Sinto até calafrios quando ouço alguém se auto-afirmar um cidadão do mundo. Eu, apenas um passarinho de gaiola e acostumado às cenas e costumes da esquina. Deitado em rede, numa varanda minha, até imagino-me nas gôndolas de Veneza, tomando um café no Champs-Élyseés ou a passear nos becos milenares do Cairo. É que os desaventurados têm esse costume dos sonhos impossíveis, de mastigar a essência daquilo que poderia ter sido e não foi.
Digo isto, amigo leitor, porque li hoje entrevista com a jornalista Glória Maria. Ela que passou dez anos à frente do Fantástico, agora se despede da emissora e parte para novas empreitadas. Perguntaram se ela poderia sentir saudade do Programa. E ela, dessas mulheres mais cosmopolitas, afirmou: “Saudade é palavra que só existe na língua portuguesa. Sou uma cidadã do mundo”.
E eu, apenas aquele cara do outro quarteirão; aquele que apenas assiste o rapaz distraído derrubar os livros da moça e ali iniciarem romance de novela, me arrepio com a frase da jornalista. Sou um provinciano, preso mesmo aos quarteirões da vida que construí. Ora, querer mais que a infinitude do mar, os mundos dos livros ou a eternidade das amizades é mostrar-se ingrato com a vida. Uma vida, registre-se, longe daquela “vida besta” assistida dos sobrados das casas do interior, descrita por Drumont.
Se coleciono auroras em vez de postais é porque suspeito que a verdadeira vida reside mesmo na imaginação. E por ela viajo, sonho e me transformo naquele herói das multidões, tão cheio de carisma e beleza. Como já afirmei, a vida é uma grande ilusão. Não se engane. E melhor é, ao acordar do sonho, assistir o cotidiano já conhecido, de esquinas do passado e do presente. A vida é mais fácil assim.
O amigo leitor pode me chamar de fraco, medroso ou outra classificação que o valha. Confesso outros defeitos muitos, não esses. Sou apenas um provinciano, e incurável, como Cascudo. Se me esforço a permanecer em minha redoma é por preferir a distância de um mundo dito mais fascinante e perfumado pelo cheiro do capital. E como Schopenhauer, também opto pela esquiva aos bípedes como melhor forma de expulsar minhas vontades e desejos – frutos de todos os pecados.
E assim, por estes quarteirões de uma Natal de morros, dunas, mar e rio, coloco os tijolos do muro de minha vida, com o cimento do meu silêncio: alicerce primeiro da minha ilusão.
sexta-feira, 28 de dezembro de 2007
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
Balanço cultural de 2007
Tomando carona na idéia do amigo jornalista Tácito Costa, escrevo aqui minha lista sobre alguns destaques vistos na cultura em 2007. Claro, como toda lista, sempre falta alguma coisa e peço ao amigo leitor aquele ajuda fundamental para fazermos jus às grandes idéias e projetos da nossa terrinha.
PROJETOS CULTURAIS: Seis e Meia, Pixinguinha, Som da Mata, Feira de Sebos, Encontro Natalense de Escritores, revista Brouhaha, o Auto de Natal (mesmo que carente de ajustes) e o espetáculo Nas Asas da História, em Parnamirim. A programação cultural promovida pela Casa da Ribeira e, mais ainda, pelo Beco da Lama e adjacências, como o Carnabeco, o Festival Gastronômico e a cerveja gelada do Bardallos, claro, e o trabalho desenvolvido pelo Cineclube Natal e Nalva Salão Café.
BLOGS: Entre os blogs relacionados à cultura, lembraria o Substantivo Plural (http://www.substantivoplural.com.br/), do próprio Tácito Costa, e o Grande Ponto (http://www.grandeponto.blogspot.com/), do jornalista Alexandro Gurgel.
LITERATURA: No campo da literatura, confesso com toda a vergonha, ter sido pouco produtivo este ano para este jornalista. Mas citaria os projetos literários de Franklin Jorge, publicados somente este ano, e os livros sobre folclore – salvo engano foram dois – de autoria de Deífilo Gurgel. Entre outros sem tanta relevância, li “Memória de Minhas Putas Tristes”, de García Márquez. Mas foi escrito em 2004, então não voga. O best seller “A Cura de Schopenhauer”, do psicanalista Irvin d. Yalon, é ótimo para reflexão, mas longe de uma obra literária de relevância.
CINEMA E DVDs: Minha lista de filmes ficou parecida com a de Tácito – e meu ego sobe ao último degrau por causa disso. Destacaria O Cheiro do Ralo, Casa de Areia, Império dos Sonhos, Querô, Paris Te Amo, Vermelho Abajur (do nosso Alan Cedrak), Pequena Miss Sunshine, Babel, Baixio das Bestas, O Labirinto do Fauno, Diamante de Sangue, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, Um Lugar na Platéia, Volver, e O Último Rei da Escóssia.
Tácito destacou ainda Cartas de Iwo Jima, A Conquista da Honra, Rainha, Tropa de Elite e Os Infiltrados, que também assisti. E mais: As Leis de Família. O Passado, Scoop – O Grande Furo, O Violino, Crimes de Autor, Leões e Cordeiros, O Novo Mundo, Árido Movie, Tempo de Guerra, O Amor em Fuga e Hiroshima Meu Amor.
MÚSICA: Creio ter sido a música potiguar a grande vencedora este ano no segmento cultural: tivemos lançamentos de CDs fenomenais como os de Mirabô e Roberta Sá, lembrados por Tácito, e ainda o Coisa de Preto, de Khrystal; Leve, Só as Pedras, de Valéria Oliveira; e Se Amar Assim, de Manuela Dac, além do Festival de Música; da Assembléia Cultural; o Praia Shopping Cultural; o Prêmio Hangar; e os projetos de música alternativa encabeçados pelo DoSol.
PERDA: Como grande perda do estado no segmento cultural, citaria o projeto Domingo na Praça, que ensaiou uma volta com o patrocínio da Oi, mas fracassou por falta de organização.
DECEPÇÃO: Posso angariar alguns inimigos com a opinião, mas fiquei imensamente decepcionado com o filme O Homem Que Desafiou o Diabo, de Moacir de Góes. Após tanta divulgação, estardalhaço e espera, um filme mal produzido. Outra decepção foi a espera pelas edições da revista Preá. A esperança, sendo a última, permanece.
DESTAQUE: Se há o que destacar este ano, não só pela qualidade – ou também destacaria outros tantos – mas pela projeção conseguida no difícil espaço do Sul Maravilha, o nome de Roberta Sá é o mais indicado.
REVELAÇÃO: Essa indicação partiu do jornalista Alex de Souza e da sua coluna Bazar. É o nome da jovem poetisa Ada Lima. Fico devendo o blog dela. Para uma próxima. (Alex, me socorra!)
A LEMBRAR: Um fato histórico para a música e o rádio potiguar: a despedida da diva Glorinha Oliveira dos palcos, durante apresentação na Assembléia Cultural, em dezembro. Também o trabalho incansável desenvolvido por Abimael Silva e seu Sebo Vermelho. As instalações do Movimento 8 de Maio, em Natal (M8M), e a revista eletrônica (chamam de E-Zine) Disruptores, com um bom time de jovens jornalistas e excelentes entrevistas.
O que mais?
PROJETOS CULTURAIS: Seis e Meia, Pixinguinha, Som da Mata, Feira de Sebos, Encontro Natalense de Escritores, revista Brouhaha, o Auto de Natal (mesmo que carente de ajustes) e o espetáculo Nas Asas da História, em Parnamirim. A programação cultural promovida pela Casa da Ribeira e, mais ainda, pelo Beco da Lama e adjacências, como o Carnabeco, o Festival Gastronômico e a cerveja gelada do Bardallos, claro, e o trabalho desenvolvido pelo Cineclube Natal e Nalva Salão Café.
BLOGS: Entre os blogs relacionados à cultura, lembraria o Substantivo Plural (http://www.substantivoplural.com.br/), do próprio Tácito Costa, e o Grande Ponto (http://www.grandeponto.blogspot.com/), do jornalista Alexandro Gurgel.
LITERATURA: No campo da literatura, confesso com toda a vergonha, ter sido pouco produtivo este ano para este jornalista. Mas citaria os projetos literários de Franklin Jorge, publicados somente este ano, e os livros sobre folclore – salvo engano foram dois – de autoria de Deífilo Gurgel. Entre outros sem tanta relevância, li “Memória de Minhas Putas Tristes”, de García Márquez. Mas foi escrito em 2004, então não voga. O best seller “A Cura de Schopenhauer”, do psicanalista Irvin d. Yalon, é ótimo para reflexão, mas longe de uma obra literária de relevância.
