Fabricação artesanal de instrumentos musicais resiste à era digital e mantém o charme da tradicional arte secularDe prosaicas tábuas de compensado ou madeira, a arte caminha a seu tempo na fabricação artesanal de instrumentos musicais. O trabalho minucioso a partir de mãos habilidosas e ferramentas semelhantes aos usados por luthiers em tempos imemoriais mantém uma tradição secular. É atividade, bandeira inimiga da pressa formal das escalas industriais e suas séries de instrumentos fabricados por máquinas sem vida ou personalidade. No produto confeccionado pelo luthier, há os segredos da mão, o despejo dos sentimentos na madeira e a arte esculpida e reproduzida em acordes e dedilhados tempos depois pelos instrumentistas – compadres unidos na arte musical.
O luthier Janildo Dantas Nascimento parece gostar do anonimato. Sua singela oficina situada no bairro de Nossa Senhora da Apresentação, na Zona Norte, é tão escondida quanto a assinatura dele em cada instrumento fabricado. Em violões e guitarras de alguns dos bons músicos potiguares, se pode ver: “JDN” – iniciais do luthier que, ao contrário do que parece, deseja mesmo é abrir uma loja para vender os instrumentos que produz, em melhor localização. As ultimas encomendas mostram essa necessidade. A maioria dos clientes tem procurado Janildo para consertos e reformas em seus instrumentos. “Gosto mesmo é de fabricar. Penso em vender minha casa e abrir uma loja”.
Janildo nunca deixou nem pôde colocar nenhum tipo de dependência tecnológica em seu processo de produção. Máquinas rústicas contribuem com o básico. A grosa – espécie de palheta de ferro – é sua principal ferramenta. Começou no ofício autodidata, quando foi presenteado pelo pai com uma sanfona, mesmo sem saber tocar. E nem aprendeu. Janildo preferiu desmontar o instrumento e tomou gosto pela coisa. Conheceu outros luthiers e se iniciou no ofício. Os tempos já foram melhores na oficina, quando um comerciante recifense comprava rabecas aos montes para revender na capital pernambucana, de maior tradição na execução desse instrumento. Hoje, Janildo fabrica em média quatro violões ao mês, afora os consertos. É seu ganha-pão.
Os instrumentos são feitos a partir de madeiras compradas (em maioria imburana e frejó), encontradas no lixo e compensados. Essa é a prática da grande maioria dos luthiers potiguares e em outros estados. O gasto em um violão tamanho padrão é de R$ 100, a depender da qualidade da madeira e afora as cordas, tarraxas e trastes. E o tempo para fabricação de um instrumento é de 10 a 15 dias. É vendido em média por R$ 300 – entre 30% e 50% mais caro que o fabricado em indústria. Fosse de madeira de jacarandá – a melhor – o instrumento sairia em torno de R$ 1,2 mil. Além do trabalho manual do luthier, o cliente também pode sugerir cores, formatos e material do instrumento. “Se for um bom músico ele percebe se o instrumento é bom ou ruim, se afina fácil e se o som produzido é de qualidade”, disse com o orgulho de nunca ter recebido reclamação.
Não bastasse a falta de condições para melhorar sua oficina e alugar ou comprar um ponto comercial melhor localizado, Janildo também luta contra o preconceito. Segundo ele, há um estigma de que marcas industriais famosas como Gianinni e Di Giorgio são melhor qualificadas e deveriam custar mais caro. “E se você trazer esse pensamento aqui à Zona Norte, piora. Muita gente já chamou as rabecas que faço de violinos mal feitos. Eles nem sabem o que é uma rabeca. Fica difícil ter o trabalho valorizado dessa forma”, lamenta o luthier. Janildo desistiu do alto aluguel de um ponto situado no Beco da Lama, no Centro da Cidade, onde tinha melhor circulação de pessoas e contato com músicos – alguns, ainda clientes fieis.
Janildo fabrica qualquer instrumento de corda. Na oficina há baixos, guitarras, violões, cavaquinhos e rabecas, alguns em formatos variados. Há as fôrmas já prontas, padronizadas. Mas o luthier fabrica novas conforme o desejo do cliente. A intenção é manter o ofício e o prazer na fabricação de instrumentos musicais – geralmente uma atividade de artesão de sons repassada entre gerações. E mesmo nesses séculos passados, são poucos os luthiers reconhecidos como ricos. Ainda assim é a vontade de Janildo – que largou outras atividades mais rentáveis e estressantes e hoje exerce a atividade de professor de fabricação de rabecas para jovens da Fundação Felipe Camarão – para tentar viver do ofício de alquimista de sons.
* Matéria publicada neste domingo no Diário de Natal
Depois me passa o contato de Janildo, preciso fazer uma reparação nas minhas guitarras.
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