década de 70 e têm trabalhos consideráveis na música, artes plásticas e literatura.
Aos 61 anos, Jorge Salomão ainda fala cantando. Talvez por já ter sido preso e torturado pela ditadura, se diz mais livre, mesmo sem ter muito dinheiro, “graças a Deus”. Encarna um pouco o jeito brasileiro: se há problemas, “deixa a vida me levar”. Se diz um malabarista da vida, em suas contradições e conceitos. Como a ânsia de criança, ainda busca desvendar mistérios, sobretudo os da poesia e da música. Também de espírito jovial, ainda nutre o mesmo entusiasmo dos ideais estudantis socialistas que mercaram as décadas de 60 e 70.
Jorge Salomão concedeu a entrevista ao lado da deputada federal Fátima Bezerra. Ela esboçou sorriso leve quando o repórter perguntou ao entrevistado sobre o prazo de validade dos desejos de implantação do socialismo. O sorriso se alargou com a resposta do amigo Jorge: um dos “vermelhos” de uma época ainda presente na alma e nas palavras de Jorge Salomão.
Sérgio Vilar - O senhor trabalha com artes plásticas, música, poesia, ficção. Como faz para garimpar seu nome em cada segmento?
Jorge Salomão - Vejo tudo como um brinquedo, uma arte, um jogo. Eu detalho bem. Tenho uma capacidade de concentração ótima em qualquer trabalho. Já fiz cenários, capas de discos, poemas, livros, vídeos, o escambal. Acho que nos concentrando resolvemos o trabalho em si. Quanto à conceituação, sobre se você faz o quê, já deixei de lado isso. Eu me encontro como artista, um malabarista. Pra se viver no Brasil tem que ser malabarista. A arte manda no todo. Eu me concentro e detono.
Veríssimo perguntou a Zuenir qual profissão ele assinava no registro do hotel. Qual a sua?
Varia. Um dia boto uma coisa, outro boto outra. Gosto de brincar com os códigos. A burocracia oprime muito as pessoas. Com certa dose de humor vamos levando. Já coloquei tanta maluquice em recepção de hotel. Já botei que era bailarino, dançarino, malabarista. Enquanto há vida temos direito de exercitar o criativo ao excesso. O homem comum é travado. Não se interessa por exercer a liberdade e trabalha muito a dor. Os artistas trabalham mais o prazer.
Essa alegria é coisa de baiano, de artista ou um manifesto contra a intolerância?
Gostei da colocação. É, sim, um manifesto contra a sisudez. É uma coisa muito própria, desde criança. Também sou muito rebelde porque sou um lutador. Tudo que fiz até agora foi com muita luta. Agora, aos 61 anos, sinto-me mais livre. Não me preocupo com responsabilidades alheias. E as minhas são intrínsecas na minha alegria e na minha liberdade.
Como buscar a essência sendo contraditório?
O Walt Whitman, escritor americano e um dos meus ídolos, tem uma frase que me acompanha sempre: “Contradigo a mim mesmo porque sou vasto”. Temos o direito de exercer a liberdade.
Como inserir a poesia na música?
A poesia e a música são o máximo. O poema é igual a um parto. E a música, também. Eles coexistem por um acontecimento maior. Brotam de coisas que vão tomando a gente totalmente. São descobertas, conhecimentos. O pronto não interessa. O bom é o misterioso, a descoberta.
Qual o melhor intérprete?
Cada intérprete é o melhor em si. O bonito no ser humano são as diferenças. Tem gente que não tem voz nenhuma, mas tem uma preciosidade tão grande na expressão, no jeito.
O senhor já redescobriu uma poesia-música sua após gravada por outrem?
Sempre descobrimos coisas. Não podemos parar o ciclo das coisas. Gosto muito quando gravam coisa minha. Vou contar uma história: quando fiz a música Noite – foi meu maior sucesso na voz de Zizi Possi e que me deu mais dinheiro – eu estava num momento super triste. Eu tinha me apaixonado por uma pessoa que não me deu a maior bola. Eu estava apaixonado e botei pra quebrar. E o bonito é o reflexo da música no sistema social da coisa. As pessoas me paravam na rua e diziam: “Ontem eu namorei tanto ouvindo aquela música”. É bacana isso. É o resultado de um trabalho criativo. Vira uma coisa independente da gente.
Poesia pode ser música e música pode ser poesia?
Acho que sim. São gêmeas, são irmãs, amantes. São próximas.