CINEMA E DVDs: Minha lista de filmes ficou parecida com a de Tácito – e meu ego sobe ao último degrau por causa disso. Destacaria O Cheiro do Ralo, Casa de Areia, Império dos Sonhos, Querô, Paris Te Amo, Vermelho Abajur (do nosso Alan Cedrak), Pequena Miss Sunshine, Babel, Baixio das Bestas, O Labirinto do Fauno, Diamante de Sangue, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, Um Lugar na Platéia, Volver, e O Último Rei da Escóssia.
Tácito destacou ainda Cartas de Iwo Jima, A Conquista da Honra, Rainha, Tropa de Elite e Os Infiltrados, que também assisti. E mais: As Leis de Família. O Passado, Scoop – O Grande Furo, O Violino, Crimes de Autor, Leões e Cordeiros, O Novo Mundo, Árido Movie, Tempo de Guerra, O Amor em Fuga e Hiroshima Meu Amor.
MÚSICA: Creio ter sido a música potiguar a grande vencedora este ano no segmento cultural: tivemos lançamentos de CDs fenomenais como os de Mirabô e Roberta Sá, lembrados por Tácito, e ainda o Coisa de Preto, de Khrystal; Leve, Só as Pedras, de Valéria Oliveira; e Se Amar Assim, de Manuela Dac, além do Festival de Música; da Assembléia Cultural; o Praia Shopping Cultural; o Prêmio Hangar; e os projetos de música alternativa encabeçados pelo DoSol.
PERDA: Como grande perda do estado no segmento cultural, citaria o projeto Domingo na Praça, que ensaiou uma volta com o patrocínio da Oi, mas fracassou por falta de organização.
DECEPÇÃO: Posso angariar alguns inimigos com a opinião, mas fiquei imensamente decepcionado com o filme O Homem Que Desafiou o Diabo, de Moacir de Góes. Após tanta divulgação, estardalhaço e espera, um filme mal produzido. Outra decepção foi a espera pelas edições da revista Preá. A esperança, sendo a última, permanece.
DESTAQUE: Se há o que destacar este ano, não só pela qualidade – ou também destacaria outros tantos – mas pela projeção conseguida no difícil espaço do Sul Maravilha, o nome de Roberta Sá é o mais indicado.
REVELAÇÃO: Essa indicação partiu do jornalista Alex de Souza e da sua coluna Bazar. É o nome da jovem poetisa Ada Lima. Fico devendo o blog dela. Para uma próxima. (Alex, me socorra!)
A LEMBRAR: Um fato histórico para a música e o rádio potiguar: a despedida da diva Glorinha Oliveira dos palcos, durante apresentação na Assembléia Cultural, em dezembro. Também o trabalho incansável desenvolvido por Abimael Silva e seu Sebo Vermelho. As instalações do Movimento 8 de Maio, em Natal (M8M), e a revista eletrônica (chamam de E-Zine) Disruptores, com um bom time de jovens jornalistas e excelentes entrevistas.
O que mais?
domingo, 23 de dezembro de 2007
Auto de Natal 2007
“Escrevi um auto e me devolveram um espetáculo da Broadway”, disse o dramaturgo Paulo de Tarso Correia de Melo minutos após o encerramento do primeiro dia de encenação do Auto de Natal. O autor do texto da quarta edição do evento – este ano promovido no Machadão pela prefeitura do Natal – presenciou um Estádio lotado para assistir, também, o show do cearense Fagner (a atração de hoje, último dia, é Ney Matogrosso). Mas quem roubou a cena do dia foi o músico e compositor Carlos Zens, responsável pela trilha sonora do Auto e que ditou o compasso e o roteiro do espetáculo.
Após o evento receber textos de grandes nomes da literatura potiguar, como Tarcísio Gurgel, Nei Leandro de Castro e Moacyr Cirne, Paulo de Tarso comentou que pensou em incluir uma dimensão educativa e apregoar alguns bons propósitos. “Sei que são fatores que não fazem boa literatura, mas não consegui escapar disso. Depois de tanta gente boa ter escrito para este evento, eu precisava ser original”. E conseguiu. Pelo menos o nascimento do Menino Jesus foi uma grande festa no palco e escapou da praxe das cenas comoventes vistas nas edições anteriores.
O Auto de Natal este ano conseguiu ser ainda mais regional. Se o elemento teatral foi menos explorado que em anos anteriores, cedendo lugar à dança e aos folguedos, os diálogos travados foram em maioria providos da linguagem de cordel ou versos de feição popular. O autor conseguiu ainda encaixar na saga do nascimento de Jesus na terra de Poti, folguedos como o Pastoril, Dança do Espontão, Congos, Baião Cocado, entre outros. Este ano nada de hip-hop ou tecno. Se alguma música soou estranha aos potiguares mais enraizados, foram batidas de tambor, a lembrar rituais de Umbanda.
Jesus já nasceu nos quatro cantos de Natal e até em Parnamirim, com a segunda edição do auto da cidade-vizinha. Faltava o interior, como o Sertão setentrional das bandas do Apodi. E foi sob as paredes do Lajedo Soledade o nascimento do Menino-Deus este ano. “A sobrevivência do primitivo sempre me impressionou, desde o meu primeiro livro – O Talhe Rupestre. Foi o que determinou a escolha do lugar”, disse Paulo de Tarso.
O dramaturgo homenageou ainda o poeta Othoniel Menezes, com o quadro “O Caminho da Praieira”, e o decano dos poetas vivos potiguares, Deífilo Gurgel, influência fundamental para um livro do autor: Os Romances de Alcaçus. E ainda no texto, um soneto de Auta de Souza que expressa de algum modo, segundo Paulo de Tarso, a angústia de caminhada de Maria e José em busca da estalagem de Belém. “Agradeço ao prefeito Carlos Eduardo Alves, ao presidente da Funcarte, Dácio Galvão e ao diretor do Auto, Véscio Lisboa, pela inclusão de portadores de necessidades especiais no elenco e pela edição do Auto no sistema Braille. Afinal, o nascimento de Jesus é de todos os que participam da condição humana”, concluiu Paulo de Tarso.
Após o evento receber textos de grandes nomes da literatura potiguar, como Tarcísio Gurgel, Nei Leandro de Castro e Moacyr Cirne, Paulo de Tarso comentou que pensou em incluir uma dimensão educativa e apregoar alguns bons propósitos. “Sei que são fatores que não fazem boa literatura, mas não consegui escapar disso. Depois de tanta gente boa ter escrito para este evento, eu precisava ser original”. E conseguiu. Pelo menos o nascimento do Menino Jesus foi uma grande festa no palco e escapou da praxe das cenas comoventes vistas nas edições anteriores.
O Auto de Natal este ano conseguiu ser ainda mais regional. Se o elemento teatral foi menos explorado que em anos anteriores, cedendo lugar à dança e aos folguedos, os diálogos travados foram em maioria providos da linguagem de cordel ou versos de feição popular. O autor conseguiu ainda encaixar na saga do nascimento de Jesus na terra de Poti, folguedos como o Pastoril, Dança do Espontão, Congos, Baião Cocado, entre outros. Este ano nada de hip-hop ou tecno. Se alguma música soou estranha aos potiguares mais enraizados, foram batidas de tambor, a lembrar rituais de Umbanda.
Jesus já nasceu nos quatro cantos de Natal e até em Parnamirim, com a segunda edição do auto da cidade-vizinha. Faltava o interior, como o Sertão setentrional das bandas do Apodi. E foi sob as paredes do Lajedo Soledade o nascimento do Menino-Deus este ano. “A sobrevivência do primitivo sempre me impressionou, desde o meu primeiro livro – O Talhe Rupestre. Foi o que determinou a escolha do lugar”, disse Paulo de Tarso.
O dramaturgo homenageou ainda o poeta Othoniel Menezes, com o quadro “O Caminho da Praieira”, e o decano dos poetas vivos potiguares, Deífilo Gurgel, influência fundamental para um livro do autor: Os Romances de Alcaçus. E ainda no texto, um soneto de Auta de Souza que expressa de algum modo, segundo Paulo de Tarso, a angústia de caminhada de Maria e José em busca da estalagem de Belém. “Agradeço ao prefeito Carlos Eduardo Alves, ao presidente da Funcarte, Dácio Galvão e ao diretor do Auto, Véscio Lisboa, pela inclusão de portadores de necessidades especiais no elenco e pela edição do Auto no sistema Braille. Afinal, o nascimento de Jesus é de todos os que participam da condição humana”, concluiu Paulo de Tarso.
sábado, 22 de dezembro de 2007
Dos linxamentos contra Marina Elali
O que li semana passada foi um verdadeiro linxamento midiático contra a intérprete Marina Elali. Blogs, jornais e noticiários teceram críticas veementes da gravação do CD ao vivo da cantora, no evento promovido pela prefeitura no Machadão. Se a música da moça é de “gosto duvidoso” – termo usado por quase todos os jornalistas – é porque há dúvidas se a qualidade é boa ou não.
