sexta-feira, 28 de setembro de 2007

O novo homem

Não como negar: os tempos mudaram. A frase é clichê e até redundante. Se o filósofo Heráclito de Éfeso estava certo quando afirmou que ninguém passa duas vezes pelo mesmo rio, é porque os instantes são metáforas de transformação contínua. Mas o amigo leitor há de concordar: de uns tempos pra cá, esses instantes invisíveis, alimentados pela vitamina gradativa de um tempo sem pressa têm acelerado o compasso e transformado comportamentos.

É talvez por este provincianismo incurável de Cascudo que este blogueiro assustou-se com um imeio recebido há pouco. Diariamente este endereço eletrônico que está aí por cima é alvo de toda sorte de mensagens, desde cursos de acupuntura em São Paulo a campanhas contra o ufanismo da sociedade ao programa global BBB. Mas o título de um chamou-me a atenção: O Novo Homem. Ora, reconheço meu desapego às novidades do momento. Mas desconhecia o surgimento de... um Novo Homem.

Se sou preso às nostalgias e sempre saudoso das coisas passadas, é porque reconheço nelas um tempo mais ameno e aventuroso. Mas confesso meu receio com o título do imeio recebido. De antemão, senti-me um homem ultrapassado em suas idéias e atitudes. Olhei pra minhas vestes, meus móveis e até revi na mente o tema de meus últimos escritos. Envergonhei-me de minha radiola de caixa de madeira e de gostar de repetir frases prontas de minha avó.

Tomei coragem e li o imeio. O dito “novo homem” é resultado de uma pesquisa inédita realizado pelo Ibope Mídia. A diretor comercial do instituto fez um convite a este blogueiro e outros muitos para apresentar “o que o novo homem pensa e consome, a quais meios de comunicação ele está exposto e quais são seus valores e atitudes em relação à vida”.

Confesso ao amigo leitor a curiosidade em conhecer este novo ser, este homem moderno, de certo sofisticado e antenado com as novidades do mundo. Imagino que os presentes na palestra sejam homens ditos de hoje, com a intenção de aperfeiçoar seu tino contemporâneo, moderno. Eu sentaria nas últimas cadeiras do auditório, talvez com vergonha. Assistiria maravilhado as nuances do novo homem e pensaria, com algum pesar, o quão ultrapassado sou.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Elas por eles

Assisti à peça Elas, da Lohss Cia de Teatro. Ainda está em cartaz na Casa da Ribeira, de sexta à domingo, às 20h. Recomendo. Embora pareça uma mera encenação humorística, o roteiro pode ser visto sob uma ótica mais aprofundada.

Quatro personagens, uma sala de espera, neuras e esperanças. Um resumo da peça. Mas apesar do título, Elas poderia ser Eles. A peça fala de frustrações do ser humano. Quatro mulheres estão ali por acaso. E são espelhos de muitas inquietudes de cada um dos expectadores.

Embora distintas entre si, cada uma trazia esse pedaço de frustração incomum. As personagens eram uma gorda, compulsiva por comida e que perdeu marido, emprego e filha por causa da gordura.

Berenice é uma sonhadora. Queria viver a vida de uma princesa. Sumiu por mais de um ano de casa e foi encontrada em uma favela vestida de noiva. Lá, ela era uma princesa.

Dolores casou-se com o homem mais feio da cidade só para afrontar a família, porém nunca perdeu a virgindade. Mesmo assim se considera uma legítima puta. Já Isabel, é uma mulher sofisticada, mas encontra dificuldade em obter prazer no sexo.

O que essas quatro mulheres têm em comum? A frustração da falta ou perda de um amor verdadeiro. Não vou desvendar mais do roteiro da peça. É melhor o amigo leitor assistir. O preço está convidativo: R$ 5 (meia) e R$ 10 (inteira). É bom ligar pra reservar. Domingo passado lotou e a fila de espera ficou na espera.

sábado, 22 de setembro de 2007

Quando o escuro é claro

Insônia. Uma azia na mente. Ansiedade. Vontade de resolver tudo quando a hora é descanso. Desejo de clareza, quando o momento e escuro. Na luta de espadas contra a noite, a derrota. No embate contra os pensamentos confusos, mais dúvidas. E o escuro torna-se mais escuro enquanto a madrugada pacata e sombria adentra o ritmo compassado dos minutos. Da janela afora, a vida acontece. No silêncio do quarto, paira o soturno. As reflexões atraem fantasmas. E são eles que ao final, me fazem dormir.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

A comicidade da vida

Os palestrantes otimistas – aqueles seres engraçados e sorridentes que escondem suas frustrações – costumam levantar a auto-estima da platéia com argumentos pifeis como “você venceu milhões de espermatozóides e alcançou o primeiro lugar na cadeia da vida; você é um vencedor”. Ora, amigo leitor, é preciso reconhecer o quanto somos miseráveis. Se quisermos mesmo levantar algum sorriso basta rir desta nossa condição de quase nada.