Seu irmão Wally Salomão (também poeta e compositor) escreveu em celebre canção que “não preciso de muito dinheiro, graças a Deus”. E o senhor?
Ninguém precisa de muito dinheiro pra criar, pra viver. Essa saga, essa coisa horrorosa de correr atrás de dinheiro o tempo todo é uma doença do homem; elimina o prazer, o gozar da existência. Conheço pessoas que têm muito dinheiro e são ocas. Não tenho muito dinheiro, mas vivo bastante. Minha felicidade é a do outro. Tenho uma mente socialista. Tenho 61 anos e me sinto um garoto.
Essa mente socialista tem prazo de validade?
Acho que dura pra sempre. É genético. Meu pai era assim. Minha mãe morreu ano passado com 96 anos e era uma mulher maravilhosa. Quem chegava lá em casa comia, andava, ficava. Eu gosto desse clima social. Minha casa é pequena, mas é aberta. Gosto de cultivar essa coisa de transformação do uno.
Gilberto Gil homenageou você com uma música e o chamou de Jeca Total, Jeca Tatu. Quem é Jorge Salomão?
Essa música nasceu de uma observação minha. Eu andava na rua do Neblon e caía uma chuva forte. Fiquei embaixo de uma marquise de cinema. Quando olhei pra cima passava um filme do Mazaropi chamado Jeca Tatu. Nisso, vem correndo uma moça toda molhada. Era Sônia Braga. Depois, andei umas quatro quadras até a casa de Caetano (Veloso). Quando estou na sala sentado olhando a Sônia Braga na novela Gabriela e aquela cena de ela subindo o telhado, e aqueles quadris, eu falei: “Pô, esse Brasil é um jeca total”. O Caetano disse: “Essa frase é maravilhosa”. E contou pro Gil. Seis dias depois Gil chegou pra mim e disse que fez uma música que seria uma espécie de homenagem a mim. Tudo partiu de um acaso e ficou uma coisa legal.
E Jorge Salomão é fruto de acasos?
É tudo isso e uma pessoa concentrada. Gosto de estar em casa. Eu leio muito. Ouço muita música. Sou bem difícil, mas com coração mole. Gosto de ter amigos e compartilhar o que tenho com outros. Jorge Salomão é uma contradição em si. Mas uma contradição gostosa. Nunca estou próximo ao desespero. Gosto de acordar cedo e andar quilômetros, sempre com um caderno pra anotar detalhes.
Isso é coisa de cronista...
Ah, eu adoro observar. Nasci no interior do Brasil e quando fui pra Salvador estudar, tinha 11 anos, mas já tinha formação básica bacana. Eu lia muito. Eu e meu irmão sempre fomos muito agitadores. Não é à toa que éramos conhecidos como “os vermelhos”. Taí, acho que Jorge Salomão é um vermelho.
MÚSICAS DE JORGE SALOMÃO
NOITE
(Jorge Salomão e Nico Rezende)
Eu fico quieta, não canto
Penso, medito e me espanto
A vida dá voltas, mistérios
O que é que eu vou fazer?!
Sozinha num quarto fechado
Eu vejo a cidade ao longe
Procuro alguém que se esconde
Por onde começar?!
Noite, há horas te espero
E você não chega, ai meu coração!
Fogo aceso, corpo paixão
Sou toda explosão...
SUDOESTE
(Jorge Salomão e Adriana Calcanhoto)
..tenho por princípios
Nunca fechar portas
Mas como mantê-las abertas
O tempo todo
Se em certos dias o vento
Quer derrubar tudo?...
FÚRIA E FOLIA
(Jorge Salomão e Frejat)
Passeando pela cidade destruída bombas
Foram lançadas e tudo reduzido a pó
Na praça aberta sou um colar de livres pensamentos..
Quem quer comprar o jornal de ontem com notícias de anteontem?
Me chamo vento..me chamo vento...
SECO
(Jorge Salomão e Frejat)
Seco
Pareço um enxuto leito de rio
Sem chuva
Nem vegetação
Seco
Igual a carne seca
Fruta seca
Um som seco
Seco
Sem babados
DiretoDespojado
Informação seca
Como um canto
Sem acompanhamento
Com a goela seca
Seco
Batendo na terra
Buscando algo
Que não seja seco
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
Paris, te amo
Suspeito que a visão de qualquer romântico acerca de Paris seja a de uma cidade nascida e perfeita para o amor, onde o universo conspira a favor dos encontros casuais. A quem falta encontrar seu grande amor, a impressão primeira é de que, após tanta procura sem sucesso, a cara metade só pode estar escondida em algum café parisiense.