De antemão afirmo que não aprecio o estilo musical de Marina Elali. Basta dizer que detesto Mariah Carey e Celina Dion. Também discordo que valha a comparação entre ela e Roberta Sá – também usada pela maioria dos colegas de imprensa. São estilos, posturas e público diferentes. Ou alguém imagina Marina Elali circulando entre os bons da MPB, como Max de Castro, Pedro Luís ou mesmo a tal Mariana Aydar?
O espaço buscado por Marina é outro: o popular, da grande massa; das músicas de fácil aceitação. Antes fosse um trabalho voltado à nossa música de raiz, maravilhosamente trilhado por Khrystal. Não é, infelizmente. Marina escolheu o caminho mais fácil, da maioria. E daí, também, se ela ou o pai tem dinheiro para estreitar o árduo caminho do sucesso?
Voz afinada – chata ou não – a moça tem. Ou não driblaria o crivo de críticos selecionados do programa Fama e alcançaria o terceiro posto, depois de desbancar milhares de pretendentes. Beleza e carisma, também. Pelo menos para agradar o grande público e o Faustão. E imagino que ela não queira muito mais do que isso. E não por essa escolha, ela mereça ser classificada de “tapada”, como escreveu alguém. Para ficar nesse adjetivo.
Talvez pela carência de bons nomes na seara da música regionalista ou pela luta incansável de compositores fantásticos da nossa terra em alcançar um terço do espaço na mídia nacional, já conseguido por Marina, tamanhas críticas da imprensa (algumas exageradas e de auto-promoção). Acho injusto. Marina Elali não toma o lugar de ninguém. Se merece mais ou menos do que outrem é outra questão.
Então, deixem a moça trabalhar, se cercar de seguranças e se pensar já uma estrela do pop nacional. Ora, a vida é uma grande ilusão!
De antemão afirmo que não aprecio o estilo musical de Marina Elali. Basta dizer que detesto Mariah Carey e Celina Dion. Também discordo que valha a comparação entre ela e Roberta Sá – também usada pela maioria dos colegas de imprensa. São estilos, posturas e público diferentes. Ou alguém imagina Marina Elali circulando entre os bons da MPB, como Max de Castro, Pedro Luís ou mesmo a tal Mariana Aydar?
O espaço buscado por Marina é outro: o popular, da grande massa; das músicas de fácil aceitação. Antes fosse um trabalho voltado à nossa música de raiz, maravilhosamente trilhado por Khrystal. Não é, infelizmente. Marina escolheu o caminho mais fácil, da maioria. E daí, também, se ela ou o pai tem dinheiro para estreitar o árduo caminho do sucesso?
Voz afinada – chata ou não – a moça tem. Ou não driblaria o crivo de críticos selecionados do programa Fama e alcançaria o terceiro posto, depois de desbancar milhares de pretendentes. Beleza e carisma, também. Pelo menos para agradar o grande público e o Faustão. E imagino que ela não queira muito mais do que isso. E não por essa escolha, ela mereça ser classificada de “tapada”, como escreveu alguém. Para ficar nesse adjetivo.
Talvez pela carência de bons nomes na seara da música regionalista ou pela luta incansável de compositores fantásticos da nossa terra em alcançar um terço do espaço na mídia nacional, já conseguido por Marina, tamanhas críticas da imprensa (algumas exageradas e de auto-promoção). Acho injusto. Marina Elali não toma o lugar de ninguém. Se merece mais ou menos do que outrem é outra questão.
Então, deixem a moça trabalhar, se cercar de seguranças e se pensar já uma estrela do pop nacional. Ora, a vida é uma grande ilusão!
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
A vida é mesmo uma ilusão
Reafirmo sem medo de errar: a vida é uma ilusão, sim, amigo leitor. Li em matéria publicada hoje no Diário que a lua cheia tem o mesmo tamanho quando está próxima do horizonte ou mais acima no céu. A impressão de que está maior quando sai do mar não passa de uma “grande ilusão”, segundo astrônomos. E por essas e outras ouso afirmar que precisamos das ilusões para a boa vida.
É bom iludir-se com as alegrias onustas do verão ou com a ansiedade da chegada dos fins de semana. É bom se deixar enganar e pensar que o homem foi feito para amar. Ora, e atire a primeira pedra quem não espera a paz chegar sem mover uma palha para isso. É porque a ilusão contamina e embriaga. E pra que negar? Como é bom o prazer da embriagues e do sonho feliz!
Pode ser que aqueles tempos infantis morassem em um terreno outro que não o da realidade pura e selvagem. Tempos de chãos escorregadios e inocência em que os fantasmas das frustrações eram esquecidos no instante seguinte. São lembranças grandiosas. Não pertencem a estes cenários tão cheios de cinza. São recordações cuja proprietária é a ilusão, aquela mesma da família dos que ainda sonham serem felizes.
É bom iludir-se com as alegrias onustas do verão ou com a ansiedade da chegada dos fins de semana. É bom se deixar enganar e pensar que o homem foi feito para amar. Ora, e atire a primeira pedra quem não espera a paz chegar sem mover uma palha para isso. É porque a ilusão contamina e embriaga. E pra que negar? Como é bom o prazer da embriagues e do sonho feliz!
Pode ser que aqueles tempos infantis morassem em um terreno outro que não o da realidade pura e selvagem. Tempos de chãos escorregadios e inocência em que os fantasmas das frustrações eram esquecidos no instante seguinte. São lembranças grandiosas. Não pertencem a estes cenários tão cheios de cinza. São recordações cuja proprietária é a ilusão, aquela mesma da família dos que ainda sonham serem felizes.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
Do peso da existência
Se minha presença diminuiu por aqui não é em função do período festivo ou de férias. É que meu pai está enfermo no leito de um hospital. Lembro de uma frase de Neruda: também “estou cansado de ser homem”, de ser gente. A existência pesa, amigo leitor. Por vezes sinto-me mais velho que meu velho pai. Esqueço o vigor da juventude para mergulhar em reflexões e justificativas para tantos pedregulhos no caminho da vida. Os livros – amigos fiéis – não morrem.
A vida é uma benção de Deus. É sim. Mas há os acasos – as linhas tortas de Deus. E se mais das vezes eles surgem para quebrar a monotonia dos dias, também armam surpresas que mancham de cinza as cores fortes do crepúsculo – instante mágico do dia. A fé costuma rir disso tudo. Olha de cima os acontecimentos recheados de acasos e bem sabe quais os propósitos para tantas tristezas. Guarda para si as razões para que as crenças se fortaleçam. e é na minha fé que posso reafirmar: a vida é um arroubo de ilusão.
A vida é uma benção de Deus. É sim. Mas há os acasos – as linhas tortas de Deus. E se mais das vezes eles surgem para quebrar a monotonia dos dias, também armam surpresas que mancham de cinza as cores fortes do crepúsculo – instante mágico do dia. A fé costuma rir disso tudo. Olha de cima os acontecimentos recheados de acasos e bem sabe quais os propósitos para tantas tristezas. Guarda para si as razões para que as crenças se fortaleçam. e é na minha fé que posso reafirmar: a vida é um arroubo de ilusão.
terça-feira, 18 de dezembro de 2007
Nas asas da história
Assisti ontem ao auto de Parnamirim. Achei mais simpático do que qualquer outro que vi até agora, mesmo as grandes produções dos de Mossoró ou o belíssimo espetáculo de Natal. Fui ano passado também e já noto uma tímida evolução. A segunda edição do espetáculo Nas Asas da História encenou a trajetória de nascimento da cidade a partir das notícias transmitidas pelas duas antigas amplificadoras do então vilarejo. As chamadas Bocas de Ferro eram o meio por onde os parnamirinenses recebiam notícias do mundo – uma espécie de alto-falante de Luís Romão, que “ajuntava” populares em Natal para ouvir notícias da Guerra.
O escritor e ensaísta Tarcísio Gurgel trouxe para narrar a história o locutor da primeira amplificadora da cidade – a Santo Antônio –, Oswaldo Moreira, além do professor de história Maurílio, que ministra aulas na Escola Municipal Augusto Severo. No palco, mais de 60 atores parnamirinenses. Coisa bonita de se ver. A estética Armorial – herança do romanceiro popular nordestino – incorporada ao espetáculo, aliado ao didatismo da peça facilitou o entendimento do público em conhecer a história luta de Parnamirim.
Tarcísio Gurgel – que já emprestou seu talento ao Auto de Natal – conseguiu mais uma vez inserir a história de nascimento de Jesus à história de fundação de Parnamirim. E se neste novo espetáculo (que se estende até amanhã no Parque Aluízio Alves) a história parte de personagens populares como as lavadeiras do bairro parnamirinense de Passagem de Areia, a tradição da atividade aeroviária da cidade não ficou de fora. E lá estava o piloto francês Paul Vachet e seu linguajar francês-tupiniquim prevendo o “progressór” de Parnamirim Field com a construção da Base Aérea.