Se olharmos a vida em seus pequenos detalhes, tudo parece bem ridículo. É como uma gota d’água vista num microscópio; uma gota cheia de protozoários. Achamos muita graça como eles se agitam e lutam tanto entre si. Agora, imagine essa gota em um oceano. Deu pra imaginar nosso papel irrisório no todo universal? Esse alvoroço todo produz mesmo um efeito cômico, sobretudo naqueles dias mais agitados do cotidiano. Olhamos pra nosso umbigo e pensamos: pra que o estresse? Somos quase nada!

Visto por outro preâmbulo, podemos enxergar um universo dentro de nós mesmos. Uma visão mais egoísta e responsável. Afinal, temos lá nosso papel no mundo. De cá, prefiro essa coisa mais abrangente e o senso mais real do ridículo. É uma maneira de tirar uma com as armadilhas da vida. E a vida é curta e sofrida, amigo leitor.

Penso também que aceitar essa condição mísera colabora para um aperfeiçoamento da mais nobre das qualidades: a simplicidade. Mesmo milionários e poderosos, ao reconhecer a brevidade da vida e a nossa posição na história do universo, no mínimo daríamos boas risadas e saberíamos gastar melhor o dinheiro; saberíamos viver com instantes mais longos de alegria. É Schopenhauer quem diz: “Uma vida feliz é impossível. O máximo que se pode ter é uma vida heróica”. Ou mais relaxada, diria.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Viver é sofrer

Tenho lido o best seller do psiquiatra Irvin D. Yalom, A Cura de Schopenhauer. E por trás da suposta cura para nossa existência, amigo leitor, está um pensamento demasiado pessimista do filósofo alemão. Para Schopenhauer, “viver é sofrer”. E já escrevi outras vezes neste espaço esta mesma idéia, a qual comungo. Ora, se vivemos em busca de alegrias, é porque somos tristes por essência. Gozamos, aqui e ali, de instantes de euforia, apenas. E é muito.

Mas há os momentos – e talvez sejam nestes arroubos de alegrias – quando penso o contrário. Acordo hoje e olho pela mesma janela dos meus dias de cotidiano e vejo um dia tão bonito. É de mesmo sol e paisagem. Talvez sejam dias em que se acorda celebrando a vida. Ligo o computador e leio uma mensagem (ou “scrap”, como gostam de dizer os mais modernos) carinhosa da amiga Kandy. E o sorriso perdura por quase todo o dia e penso que a existência pode mesmo ser alegre.

Sei também, com a experiência de alguns anos de observador astuto dos mistérios da alma, que tudo não passa de ilusão. Vivemos em função de nossas vontades. E essas vontades querem sempre mais. Por isso o eterno inconformismo. Mas há o que nos acalma, amigo leitor. E a amizade é fator primeiro de esperança de uma vida mais amena de frustrações. Se for verdadeira, não se exige mais daquele amigo.

E por isso agradeço as poucas amizades. Não preciso de mais. Conforta-me ainda reconhecer a segurança dos sentimentos mais nobres que trazem um alento à dureza dos dias. A amizade e o amor pincelam o cinza da alma de um colorido radiante, longe daquele preto e branco – matizes das saudades doídas – ou dos tons lúgubres da solidão e da melancolia. De certo, a amizade quebra paradigmas da existência e faz um dia de sol comum mais alegre, apenas com o poder da palavra e da sinceridade.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Na leveza dos dias, o verão

Antes este blogueiro desaventurado tivesse o olhar aguçado do cronista-mor destas plagas, Vicente Serejo e percebesse no azul do céu ou no florir dos cajus a chegada discreta do verão. Confesso ainda sentir aquela aura invernal perfumando os ares da minha praia refúgio.

Em Santa Rita, amigo leitor, sequer os domingos em que banhistas passageiros escolhem os mares bravios ou a calmaria da praia para passar um dia de alegria, têm chegado com seus bugres barulhentos. Por enquanto, as gaivotas e os coqueiros continuam donos do lugar. Para o lado das dunas, talvez os cajus, no silêncio dos segundos, estejam mais corados com o sol que se espreguiça.

