Esta matéria foi publicada em setembro de 2007, também no DN/O Poti. Lembro como se fosse hoje. Até conceituei como o melhor show daquele ano. No texto, a informação de que Edil foi homenageado pela Assembleia Legislativa como cidadão norte-rio-grandense, juntamente com seu irmão, ambos sergipanos. Mostra ainda os bastidores do show no TAM e curiosidades quase históricas, diria, como a participação de Chico Elion no palco. Uma noite divina.PRAIEIRA DE AMORES E HOMENAGENSUma noite seresteira de homenagens mútuas. Quem visitou o Teatro Alberto Maranhão segunda-feira sentiu até a presença de uma lua gorda imprescindível no cenário romântico de uma época mais lírica e provinciana. O Trio Irakitan cantou a Natal de boleros, de pega-rapaz nos cabelos, sutiã de bordas duras e casacos de veludo. O Ranchinho de Paia, de Chico Elion também se viu. E naquela aura de memórias recontadas, sentia-se um calafrio causado por um vento amigo e mensageiro; um vento que recebe preces e chega com notícias sobre a amada escondida. Parecia critério uma flor na lapela, seja uma flor-de-liz, um cravo ou uma imensa begônia. Os presentes no TAM vestiram-se como para uma noite romântica, de marcas de giz reescritas. Se jovens também estavam era para acompanhar os avós, já com dificuldades no caminhar.
E o teatro lotou para o lançamento do CD Praieira - um presente para a Natal de ontem e de hoje e uma homenagem ao Trio Irakitan, idealizado pela pesquisadora Leide Câmara. Com 57 anos de carreira, este é o primeiro CD do Trio - de raízes potiguares - gravado em Natal. Foram oito meses de ensaios e seleção de músicas para escolher as 13 faixas do CD. Leide Câmara disse que havia 150 músicas no repertório pesquisado por ela ou sugeridos pelo Trio. Entre elas,
Linda Baby, de Pedrinho Mendes. ‘‘Queria muito que estivesse no CD. Mas o Trio gravou de todo jeito a música e não ficou bonita como ela é. Teve que ficar de fora. Falei com Pedrinho (Mendes) e ele entendeu’’, disse a pesquisadora. Edil, vocalista e violonista do trio, conta que gostaria de
Anos Dourados, de Chico Buarque e uma música inédita de Evaldo Gouveia (famoso intérprete de sucessos de Altemar Dutra), no CD.
Edil e seu irmão, Edílson, foram homenageados ontem, às 10h, na Assembléia Legislativa com o título honorífico de Cidadão Riograndense, proposição do deputado Leonardo Nogueira. ‘‘Eu já me sentia potiguar. E agora fico sem palavras para agradecer esse gesto. Nunca vou esquecer essa homenagem’’, disse o sergipano Edil, com uma taça de vinho do porto na mão, durante a passagem de som antes do show. Os três estavam tranqüilos; pareciam em casa. O potiguar Paulo Gilvan Duarte Bezerril, único remanescente da formação original contou que, mesmo aos 77 anos e 57 de trio, ainda sente o mesmo prazer em cantar. ‘‘Até onde o povo agüentar vou cantar’’.
Gilvan confidenciou que há um projeto para gravação de um DVD ao vivo em Natal. A idéia é repetir mais ou menos o mesmo repertório do CD Praieira, com duas ou três músicas inéditas. Por enquanto, definido só a idéia da gravação. A fase é a da busca por patrocínios. E não deve ser difícil conseguir. O DVD será mais um presente para Natal, como frisa Leide Câmara. Ela lembra que o Trio já gravou no México, Inglaterra, Holanda e participou de 17 filmes, totalizando mais de mil gravações, espalhadas em 79 LPs entre discos de carreira e participações, 25 compactos, 32 CDs, entre discos próprios e participações, e mais 32 discos em gravação 78 rpm.