Os aviões eram comuns em Parnamirim mesmo antes da construção da Base. As aeronaves comerciais da Air France sobrevoavam a cidade e pousavam no Rio Potengi. Mas foi a construção de uma Base Aérea, que viria a ser a proteção das Américas e empregaria mais de 80 mil pessoas o motivo para imigração de milhares de pessoas em busca de melhores condições de vida. E Tarcísio Gurgel foi buscar nos moradores antigos de Passagem de Areia a história das lavadeiras que migraram para os arredores da Base para lavar os uniformes dos militares e formarem um dos primeiros bairros da cidade – fundada em 17 de dezembro de 1958.
E um dos personagens de Passagem de Areia é o marceneiro José e sua mulher, a lavadeira Maria. Qualquer semelhança com o nome do casal bíblico não é mera coincidência. José e Maria fugiram da miséria em busca de trabalho e uma terra mais promissora para criar o filho que estava por nascer. Jesus nasce junto com a cidade de Parnamirim. Os três Reis Magos – representando a diversidade religiosa da cidade com o catolicismo, o candomblé e o protestantismo – abençoaram o menino Jesus, em cena depois já mais crescido e bonito, como a cidade Trampolim da Vitória próspera.
A adoção da estética Armorial tem sido fórmula para apresentações de sucesso indiscutível pelo Nordeste. Mas é um toque ousado e o diretor do espetáculo, Lindemberg Faria (integrante do Grupo Brincarte) recebe todo o mérito. A infra-estrutura do auto de Parnamirim está aquém do de Natal ou dos oratórios e autos mossoroenses. E talvez aí resida o charme do espetáculo. O palco é pequeno e relativamente baixo. Em frente, o grande público sentado em cadeiras de plástico. Na primeira fila, o prefeito Agnelo Alves e o autor do texto, Tarcísio Gurgel. É visível o tom popular do auto, muito mais do que enseja a intenção e a tradição de um espetáculo com este estilo.
O cenário foi menos produzido e criativo do que na primeira edição, quando a figura de uma aeronave apontada para o céu metaforizava a ligação da cidade com a atividade aeroviária. Nada que prejudicasse a contação de uma história gloriosa (que este ano recebeu o nome de Alô Sim, Alô não. Com vocês, Parnamirim!) que cada vez mais se incorpora na memória dos parnamirinenses. Afinal, como indagou pela segunda vez o texto da peça, uma cidade o que é? O que foi? O que será? E já responde: “Uma cidade se justifica por sua história e seu povo”.
O escritor e ensaísta Tarcísio Gurgel trouxe para narrar a história o locutor da primeira amplificadora da cidade – a Santo Antônio –, Oswaldo Moreira, além do professor de história Maurílio, que ministra aulas na Escola Municipal Augusto Severo. No palco, mais de 60 atores parnamirinenses. Coisa bonita de se ver. A estética Armorial – herança do romanceiro popular nordestino – incorporada ao espetáculo, aliado ao didatismo da peça facilitou o entendimento do público em conhecer a história luta de Parnamirim.
Tarcísio Gurgel – que já emprestou seu talento ao Auto de Natal – conseguiu mais uma vez inserir a história de nascimento de Jesus à história de fundação de Parnamirim. E se neste novo espetáculo (que se estende até amanhã no Parque Aluízio Alves) a história parte de personagens populares como as lavadeiras do bairro parnamirinense de Passagem de Areia, a tradição da atividade aeroviária da cidade não ficou de fora. E lá estava o piloto francês Paul Vachet e seu linguajar francês-tupiniquim prevendo o “progressór” de Parnamirim Field com a construção da Base Aérea.
Os aviões eram comuns em Parnamirim mesmo antes da construção da Base. As aeronaves comerciais da Air France sobrevoavam a cidade e pousavam no Rio Potengi. Mas foi a construção de uma Base Aérea, que viria a ser a proteção das Américas e empregaria mais de 80 mil pessoas o motivo para imigração de milhares de pessoas em busca de melhores condições de vida. E Tarcísio Gurgel foi buscar nos moradores antigos de Passagem de Areia a história das lavadeiras que migraram para os arredores da Base para lavar os uniformes dos militares e formarem um dos primeiros bairros da cidade – fundada em 17 de dezembro de 1958.
E um dos personagens de Passagem de Areia é o marceneiro José e sua mulher, a lavadeira Maria. Qualquer semelhança com o nome do casal bíblico não é mera coincidência. José e Maria fugiram da miséria em busca de trabalho e uma terra mais promissora para criar o filho que estava por nascer. Jesus nasce junto com a cidade de Parnamirim. Os três Reis Magos – representando a diversidade religiosa da cidade com o catolicismo, o candomblé e o protestantismo – abençoaram o menino Jesus, em cena depois já mais crescido e bonito, como a cidade Trampolim da Vitória próspera.
A adoção da estética Armorial tem sido fórmula para apresentações de sucesso indiscutível pelo Nordeste. Mas é um toque ousado e o diretor do espetáculo, Lindemberg Faria (integrante do Grupo Brincarte) recebe todo o mérito. A infra-estrutura do auto de Parnamirim está aquém do de Natal ou dos oratórios e autos mossoroenses. E talvez aí resida o charme do espetáculo. O palco é pequeno e relativamente baixo. Em frente, o grande público sentado em cadeiras de plástico. Na primeira fila, o prefeito Agnelo Alves e o autor do texto, Tarcísio Gurgel. É visível o tom popular do auto, muito mais do que enseja a intenção e a tradição de um espetáculo com este estilo.
O cenário foi menos produzido e criativo do que na primeira edição, quando a figura de uma aeronave apontada para o céu metaforizava a ligação da cidade com a atividade aeroviária. Nada que prejudicasse a contação de uma história gloriosa (que este ano recebeu o nome de Alô Sim, Alô não. Com vocês, Parnamirim!) que cada vez mais se incorpora na memória dos parnamirinenses. Afinal, como indagou pela segunda vez o texto da peça, uma cidade o que é? O que foi? O que será? E já responde: “Uma cidade se justifica por sua história e seu povo”.
segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
Para disfarçar tristezas de dezembro
Para mascarar momentos difíceis e abocanhar algumas lascas de tempo, deixo com vocês poesia do poeta dos mares calmos de Macau, Gilberto Avelino. São palavras com gosto de maresia e caju; palavras de dezembro, que soam alegres, boas para o instante:
Na piscina
Aquém do mar,
a piscina
de águas azuis.
As sombras,
os ventos,
as mesas,
brancas,
circulando
a piscina.
A suavidade
da água de cocos.
Ou o doce e fino
sabor
da água das fontes,
após
comer-se
a leve gordura dos cascos,
a clara carne
das patas
dos vermelhos
caranguejos cozidos.
Ainda,
a carne seca,
assada nas brasas,
flamejando.
Em copos de cristal,
a tênue espuma
do vinho
branco
ou tinto,
com verdes-azeitonas
boiando.
Enterneciam a manhã
os blues
de Louis Armstrong.
Aquém do mar,
a piscina
de águas azuis.
De repente
vinhas,
a davas ao corpo
a carícia das águas.
Com o exíguo vestir,
em relevo expunhas
ao sol
o viço
da inapagável beleza
do teu corpo.
E do olhar
nasciam-me
salsas enlaçantes.
Não te esqueças,
portanto,
girassol de dezembro,
de que sempre volto
a ver
o azul dessas águas.
(Gilberto Avelino)
Na piscina
Aquém do mar,
a piscina
de águas azuis.
As sombras,
os ventos,
as mesas,
brancas,
circulando
a piscina.
A suavidade
da água de cocos.
Ou o doce e fino
sabor
da água das fontes,
após
comer-se
a leve gordura dos cascos,
a clara carne
das patas
dos vermelhos
caranguejos cozidos.
Ainda,
a carne seca,
assada nas brasas,
flamejando.
Em copos de cristal,
a tênue espuma
do vinho
branco
ou tinto,
com verdes-azeitonas
boiando.
Enterneciam a manhã
os blues
de Louis Armstrong.
Aquém do mar,
a piscina
de águas azuis.
De repente
vinhas,
a davas ao corpo
a carícia das águas.
Com o exíguo vestir,
em relevo expunhas
ao sol
o viço
da inapagável beleza
do teu corpo.
E do olhar
nasciam-me
salsas enlaçantes.
Não te esqueças,
portanto,
girassol de dezembro,
de que sempre volto
a ver
o azul dessas águas.
(Gilberto Avelino)
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
Nem sempre vale a intenção
Cheguei por volta das 19h30 ontem no estádio Machadão para cobrir a mais nova atração do projeto Natal em Natal: o Festival da Música. Encantei-me com o Balé da Cidade do Natal e a peça inspirada no romance de Dona Militana. Cheguei depois do Boi de Reis – herança de Manoel Marinheiro. Achei fraca a performance de Rodolfo Amaral e saí antes do show de Rita Lee.
Minha decepção foi com o local do evento. Assisti praticamente todas as edições do Auto e do Festival, no Anfiteatro do Campus da UFRN. Escutava reclamações de que faltava espaço. Muitas pessoas assistiam em pé. Mas éramos felizes e não sabíamos (?). Sentia-me no Bem Brasil (programa musical da TV Universitária) ou mesmo em uma arena romana.