De minha varanda – mirante para as alvas areias e o mar cinzento da praia – espero a estação veraneio. Na languidez do balanço da rede, antevejo os cenários de alegrias passageiras, estampidos de um entusiasmo efêmero. É assim o verão: uma passagem colorida e alienada da alma. Antes, o cinza-refúgio; a melancolia dos descansos friorentos de uma estação mais silenciosa e reflexiva.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Um programa à noite

Ontem fui ao Nalva Melo, na boa Ribeira. O projeto Segunda Solo dessa vez foi com Romildo Soares. Ou deveria. Assim foi anunciado. Mas Romildo preferiu tomar algumas enquanto conversava com Nalva, encostado ao bar, e o poeta Iran desfiava sua voz e violão. Ótima apresentação. A música Cantor Brinquedo é excelente.

Os aplausos sempre vinham ao final de cada música. Os aplausos de quatro pessoas, aliado ao de Nalva, para engrossar o coro. Engraçado é que Iran contou a história da composição Cantor Brinquedo. Segundo ele, Cantor Brinquedo é aquele “produto” muito visto nos shoppings. Toca, toca, toca e ninguém o nota. É puro consumo alienado.

Apenas quatro pessoas para assistir Romildo Soares, ou Iran, ou mesmo o compositor Fábio Rocha, que deu uma canja, também. E mesmo com apenas quatro pessoas, Iran tocou como se para uma platéia lotada. Ali, ele não era um Cantor Brinquedo. Se eram apenas quatro, eram quatro pessoas atentas, entusiasmadas, mesmo que quietas.

Era talvez 20h40 quando desci a ladeira até a Ribeira. Fui após o trabalho. Sozinho, fui mais por curiosidade. O ambiente lúgubre, quase à meia luz do recinto de Nalva; a quietude demasiada da Ribeira à noite e a voz aguda de Iran elevaram-me a um estado de espírito suave. E pensei no que escreveu Schopenhauer. Para o filósofo alemão, a suspensão da dor da existência está na contemplação artística; a contemplação desinteressada das idéias.

Sentei-me junto à janela que dava para a Duque de Caxias. Pela janela, viam-se aqueles passantes da Ribeira. São característicos. Vasculham lixos. Andam como embriagados, seja do álcool, seja extasiado de solidão e fome. Mais ao longe, a igreja de Bom Jesus das Dores iluminada e vazia.

E ali dentro, eu, a música e alguns pensamentos vagos, em uma segunda-feira de mesmas estantes e mesmos retratos...

Um diário do tempo

Um comentário de um leitor no blog que mantenho no portal do jornal Diário de Natal (www.dnonline.com.br) me fez pensar em modificar a linha de textos que vinha escrevendo nos últimos posts, com dicas culturais ou comentários acerca de alguns cenários relacionados à cena cultural do estado.Segundo o leitor, antes dessa mudança havia "mais sentimento" em meus textos. E devo concordar. Comentários acerca de algumas vertentes culturais aqui e acolá e nada de... sentimentos.

Pois bem. Proponho agora, a mim mesmo, uma volta às origens. O leitor de certo desconhece, mas sou escrevinhador de blogs há quatro anos. E no começo, meu blog era realmente um diário; um Diário do Tempo. Desde o início teve essa alcunha. Chegou a figurar a lista de blogs nacionais do provedor. Bons tempos de descoberta literária e amigos virtuais.

E sendo assim, o amigo leitor perdoe-me a nova mudança ou os assuntos por demais pessoais. Na verdade, procurei e vou manter a linha dos assuntos universais; temáticas em que o leitor, como o Marco, se identifiquem. Ora, a angústia, o medo, a solidão estão impregnados em todos. Será meu diário: o retrato de uma vida comum, como a do vizinho ao lado. Nada demais, e talvez por isso, a identificação imediata.

É que a vida hoje se tornou demasiado banal, amigo leitor. Assisti sexta-feira na TV o especial sobre Renato Russo, produzido pela Rede Globo. A vida naquela década de 80, de fim da ditadura e abertura política era mais intensa. Vivi um pouco aquilo tudo; vivi, principalmente, a música da Legião Urbana. E confesso ter sentido novamente aquele desejo adolescente de rebeldia; de querer chamar o vizinho, amigos e montar uma banda punk.

Mas os tempos são outros. Nossa geração está cansada. Somos o escárnio da repressão. Não do militarismo, mas da desesperança. Estamos cansados de lutar e não assistir a vitória. Somos o produto de seguidas derrotas. Uma geração mórbida. Quando tudo parece caminhar bem, mesmo gradativamente, e aquela chama escondida acende como uma primeira brasa, assistimos impotentes uma votação secreta (onde está a transparência da democracia?) inocentar um tal senador. Mas, estou cansado. Já não tenho forças para esbravejar. Apenas aceito, conformado e silencioso.

Bem vindo ao meu novo Diário do Tempo!