Pois sugiro ao amigo leitor visitar a Sala 4 do Cinemark e assistir Paris, Te amo (2006), dentro da programação semanal do Cinecult, às 15h. Serão exibidos 18 curtas em que o tema é unicamente o amor, mesmo aquele que poderia ter sido e não foi; o que já existiu e hoje vive de espasmos ou o amor entre pais e filhos.
Em uma visão mais aprofundada do filme, o espectador verá uma obra-prima – arrisco dizer – que retrata uma Paris não como a Cidade Luz ou a capital dos cenários inspiradores de poetas. Talvez, a Paris melancólica do flaneur. Talvez. O que vi foi uma capital onde o amor, os encontros e carências se igualam a tantos outros recantos. Um amor igual ao meu e ao seu.
Claro que a Paris de Truffaut não some de repente na poeira do tempo. Com alguma atenção maior, se verá os pombos, as expressões melancólicas, mas esperançosas do tal encontro com a cara metade e também a Paris do apartheid social, evidente em um dos curtas exibidos. E cada curta estabelece rápida conexão com o espectador – como deve ser – embora uns sejam mais triviais que outros.
É um filme de detalhes e de muita poesia. Os autores conseguiram retratar a alma e a realidade da Paris contemporânea. Não só a do café das tardes de Hemingway. É uma Paris mais próxima dos pobres românticos desaventurosos. E muito desse retrato se deve aos diretores estrangeiros, responsáveis pelo longa. É uma visão curiosa que nos leva a descobrir novos ângulos ainda inexplorados da cidade.
Um dos curtas que compõem o filme é dirigido pelos brasileiros Walter Sales e Daniela Thomas. É um dos melhores. Mas pra este blogueiro, o curta que encerra o longa é o mais interessante e característico da capital francesa. É também da linha do flaneur melancólico. É a essência do fascínio que Paris exerce em cada um: a do amor perfeito.
A personagem é uma caipira norte-americana, gorda e solteira há mais de 11 anos. Deixa-se entrever que ela está ali para encontrar um grande amor. Ela é tragada pela atmosfera da cidade. Sua expressão é triste. Ela visita parques, ruelas, vê casais, famílias, velhos e percebe que o amor é universal e pode ser encontrado em qualquer parte. A diferença, é que ali em Paris, ele está na alma e nos olhos de cada pessoa.
Pois sugiro ao amigo leitor visitar a Sala 4 do Cinemark e assistir Paris, Te amo (2006), dentro da programação semanal do Cinecult, às 15h. Serão exibidos 18 curtas em que o tema é unicamente o amor, mesmo aquele que poderia ter sido e não foi; o que já existiu e hoje vive de espasmos ou o amor entre pais e filhos.
Em uma visão mais aprofundada do filme, o espectador verá uma obra-prima – arrisco dizer – que retrata uma Paris não como a Cidade Luz ou a capital dos cenários inspiradores de poetas. Talvez, a Paris melancólica do flaneur. Talvez. O que vi foi uma capital onde o amor, os encontros e carências se igualam a tantos outros recantos. Um amor igual ao meu e ao seu.
Claro que a Paris de Truffaut não some de repente na poeira do tempo. Com alguma atenção maior, se verá os pombos, as expressões melancólicas, mas esperançosas do tal encontro com a cara metade e também a Paris do apartheid social, evidente em um dos curtas exibidos. E cada curta estabelece rápida conexão com o espectador – como deve ser – embora uns sejam mais triviais que outros.
É um filme de detalhes e de muita poesia. Os autores conseguiram retratar a alma e a realidade da Paris contemporânea. Não só a do café das tardes de Hemingway. É uma Paris mais próxima dos pobres românticos desaventurosos. E muito desse retrato se deve aos diretores estrangeiros, responsáveis pelo longa. É uma visão curiosa que nos leva a descobrir novos ângulos ainda inexplorados da cidade.
Um dos curtas que compõem o filme é dirigido pelos brasileiros Walter Sales e Daniela Thomas. É um dos melhores. Mas pra este blogueiro, o curta que encerra o longa é o mais interessante e característico da capital francesa. É também da linha do flaneur melancólico. É a essência do fascínio que Paris exerce em cada um: a do amor perfeito.