No anfiteatro, o Auto era mais Auto. E com o perdão do trocadilho, ali do alto tínhamos uma visibilidade perfeita das apresentações. O espaço ficou apertado, sobretudo nos últimos anos quando o evento se popularizou e evoluiu. Ora, oferta gratuita, de qualidade e de fácil acesso...
Grande número de pessoas assistia em pé. Mas sabe quando tem gente fodida e rindo da vida? Ali tinha calor humano. Se era em pé, era também em grupo. Confesso que a sensação deixada ano passado foi a de que o local ficou pequeno ou que necessitaria de mudanças. Mas que fosse para melhor. Um dos entrevistados de ontem disse que a solução seria melhor estruturação lá, no Anfiteatro. Não a mudança de local.
A reclamação das pessoas no Machadão era da falta de visibilidade. E com razão. Sentadinhas na grama, as pessoas assistiam praticamente a parede de uma espécie de passarela colocada em frente ao palco. Os fotógrafos tiveram dificuldades para um clique perfeito. Era difícil enxergar o corpo inteiro da pessoa. Já o palco principal, estava ainda mais distante, atrás da passarela e ainda protegido por grades. Sempre ouvi que o artista tem de estar onde o povo está.
Outro ponto falho: as pessoas ficavam dispersas. Além do palco distante, dois telões foram colocados para melhor visualização. Nada daquele ponto uno de convergência. Uma turista disse que faltava calor humano. E outra: muitas pessoas entraram pelo acesso errado (o acesso principal) e assistiram os shows da arquibancada.
Elogio desde sempre a gestão atual da Fundação Capitania das Artes e seu presidente, Dácio Galvão. O prefeito Carlos Eduardo Alves tem investido muito na cultura. As intenções são sempre as melhores. Essa semana, o secretário de Turismo, Fernando Bezerril, me disse que o projeto Natal em Natal estava engavetado há 18 anos e só agora alguém pôs em prática. E não duvido. O que acho que falta é saber por em prática. Explico:
Nada melhor que boas ofertas culturais e gratuitas, como o Festival da Música, o Encontro Nacional de Escritores e o Festival de Cinema. Mas esses três eventos precisam serem reformulados. São excelentes idéias que com melhor visão e planejamento podem se tornar eventos consolidados na cidade.
O ENE trouxe este ano uma lista de escritores nacionais e locais variada e de qualidade indiscutível. Faltou organização e infra-estrutura. O formato de uma grande tenda climatizada não cabe. E isso ficou provado no show de Zeca Baleiro quando uma multidão quase invadiu o local. O Festival de Cinema tem uma proposta interessante, mas insiste em exibir filmes já caducos. Quando a coisa é pública, nem sempre o que vale é a intenção. Acho que é isso.
Minha decepção foi com o local do evento. Assisti praticamente todas as edições do Auto e do Festival, no Anfiteatro do Campus da UFRN. Escutava reclamações de que faltava espaço. Muitas pessoas assistiam em pé. Mas éramos felizes e não sabíamos (?). Sentia-me no Bem Brasil (programa musical da TV Universitária) ou mesmo em uma arena romana.
No anfiteatro, o Auto era mais Auto. E com o perdão do trocadilho, ali do alto tínhamos uma visibilidade perfeita das apresentações. O espaço ficou apertado, sobretudo nos últimos anos quando o evento se popularizou e evoluiu. Ora, oferta gratuita, de qualidade e de fácil acesso...
Grande número de pessoas assistia em pé. Mas sabe quando tem gente fodida e rindo da vida? Ali tinha calor humano. Se era em pé, era também em grupo. Confesso que a sensação deixada ano passado foi a de que o local ficou pequeno ou que necessitaria de mudanças. Mas que fosse para melhor. Um dos entrevistados de ontem disse que a solução seria melhor estruturação lá, no Anfiteatro. Não a mudança de local.
A reclamação das pessoas no Machadão era da falta de visibilidade. E com razão. Sentadinhas na grama, as pessoas assistiam praticamente a parede de uma espécie de passarela colocada em frente ao palco. Os fotógrafos tiveram dificuldades para um clique perfeito. Era difícil enxergar o corpo inteiro da pessoa. Já o palco principal, estava ainda mais distante, atrás da passarela e ainda protegido por grades. Sempre ouvi que o artista tem de estar onde o povo está.
Outro ponto falho: as pessoas ficavam dispersas. Além do palco distante, dois telões foram colocados para melhor visualização. Nada daquele ponto uno de convergência. Uma turista disse que faltava calor humano. E outra: muitas pessoas entraram pelo acesso errado (o acesso principal) e assistiram os shows da arquibancada.
Elogio desde sempre a gestão atual da Fundação Capitania das Artes e seu presidente, Dácio Galvão. O prefeito Carlos Eduardo Alves tem investido muito na cultura. As intenções são sempre as melhores. Essa semana, o secretário de Turismo, Fernando Bezerril, me disse que o projeto Natal em Natal estava engavetado há 18 anos e só agora alguém pôs em prática. E não duvido. O que acho que falta é saber por em prática. Explico:
Nada melhor que boas ofertas culturais e gratuitas, como o Festival da Música, o Encontro Nacional de Escritores e o Festival de Cinema. Mas esses três eventos precisam serem reformulados. São excelentes idéias que com melhor visão e planejamento podem se tornar eventos consolidados na cidade.
O ENE trouxe este ano uma lista de escritores nacionais e locais variada e de qualidade indiscutível. Faltou organização e infra-estrutura. O formato de uma grande tenda climatizada não cabe. E isso ficou provado no show de Zeca Baleiro quando uma multidão quase invadiu o local. O Festival de Cinema tem uma proposta interessante, mas insiste em exibir filmes já caducos. Quando a coisa é pública, nem sempre o que vale é a intenção. Acho que é isso.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
E o palco se despede de Glorinha...
A relação de Glorinha Oliveira com os palcos merecia crônica de Nelson Rodrigues. É quase um caso de obsessão. O palco, o amante insaciável. Glorinha, a moça carente de amores. Durante mais de 70 anos, um completou o outro de forma avassaladora. A dupla ficou famosa. A voz jovial e potente de Glorinha jorrou amor pelos quatro cantos do Norte e Nordeste durante décadas. Aos 82 anos, Maria da Glória Mendes Oliveira se despediu do companheiro fiel. Os presentes na Assembléia Legislativa ontem assistiram a triste separação. E logo na abertura, cantou sua última canção, talvez, oferecida ao palco amado: “Eu sei que vou te amar. Por toda minha vida, eu vou te amar. Em cada despedida eu vou te amar...”.
Em cada aforismo há uma ponta de razão e a primeira impressão é mesmo a que fica. Por isso, a primeira associação feita a Glorinha não é com seu amante-palco, mas com seu primeiro amor: o rádio. Em verdade, como ela mesmo confessou, o gosto maior é o de chegar e cantar, sem querelas burocráticas. Ainda está desacostumada com parafernalhas eletrônicas e a montagem do... palco. É, ele já não é mais aquele. Mesmo nas rádios de outrora, como a pioneira Rádio Educadora de Natal havia espaço para grandes orquestras, como a de Waldemar Ernesto, e tudo ao vivo, na “bucha”. Na noite de ontem, ela esperou o fim da sessão da AL, assistiu entrega de troféus e uma banda cover de músicas internacionais abrir a noite para só então despejar seu canto para mais de 300 pessoas a sua espera.
Pareceu emocionada. Na platéia estava filho, neto, amigos de longa data como Ana Maria Cascudo, músicos de ontem e de hoje. Confessou antes de pisar o palco ter adorado a homenagem ainda em vida. E que vida. Mesmo aos 82 anos, a rouxinol potiguar é ativa como jovem. Costuma acordar por volta das 5h, caminha, faz ginástica de consciência corporal, participa de coral, lê jornais impressos, ouve muita música (reclama muito da programação das rádios e enaltece a Rádio Universitária) e tem como vício preencher palavras cruzadas. É uma por dia, segundo seu filho Aécio. E se depender da herança genética... Sua mãe morreu com 104 anos.
Fiz entrevista com ela a ser publicada amanhã no Diário de Natal. Foi feita às pressas. Cada fim de resposta vinha seguido de um “pronto, meu filho do olho lindo?”. Glorinha se preparava para cantar e encerrar a programação da Assembléia Cultural de 2007. Quando recebeu o convite, decidiu que encerraria sua participação nos palcos. Estava alegre, meio alvoroçada. Mesmo as perguntas mais “delicadas”, respondeu sem mágoas, embora tenha parado um pouco para pensar. Talvez algumas lembranças desagradáveis tenham passado pela mente. Nas entrevista de amanhã, Glorinha Oliveira comenta do único arrependimento em mais de 70 anos de carreira, e confessa ter sido de cima de um pé de sapoti, na residência em que morava nas Rocas, o despertar para a música, como um rouxinol.
