Arca Russa (2002) é um toque de genialidade na cinematografia do século 21. Merece capítulo à parte na história da sétima arte. A proeza do diretor Alexandr Sokurov em filmar 96 minutos sem um único corte e com milhares de atores deveria ser considerado feito tecnológico mais relevante do que o fenômeno do 3D, conseguido com Avatar.
O longa é todo filmado no museu do Hermitage, situado em São Petersburgo - um dos maiores do mundo. Dezenas de salas são percorridas por uma entidade que viveu acho que no século 18 como diplomata europeu. A beleza do museu, das artes é posta à vista do espectador em close ou tomadas amplas. A tela do cinema vira um verdadeiro quadro vivo.
O plano-sequência sobe escadas em espiral, filma detalhes das obras, corredores, dos figurinos caprichados de época monárquica em um tour pelo museu. Em certos momentos fica difícil acreditar na mudança repentina de uma tomada de plano baixo, com closes de atores e obras de arte, para o alto, de modo a abranger toda uma orquestra na tela.
Tudo apenas com a câmara na mão e a ideia na cabeça. Tudo filmado em apenas um dia. Até imaginei possíveis erros no fim do filme, um pormenor que seja de um figurante, e a necessidade de recomeçar tudo do início. E os detalhes são muitos. De figurinos. De coreografia. De fotografia. De uma beleza plástica rara nos filmes contemporâneos.
E o curioso do filme é a constante ironia à cultura russa. O personagem europeu - guia do diretor pelo museu - mostra a falta de identidade cultural da Rússia através das obras de arte expostas, praticamente todas elas da Europa ou de forte influência das escolas europeias. Cita ainda a música, dominada pelos alemãs. Claro, não cita a literatura, esta sim, um orgulho russo.
Há também um atestado de culpa desta carência cultural ao período ditatorial dos czares e monarcas russos, insensíveis à arte e admiradores da cultura europeia. É como se em nenhum momento da história russa tivesse havido uma espécie de explosão renascentista da arte no país e desde sempre desfrutassem da alta arte do além-mar. A Rússia, cercada pelo mar, condenada a "navegar" na cultura alheia, assim como Natal, está sempre aberta a receber as influências do além-mar.
Ainda assim, aqueles anos aparecem, ironicamente, como um momento nostálgico da Rússia. Instantes que antecederiam a Revolução de 1917. Talvez por isso, o personagem europeu, ao fim do filme, decida permanecer no museu ao fim do baile em que centenas vão embora. O semblante tristíssimo denuncia esse clima de nostalgia do fim de um período histórico, de um país que mergulharia em uma tempestade de acontecimentos.
"Merece capítulo à parte na história da sétima arte"...
ResponderExcluirSétima Arte do camelódromo?