A emoção tomou conta do palcoNos ensaios, a passagem de vozes com
Luna Lunera, imortalizada na voz de Ângela Maria, antecipava o que viria no abrir das cortinas do teatro. O show começou com atraso de 40 minutos, às 19h40. Mas o público deliciava-se em conversas de lembranças e histórias passadas. O teatro parecia uma grande confraria. Ainda de cortinas fechadas, o coro em uníssono de três vozes e os aplausos. Uma senhora seguramente com mais de 70 anos dirigiu-se com dificuldade à frente do palco e por lá ficou durante quase todo o show. Ela dançava solitária, por vezes de olhos fechados. Animava-se mais aos boleros. No intervalo entre uma música e outra, não se conteve e debruçou-se sobre o palco para pedir um autógrafo do CD que acabara de comprar. ‘‘A senhora será a primeira da fila quando acabarmos o show’’, prometeu Edil.
Nas cadeiras laterais do teatro, algumas senhoras também ensaiavam danças. Algumas até traziam a tona expressões moderninhas e gritavam ‘‘gostoso’’, ao final das músicas. Quando da música
Moinho D’Água, composta pelo açuense Chico Elion e Edson França, da formação original do Trio, o potiguar, de macacão e chapéu, foi convidado a subir ao palco. Chico cantou sua música, gravada pelo Trio na Inglaterra. Antes de cantar e após paparicar os integrantes, disse: ‘‘Não fosse esses 100 mil anos do trio - porque eu os escutava quando era pequeno - não teria coragem de beijar estas pétalas de rosa numa madrugada tão cheia de cores’’. Ao final do show, Chico revelou: ‘‘Me lasquei todinho hoje. Com dor na garganta (mostra o remédio no bolso) e cantando no tom do outro ficou difícil pra mim’’, disse Chico, segundo ele, aos 77 anos e com mais de 400 composições escritas. Além de Moinho D’água, Chico Elion também emprestou
Ranchinho de Paia para o CD do Trio.
Outra surpresa foi a participação da diva, ainda com uma voz potente e segura. A platéia a recebeu em pé e sob fortes aplausos. Glorinha cantou
Caminhem, e reviveu a aura da magia do rádio potiguar na década de 50. “Faz de conta que o tempo passou...’’
PRAIEIRACazuza sequer estava vivo para cantar que ‘‘o tempo não pára’’ quando
Praieira foi composta quase que às pressas por Othoniel Menezes, para ser recitada por pescadores. E a letra é extensa. Muitos a conhecem apenas por trechos. Edil comentou no palco a dificuldade de memorizá-la e até pediu desculpas por alguns erros após a interpretação. E o Trio Irakitan reviveu um momento histórico no TAM - palco para a primeira interpretação da canção, na voz de Deolindo Lima, em dezembro de 1923. Após 84 anos e como se o tempo não parasse, a música era cantada novamente para um público que viveu a época das serenatas à luz da lua.
Depois de
Praieira, Gilvan rendeu-se para homenagear uma amiga, carinhosamente chamada por ele de ‘‘Ane’’. É Ana Maria Cascudo – personagem presente desde o início do Trio. Gilvan contou no palco que os primeiros ensaios do Trio eram na casa de Câmara Cascudo, na Junqueira Aires. ‘‘Fernando (irmão de Ana Maria) proibia ela de assistir porque dizíamos muitos palavrões no ensaio’’. Gilvan, já emocionado, ofereceu
Prece ao Vento, para a amiga Ane, música de Fernando Luís da Câmara Cascudo e parceiros. Um texto de Ana Maria Cascudo foi lido antes da entrada do Trio no palco. Ela contou a origem do nome Irakitan, dado por Cascudo e corroborado por Gilvan, e fez referência também ao livro de Heider Furtado, que se diz autor do nome.
O show foi mesclado com músicas do novo CD e do repertório clássico do Trio. A banda, formada pelo produtor e instrumentista Eduardo Taufic, e os músicos Jubileu Filho, Fernando Oliveira, Wagner Tse, Fábio Isaac, Alexandre Johnson, Zé Hilton e Faisal Hussein, por vezes deu lugar ao percussionista Carlos Raposo, um quarto integrante que acompanha o Trio há 19 anos. Raposo participou dos momentos mais intimistas do show; um show de memórias, homenagens e romantismo, para ficar na história da música potiguar.