Em cada aforismo há uma ponta de razão e a primeira impressão é mesmo a que fica. Por isso, a primeira associação feita a Glorinha não é com seu amante-palco, mas com seu primeiro amor: o rádio. Em verdade, como ela mesmo confessou, o gosto maior é o de chegar e cantar, sem querelas burocráticas. Ainda está desacostumada com parafernalhas eletrônicas e a montagem do... palco. É, ele já não é mais aquele. Mesmo nas rádios de outrora, como a pioneira Rádio Educadora de Natal havia espaço para grandes orquestras, como a de Waldemar Ernesto, e tudo ao vivo, na “bucha”. Na noite de ontem, ela esperou o fim da sessão da AL, assistiu entrega de troféus e uma banda cover de músicas internacionais abrir a noite para só então despejar seu canto para mais de 300 pessoas a sua espera.
Pareceu emocionada. Na platéia estava filho, neto, amigos de longa data como Ana Maria Cascudo, músicos de ontem e de hoje. Confessou antes de pisar o palco ter adorado a homenagem ainda em vida. E que vida. Mesmo aos 82 anos, a rouxinol potiguar é ativa como jovem. Costuma acordar por volta das 5h, caminha, faz ginástica de consciência corporal, participa de coral, lê jornais impressos, ouve muita música (reclama muito da programação das rádios e enaltece a Rádio Universitária) e tem como vício preencher palavras cruzadas. É uma por dia, segundo seu filho Aécio. E se depender da herança genética... Sua mãe morreu com 104 anos.
Fiz entrevista com ela a ser publicada amanhã no Diário de Natal. Foi feita às pressas. Cada fim de resposta vinha seguido de um “pronto, meu filho do olho lindo?”. Glorinha se preparava para cantar e encerrar a programação da Assembléia Cultural de 2007. Quando recebeu o convite, decidiu que encerraria sua participação nos palcos. Estava alegre, meio alvoroçada. Mesmo as perguntas mais “delicadas”, respondeu sem mágoas, embora tenha parado um pouco para pensar. Talvez algumas lembranças desagradáveis tenham passado pela mente. Nas entrevista de amanhã, Glorinha Oliveira comenta do único arrependimento em mais de 70 anos de carreira, e confessa ter sido de cima de um pé de sapoti, na residência em que morava nas Rocas, o despertar para a música, como um rouxinol.
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
Velho, meu querido velho
Meu velho é um bom tipo. Desses bem quistos por aqui e alhures. Bebe, conversa alto. É indiscreto como só ele. Ainda carrega a disposição daquele jovem economista imaturo de três empregos. E que de tanto seguir andando alcançou o peso da idade. Completou 60 anos em novembro. Agora é “sex”, de sexagenário, como brinca.
O estudo há quase 30 anos. E sei que meu velho guarda qualidade pouco vista hoje: ele sabe curtir a tristeza e as frustrações da vida. E tem hora marcada pra isso. Costuma apreciá-las aos domingos, quando coloca um tamborete em frente ao fogão e prepara o tira-gosto para tomar com cachaça. No som pequenino, do qual mal sabe mexer, o som das letras doídas de Altermar Dutra e Núbia Lafaiette – companheiros da tristeza infinita.
Somos diferentes. Seguimos por caminhos opostos em tantas ideologias que mais das vezes penso serem inúteis neste caminhar apressado de vida. Já não há espaço para lutas ou posicionamentos. Vivemos a época da descrença. Talvez no tempo do meu velho os cenários fossem mais românticos e sequer comparavam a esperança com o medo.
Os tempos são outros. Eu e ele vivemos os dias de hoje. Ele, com as nostalgias de uma época mais colorida. Eu, com os lamentos do tempo-hoje. Meu querido velho briga hoje contra as artimanhas do acaso – mais uma luta travada, entre tantas outras. Eu resmungo do tempo – sempre impiedoso.
Se o tempo é o perfume da vida, alguma ironia ele há de carregar nesta sua inquietude eterna. Ele tem andado de mãos dadas com meu pai, neste embate contra o acaso. Mas os avanços da medicina não sabem carregar a essência do tempo. E por isso luto só contra esse viajante invisível. Perco a cada milésimo de segundo uma batalha e assisto o caminhar inexorável da existência.
E se não bastasse tanta ironia e sarcasmos, e após tantas derrotas, temos a sensação, no fim, de que somos vencedores. “Coisas da vida”, como costumam justificar os filósofos do cotidiano. Fato, meu querido velho, é que sou sangue do teu sangue. E isso nem o tempo – amigo teu nestas horas – nem as ironias da vida podem modificar.
O estudo há quase 30 anos. E sei que meu velho guarda qualidade pouco vista hoje: ele sabe curtir a tristeza e as frustrações da vida. E tem hora marcada pra isso. Costuma apreciá-las aos domingos, quando coloca um tamborete em frente ao fogão e prepara o tira-gosto para tomar com cachaça. No som pequenino, do qual mal sabe mexer, o som das letras doídas de Altermar Dutra e Núbia Lafaiette – companheiros da tristeza infinita.
Somos diferentes. Seguimos por caminhos opostos em tantas ideologias que mais das vezes penso serem inúteis neste caminhar apressado de vida. Já não há espaço para lutas ou posicionamentos. Vivemos a época da descrença. Talvez no tempo do meu velho os cenários fossem mais românticos e sequer comparavam a esperança com o medo.
Os tempos são outros. Eu e ele vivemos os dias de hoje. Ele, com as nostalgias de uma época mais colorida. Eu, com os lamentos do tempo-hoje. Meu querido velho briga hoje contra as artimanhas do acaso – mais uma luta travada, entre tantas outras. Eu resmungo do tempo – sempre impiedoso.
Se o tempo é o perfume da vida, alguma ironia ele há de carregar nesta sua inquietude eterna. Ele tem andado de mãos dadas com meu pai, neste embate contra o acaso. Mas os avanços da medicina não sabem carregar a essência do tempo. E por isso luto só contra esse viajante invisível. Perco a cada milésimo de segundo uma batalha e assisto o caminhar inexorável da existência.
E se não bastasse tanta ironia e sarcasmos, e após tantas derrotas, temos a sensação, no fim, de que somos vencedores. “Coisas da vida”, como costumam justificar os filósofos do cotidiano. Fato, meu querido velho, é que sou sangue do teu sangue. E isso nem o tempo – amigo teu nestas horas – nem as ironias da vida podem modificar.
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
Um "Vermelho" de bem com a vida
Recebi dia desses imeio do poeta baiano e uma das estrelas do Encontro Natalense de Escritores, Jorge Salomão, com elogios à entrevista que fiz com ele durante o evento, publicada na edição de O Poti. “Ficou excelente”, disse o poeta. Confesso que temi enviar-lhe o imeio – a pedido dele – com a matéria e a classificação de porra-loca que lhe atribui. Mas valeu. Fica uma ponta de inveja do poeta, feliz com tudo, mesmo com as dificuldades. E segue a entrevista:
Tem gente que tem o mundo como quintal. Nasceu pra fazer barulho, curtir até as dificuldades do cotidiano e viver como um... porra-louca, no melhor sentido da expressão. Parece coisa de baiano, que diz que não nasce, mas estréia. É assim com o multi-artista Jorge Salomão. Socialista convicto e agitador cultural, costuma seguir as letras do irmão Waly Salomão (1943 – 2003) e diz que também “não precisa de muito dinheiro, graças a Deus” – frase da célebre composição de Waly e Jards Macalé, Vapor Barato.
Jorge Salomão esteve no Encontro Natalense de Escritores (ENE). Trouxe o CD de poesias Cru Tecnológico pra vender. O nome do CD representa mesmo a junção de conceitos e mídias. E, claro, o trabalho tem a assinatura do baiano e é totalmente fora do convencional. Traz um formato diferente de apresentar poesias (ou anti-poesias, como disse) com sonorizações que oferecem textura às palavras. O resultado são novas interpretações e sensações. Coisa nata da poesia, mas que agora recebe um empurrão da musicalidade.
E a música está na trajetória de Jorge Salomão. Ele tem composições gravadas por Barão Vermelho, Marina, Zizi Possi e outros grandes da MPB. Produziu cenários e capas de discos de Caetano Veloso, Lobão. A semelhança com o irmão Waly não está apenas na aparência física. Ambos participaram ativamente do movimento tropicalista, na década de 70 e têm trabalhos consideráveis na música, artes plásticas e literatura.
Aos 61 anos, Jorge Salomão ainda fala cantando. Talvez por já ter sido preso e torturado pela ditadura, se diz mais livre, mesmo sem ter muito dinheiro, “graças a Deus”. Encarna um pouco o jeito brasileiro: se há problemas, “deixa a vida me levar”. Se diz um malabarista da vida, em suas contradições e conceitos. Como a ânsia de criança, ainda busca desvendar mistérios, sobretudo os da poesia e da música. Também de espírito jovial, ainda nutre o mesmo entusiasmo dos ideais estudantis socialistas que mercaram as décadas de 60 e 70.