A personagem é uma caipira norte-americana, gorda e solteira há mais de 11 anos. Deixa-se entrever que ela está ali para encontrar um grande amor. Ela é tragada pela atmosfera da cidade. Sua expressão é triste. Ela visita parques, ruelas, vê casais, famílias, velhos e percebe que o amor é universal e pode ser encontrado em qualquer parte. A diferença, é que ali em Paris, ele está na alma e nos olhos de cada pessoa.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
De incertezas da vida
Há quem prefira se valer com santos, com orações ou outros apegos. Prefiro a reflexão ou o amparo de algumas filosofias para livrar-me de incertezas, decepções ou situações que ensejam atitudes. Ora, Deus já fez muito quando criou tudo e nos deu uma vida. E creio e confio também que Ele sabe o melhor pra gente. Então, opto por não importuná-lo com problemas meus, insignificante a quem é dono do mundo.
Aliás, sustento-me em Schopenhauer para ultrapassar barreiras do cotidiano e da existência. O filósofo alemão sugere reflexões a partir de um todo universal para que os problemas particulares, locais, tornem-se menores. Se pensarmos que somos apenas uma gota d’água no oceano da vida ou que estamos aqui em rápida passagem, a separação de um relacionamento ou a perda de um emprego torna-se dificuldade menor.
A consciência de que deveremos aprender o máximo com a vida diminui as dores da saudade ou das decepções. Se perdemos um amigo ou ente querido, fica a lição. Da mesma maneira com a perda de um patrimônio, de um emprego ou outra coisa de valia. Os orientais têm essa cultura bem mais arraigada do que nós, ocidentais. E não é culpa do cristianismo. Talvez, do catolicismo. Mas isso é outra conversa.
Aliás, sustento-me em Schopenhauer para ultrapassar barreiras do cotidiano e da existência. O filósofo alemão sugere reflexões a partir de um todo universal para que os problemas particulares, locais, tornem-se menores. Se pensarmos que somos apenas uma gota d’água no oceano da vida ou que estamos aqui em rápida passagem, a separação de um relacionamento ou a perda de um emprego torna-se dificuldade menor.
A consciência de que deveremos aprender o máximo com a vida diminui as dores da saudade ou das decepções. Se perdemos um amigo ou ente querido, fica a lição. Da mesma maneira com a perda de um patrimônio, de um emprego ou outra coisa de valia. Os orientais têm essa cultura bem mais arraigada do que nós, ocidentais. E não é culpa do cristianismo. Talvez, do catolicismo. Mas isso é outra conversa.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
Entre estaleiros e homens do mar
Talvez por desejar leitura mais leve comprei o livro Linha D’água: entre estaleiros e homens do mar. A autoria é do navegador Amyr Klink. Li poucas páginas, mas já me impressionei com o livro. O autor comenta com a autoridade de quem conheceu os pores do sol do mundo a partir do mar.
Parece-me mesmo que a obra é uma espécie de palestra recheada de histórias apaixonadas e verdadeiras do além-maré ou do desejo de construir “um barco simples como canoa, e cargueiro como navio”. Não é um livro de aventuras. Ou este blogueiro engordaria seu arcabouço de frustrações ao imaginar tantas glórias vividas por outrem.
Amyr Klink não é um aventureiro. Tudo dele parece muito bem planejado. Do contrário, não passaria temporadas inteiras no continente gelado da Antártida. Ele se prepara como ninguém para a vida que escolheu. E mais do que segredos e histórias do mar, o livro expõe também esse viés. É raro mergulhar de cabeça em uma meta e mais ainda se preparar para desviar dos arrecifes e obstáculos que aparecem.
O momento da leitura é propício para este blogueiro. Acredito que para muitos. Valem sempre as perguntas: qual vida você escolheu? É a que você desejaria, realmente? O que falta para seguir sua meta primeira de vida? Tenho minha resposta em mente. Basta dizer que me envergonho em confessar ter lido uma dezena de livros este ano. Esqueci-os em troca do trabalho e das obrigações da vida que se planeja independente e lhe suga a alma.
Mas sempre há uma aurora ao longe. E é do navegador a frase que ilustra a esperança de escapar do redemoinho selvagem do cotidiano: “Os holofotes de mastro do gigante se acenderam, o convés se iluminou como o palco de um teatro em pleno oceano”.
Parece-me mesmo que a obra é uma espécie de palestra recheada de histórias apaixonadas e verdadeiras do além-maré ou do desejo de construir “um barco simples como canoa, e cargueiro como navio”. Não é um livro de aventuras. Ou este blogueiro engordaria seu arcabouço de frustrações ao imaginar tantas glórias vividas por outrem.