Jorge Salomão concedeu a entrevista ao lado da deputada federal Fátima Bezerra. Ela esboçou sorriso leve quando o repórter perguntou ao entrevistado sobre o prazo de validade dos desejos de implantação do socialismo. O sorriso se alargou com a resposta do amigo Jorge: um dos “vermelhos” de uma época ainda presente na alma e nas palavras de Jorge Salomão.
Sérgio Vilar - O senhor trabalha com artes plásticas, música, poesia, ficção. Como faz para garimpar seu nome em cada segmento?
Jorge Salomão - Vejo tudo como um brinquedo, uma arte, um jogo. Eu detalho bem. Tenho uma capacidade de concentração ótima em qualquer trabalho. Já fiz cenários, capas de discos, poemas, livros, vídeos, o escambal. Acho que nos concentrando resolvemos o trabalho em si. Quanto à conceituação, sobre se você faz o quê, já deixei de lado isso. Eu me encontro como artista, um malabarista. Pra se viver no Brasil tem que ser malabarista. A arte manda no todo. Eu me concentro e detono.
Veríssimo perguntou a Zuenir qual profissão ele assinava no registro do hotel. Qual a sua?
Varia. Um dia boto uma coisa, outro boto outra. Gosto de brincar com os códigos. A burocracia oprime muito as pessoas. Com certa dose de humor vamos levando. Já coloquei tanta maluquice em recepção de hotel. Já botei que era bailarino, dançarino, malabarista. Enquanto há vida temos direito de exercitar o criativo ao excesso. O homem comum é travado. Não se interessa por exercer a liberdade e trabalha muito a dor. Os artistas trabalham mais o prazer.
Essa alegria é coisa de baiano, de artista ou um manifesto contra a intolerância?
Gostei da colocação. É, sim, um manifesto contra a sisudez. É uma coisa muito própria, desde criança. Também sou muito rebelde porque sou um lutador. Tudo que fiz até agora foi com muita luta. Agora, aos 61 anos, sinto-me mais livre. Não me preocupo com responsabilidades alheias. E as minhas são intrínsecas na minha alegria e na minha liberdade.
Como buscar a essência sendo contraditório?
O Walt Whitman, escritor americano e um dos meus ídolos, tem uma frase que me acompanha sempre: “Contradigo a mim mesmo porque sou vasto”. Temos o direito de exercer a liberdade.
Como inserir a poesia na música?
A poesia e a música são o máximo. O poema é igual a um parto. E a música, também. Eles coexistem por um acontecimento maior. Brotam de coisas que vão tomando a gente totalmente. São descobertas, conhecimentos. O pronto não interessa. O bom é o misterioso, a descoberta.
Qual o melhor intérprete?
Cada intérprete é o melhor em si. O bonito no ser humano são as diferenças. Tem gente que não tem voz nenhuma, mas tem uma preciosidade tão grande na expressão, no jeito.
O senhor já redescobriu uma poesia-música sua após gravada por outrem?
Sempre descobrimos coisas. Não podemos parar o ciclo das coisas. Gosto muito quando gravam coisa minha. Vou contar uma história: quando fiz a música Noite – foi meu maior sucesso na voz de Zizi Possi e que me deu mais dinheiro – eu estava num momento super triste. Eu tinha me apaixonado por uma pessoa que não me deu a maior bola. Eu estava apaixonado e botei pra quebrar. E o bonito é o reflexo da música no sistema social da coisa. As pessoas me paravam na rua e diziam: “Ontem eu namorei tanto ouvindo aquela música”. É bacana isso. É o resultado de um trabalho criativo. Vira uma coisa independente da gente.
Poesia pode ser música e música pode ser poesia?
Acho que sim. São gêmeas, são irmãs, amantes. São próximas.
Seu irmão Wally Salomão (também poeta e compositor) escreveu em celebre canção que “não preciso de muito dinheiro, graças a Deus”. E o senhor?
Ninguém precisa de muito dinheiro pra criar, pra viver. Essa saga, essa coisa horrorosa de correr atrás de dinheiro o tempo todo é uma doença do homem; elimina o prazer, o gozar da existência. Conheço pessoas que têm muito dinheiro e são ocas. Não tenho muito dinheiro, mas vivo bastante. Minha felicidade é a do outro. Tenho uma mente socialista. Tenho 61 anos e me sinto um garoto.
Essa mente socialista tem prazo de validade?
Acho que dura pra sempre. É genético. Meu pai era assim. Minha mãe morreu ano passado com 96 anos e era uma mulher maravilhosa. Quem chegava lá em casa comia, andava, ficava. Eu gosto desse clima social. Minha casa é pequena, mas é aberta. Gosto de cultivar essa coisa de transformação do uno.
Gilberto Gil homenageou você com uma música e o chamou de Jeca Total, Jeca Tatu. Quem é Jorge Salomão?
Essa música nasceu de uma observação minha. Eu andava na rua do Neblon e caía uma chuva forte. Fiquei embaixo de uma marquise de cinema. Quando olhei pra cima passava um filme do Mazaropi chamado Jeca Tatu. Nisso, vem correndo uma moça toda molhada. Era Sônia Braga. Depois, andei umas quatro quadras até a casa de Caetano (Veloso). Quando estou na sala sentado olhando a Sônia Braga na novela Gabriela e aquela cena de ela subindo o telhado, e aqueles quadris, eu falei: “Pô, esse Brasil é um jeca total”. O Caetano disse: “Essa frase é maravilhosa”. E contou pro Gil. Seis dias depois Gil chegou pra mim e disse que fez uma música que seria uma espécie de homenagem a mim. Tudo partiu de um acaso e ficou uma coisa legal.
E Jorge Salomão é fruto de acasos?
É tudo isso e uma pessoa concentrada. Gosto de estar em casa. Eu leio muito. Ouço muita música. Sou bem difícil, mas com coração mole. Gosto de ter amigos e compartilhar o que tenho com outros. Jorge Salomão é uma contradição em si. Mas uma contradição gostosa. Nunca estou próximo ao desespero. Gosto de acordar cedo e andar quilômetros, sempre com um caderno pra anotar detalhes.
Isso é coisa de cronista...
Ah, eu adoro observar. Nasci no interior do Brasil e quando fui pra Salvador estudar, tinha 11 anos, mas já tinha formação básica bacana. Eu lia muito. Eu e meu irmão sempre fomos muito agitadores. Não é à toa que éramos conhecidos como “os vermelhos”. Taí, acho que Jorge Salomão é um vermelho.
MÚSICAS DE JORGE SALOMÃO
NOITE
(Jorge Salomão e Nico Rezende)
Eu fico quieta, não canto
Penso, medito e me espanto
A vida dá voltas, mistérios
O que é que eu vou fazer?!
Sozinha num quarto fechado
Eu vejo a cidade ao longe
Procuro alguém que se esconde
Por onde começar?!
Noite, há horas te espero
E você não chega, ai meu coração!
Fogo aceso, corpo paixão
Sou toda explosão...
SUDOESTE
(Jorge Salomão e Adriana Calcanhoto)
..tenho por princípios
Nunca fechar portas
Mas como mantê-las abertas
O tempo todo
Se em certos dias o vento
Quer derrubar tudo?...
FÚRIA E FOLIA
(Jorge Salomão e Frejat)
Passeando pela cidade destruída bombas
Foram lançadas e tudo reduzido a pó
Na praça aberta sou um colar de livres pensamentos..
Quem quer comprar o jornal de ontem com notícias de anteontem?
Me chamo vento..me chamo vento...
SECO
(Jorge Salomão e Frejat)
Seco
Pareço um enxuto leito de rio
Sem chuva
Nem vegetação
Seco
Igual a carne seca
Fruta seca
Um som seco
Seco
Sem babados
DiretoDespojado
Informação seca
Como um canto
Sem acompanhamento
Com a goela seca
Seco
Batendo na terra
Buscando algo
Que não seja seco
Tem gente que tem o mundo como quintal. Nasceu pra fazer barulho, curtir até as dificuldades do cotidiano e viver como um... porra-louca, no melhor sentido da expressão. Parece coisa de baiano, que diz que não nasce, mas estréia. É assim com o multi-artista Jorge Salomão. Socialista convicto e agitador cultural, costuma seguir as letras do irmão Waly Salomão (1943 – 2003) e diz que também “não precisa de muito dinheiro, graças a Deus” – frase da célebre composição de Waly e Jards Macalé, Vapor Barato.
Jorge Salomão esteve no Encontro Natalense de Escritores (ENE). Trouxe o CD de poesias Cru Tecnológico pra vender. O nome do CD representa mesmo a junção de conceitos e mídias. E, claro, o trabalho tem a assinatura do baiano e é totalmente fora do convencional. Traz um formato diferente de apresentar poesias (ou anti-poesias, como disse) com sonorizações que oferecem textura às palavras. O resultado são novas interpretações e sensações. Coisa nata da poesia, mas que agora recebe um empurrão da musicalidade.