Amyr Klink não é um aventureiro. Tudo dele parece muito bem planejado. Do contrário, não passaria temporadas inteiras no continente gelado da Antártida. Ele se prepara como ninguém para a vida que escolheu. E mais do que segredos e histórias do mar, o livro expõe também esse viés. É raro mergulhar de cabeça em uma meta e mais ainda se preparar para desviar dos arrecifes e obstáculos que aparecem.
O momento da leitura é propício para este blogueiro. Acredito que para muitos. Valem sempre as perguntas: qual vida você escolheu? É a que você desejaria, realmente? O que falta para seguir sua meta primeira de vida? Tenho minha resposta em mente. Basta dizer que me envergonho em confessar ter lido uma dezena de livros este ano. Esqueci-os em troca do trabalho e das obrigações da vida que se planeja independente e lhe suga a alma.
Mas sempre há uma aurora ao longe. E é do navegador a frase que ilustra a esperança de escapar do redemoinho selvagem do cotidiano: “Os holofotes de mastro do gigante se acenderam, o convés se iluminou como o palco de um teatro em pleno oceano”.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
De verões e ponte
Regresso de um fim de semana em Santa Rita e reafirmo: o verão é uma ilusão devastadora. De certo, a vida carece de ilusões. A realidade é demasiado dura e seria insuportável vivê-la sem dose alguma de sensações inebriantes, mesmo que passageiras e sazonais, como as do verão.
Em passeio calmo numa manhã de domingo, vejo as vítimas da felicidade onusta na beira-mar. Estacionam o carro com mala aberta para ecoar músicas tão efêmeras quanto a estação. Torram ao sol e deixam plásticos urbanos de bebedeiras e farofa na areia indefesa e pacata da praia.
A euforia das crianças dá gosto de ver. São treinadas pela sociedade a divertirem-se no verão – período também de férias. Daí, retiro-lhes a culpa. Infelizmente já não as vejo mais brincando com barcos de madeira. Na minha época eles eram bem arquitetados. O casco era achatado, largo como das jangadas. O mastro proporcional e o leme davam estabilidade à embarcação. Os nomes, lembro bem, eram um enceto à poesia e para o gosto das crianças com as coisas do mar: “Estrela D´agua”, “Cisne Dourado”...
Tenho medo, amigo leitor, do cometa que atravessa a nova ponte erguida sobre o Potengi. Se hoje os domingos, sobretudo, são esses cenários de vida banal à beira-mar, pior seria a expulsão dos banhistas para dar lugar aos que sequer sabem desfrutar e prestigiar tais belezas, mesmo que banhadas pelo perfume ilusório da estação veraneio.
De minha varanda, nada além do mar. Por isso digo que daquele posto sigo como vigia passivo de transformações carregadas do fenômeno progresso, indelével. E assisto tudo alheio às superficialidades do verão ou do frio corrosivo do inverno. Porque acredite, naquela praia-refúgio a vida passa devagar e tudo é cenário de ilusão.
Em passeio calmo numa manhã de domingo, vejo as vítimas da felicidade onusta na beira-mar. Estacionam o carro com mala aberta para ecoar músicas tão efêmeras quanto a estação. Torram ao sol e deixam plásticos urbanos de bebedeiras e farofa na areia indefesa e pacata da praia.
A euforia das crianças dá gosto de ver. São treinadas pela sociedade a divertirem-se no verão – período também de férias. Daí, retiro-lhes a culpa. Infelizmente já não as vejo mais brincando com barcos de madeira. Na minha época eles eram bem arquitetados. O casco era achatado, largo como das jangadas. O mastro proporcional e o leme davam estabilidade à embarcação. Os nomes, lembro bem, eram um enceto à poesia e para o gosto das crianças com as coisas do mar: “Estrela D´agua”, “Cisne Dourado”...
Tenho medo, amigo leitor, do cometa que atravessa a nova ponte erguida sobre o Potengi. Se hoje os domingos, sobretudo, são esses cenários de vida banal à beira-mar, pior seria a expulsão dos banhistas para dar lugar aos que sequer sabem desfrutar e prestigiar tais belezas, mesmo que banhadas pelo perfume ilusório da estação veraneio.
De minha varanda, nada além do mar. Por isso digo que daquele posto sigo como vigia passivo de transformações carregadas do fenômeno progresso, indelével. E assisto tudo alheio às superficialidades do verão ou do frio corrosivo do inverno. Porque acredite, naquela praia-refúgio a vida passa devagar e tudo é cenário de ilusão.