E a música está na trajetória de Jorge Salomão. Ele tem composições gravadas por Barão Vermelho, Marina, Zizi Possi e outros grandes da MPB. Produziu cenários e capas de discos de Caetano Veloso, Lobão. A semelhança com o irmão Waly não está apenas na aparência física. Ambos participaram ativamente do movimento tropicalista, na década de 70 e têm trabalhos consideráveis na música, artes plásticas e literatura.
Aos 61 anos, Jorge Salomão ainda fala cantando. Talvez por já ter sido preso e torturado pela ditadura, se diz mais livre, mesmo sem ter muito dinheiro, “graças a Deus”. Encarna um pouco o jeito brasileiro: se há problemas, “deixa a vida me levar”. Se diz um malabarista da vida, em suas contradições e conceitos. Como a ânsia de criança, ainda busca desvendar mistérios, sobretudo os da poesia e da música. Também de espírito jovial, ainda nutre o mesmo entusiasmo dos ideais estudantis socialistas que mercaram as décadas de 60 e 70.
Jorge Salomão concedeu a entrevista ao lado da deputada federal Fátima Bezerra. Ela esboçou sorriso leve quando o repórter perguntou ao entrevistado sobre o prazo de validade dos desejos de implantação do socialismo. O sorriso se alargou com a resposta do amigo Jorge: um dos “vermelhos” de uma época ainda presente na alma e nas palavras de Jorge Salomão.
Sérgio Vilar - O senhor trabalha com artes plásticas, música, poesia, ficção. Como faz para garimpar seu nome em cada segmento?
Jorge Salomão - Vejo tudo como um brinquedo, uma arte, um jogo. Eu detalho bem. Tenho uma capacidade de concentração ótima em qualquer trabalho. Já fiz cenários, capas de discos, poemas, livros, vídeos, o escambal. Acho que nos concentrando resolvemos o trabalho em si. Quanto à conceituação, sobre se você faz o quê, já deixei de lado isso. Eu me encontro como artista, um malabarista. Pra se viver no Brasil tem que ser malabarista. A arte manda no todo. Eu me concentro e detono.
Veríssimo perguntou a Zuenir qual profissão ele assinava no registro do hotel. Qual a sua?
Varia. Um dia boto uma coisa, outro boto outra. Gosto de brincar com os códigos. A burocracia oprime muito as pessoas. Com certa dose de humor vamos levando. Já coloquei tanta maluquice em recepção de hotel. Já botei que era bailarino, dançarino, malabarista. Enquanto há vida temos direito de exercitar o criativo ao excesso. O homem comum é travado. Não se interessa por exercer a liberdade e trabalha muito a dor. Os artistas trabalham mais o prazer.
Essa alegria é coisa de baiano, de artista ou um manifesto contra a intolerância?
Gostei da colocação. É, sim, um manifesto contra a sisudez. É uma coisa muito própria, desde criança. Também sou muito rebelde porque sou um lutador. Tudo que fiz até agora foi com muita luta. Agora, aos 61 anos, sinto-me mais livre. Não me preocupo com responsabilidades alheias. E as minhas são intrínsecas na minha alegria e na minha liberdade.
Como buscar a essência sendo contraditório?
O Walt Whitman, escritor americano e um dos meus ídolos, tem uma frase que me acompanha sempre: “Contradigo a mim mesmo porque sou vasto”. Temos o direito de exercer a liberdade.
Como inserir a poesia na música?
A poesia e a música são o máximo. O poema é igual a um parto. E a música, também. Eles coexistem por um acontecimento maior. Brotam de coisas que vão tomando a gente totalmente. São descobertas, conhecimentos. O pronto não interessa. O bom é o misterioso, a descoberta.
Qual o melhor intérprete?
Cada intérprete é o melhor em si. O bonito no ser humano são as diferenças. Tem gente que não tem voz nenhuma, mas tem uma preciosidade tão grande na expressão, no jeito.
O senhor já redescobriu uma poesia-música sua após gravada por outrem?
Sempre descobrimos coisas. Não podemos parar o ciclo das coisas. Gosto muito quando gravam coisa minha. Vou contar uma história: quando fiz a música Noite – foi meu maior sucesso na voz de Zizi Possi e que me deu mais dinheiro – eu estava num momento super triste. Eu tinha me apaixonado por uma pessoa que não me deu a maior bola. Eu estava apaixonado e botei pra quebrar. E o bonito é o reflexo da música no sistema social da coisa. As pessoas me paravam na rua e diziam: “Ontem eu namorei tanto ouvindo aquela música”. É bacana isso. É o resultado de um trabalho criativo. Vira uma coisa independente da gente.
Poesia pode ser música e música pode ser poesia?
Acho que sim. São gêmeas, são irmãs, amantes. São próximas.
Seu irmão Wally Salomão (também poeta e compositor) escreveu em celebre canção que “não preciso de muito dinheiro, graças a Deus”. E o senhor?
Ninguém precisa de muito dinheiro pra criar, pra viver. Essa saga, essa coisa horrorosa de correr atrás de dinheiro o tempo todo é uma doença do homem; elimina o prazer, o gozar da existência. Conheço pessoas que têm muito dinheiro e são ocas. Não tenho muito dinheiro, mas vivo bastante. Minha felicidade é a do outro. Tenho uma mente socialista. Tenho 61 anos e me sinto um garoto.
Essa mente socialista tem prazo de validade?
Acho que dura pra sempre. É genético. Meu pai era assim. Minha mãe morreu ano passado com 96 anos e era uma mulher maravilhosa. Quem chegava lá em casa comia, andava, ficava. Eu gosto desse clima social. Minha casa é pequena, mas é aberta. Gosto de cultivar essa coisa de transformação do uno.
Gilberto Gil homenageou você com uma música e o chamou de Jeca Total, Jeca Tatu. Quem é Jorge Salomão?
Essa música nasceu de uma observação minha. Eu andava na rua do Neblon e caía uma chuva forte. Fiquei embaixo de uma marquise de cinema. Quando olhei pra cima passava um filme do Mazaropi chamado Jeca Tatu. Nisso, vem correndo uma moça toda molhada. Era Sônia Braga. Depois, andei umas quatro quadras até a casa de Caetano (Veloso). Quando estou na sala sentado olhando a Sônia Braga na novela Gabriela e aquela cena de ela subindo o telhado, e aqueles quadris, eu falei: “Pô, esse Brasil é um jeca total”. O Caetano disse: “Essa frase é maravilhosa”. E contou pro Gil. Seis dias depois Gil chegou pra mim e disse que fez uma música que seria uma espécie de homenagem a mim. Tudo partiu de um acaso e ficou uma coisa legal.
E Jorge Salomão é fruto de acasos?
É tudo isso e uma pessoa concentrada. Gosto de estar em casa. Eu leio muito. Ouço muita música. Sou bem difícil, mas com coração mole. Gosto de ter amigos e compartilhar o que tenho com outros. Jorge Salomão é uma contradição em si. Mas uma contradição gostosa. Nunca estou próximo ao desespero. Gosto de acordar cedo e andar quilômetros, sempre com um caderno pra anotar detalhes.
Isso é coisa de cronista...
Ah, eu adoro observar. Nasci no interior do Brasil e quando fui pra Salvador estudar, tinha 11 anos, mas já tinha formação básica bacana. Eu lia muito. Eu e meu irmão sempre fomos muito agitadores. Não é à toa que éramos conhecidos como “os vermelhos”. Taí, acho que Jorge Salomão é um vermelho.
MÚSICAS DE JORGE SALOMÃO
NOITE
(Jorge Salomão e Nico Rezende)
Eu fico quieta, não canto
Penso, medito e me espanto
A vida dá voltas, mistérios
O que é que eu vou fazer?!
Sozinha num quarto fechado
Eu vejo a cidade ao longe
Procuro alguém que se esconde
Por onde começar?!
Noite, há horas te espero
E você não chega, ai meu coração!
Fogo aceso, corpo paixão
Sou toda explosão...
SUDOESTE
(Jorge Salomão e Adriana Calcanhoto)
..tenho por princípios
Nunca fechar portas
Mas como mantê-las abertas
O tempo todo
Se em certos dias o vento
Quer derrubar tudo?...
FÚRIA E FOLIA
(Jorge Salomão e Frejat)
Passeando pela cidade destruída bombas
Foram lançadas e tudo reduzido a pó
Na praça aberta sou um colar de livres pensamentos..
Quem quer comprar o jornal de ontem com notícias de anteontem?
Me chamo vento..me chamo vento...
SECO
(Jorge Salomão e Frejat)
Seco
Pareço um enxuto leito de rio
Sem chuva
Nem vegetação
Seco
Igual a carne seca
Fruta seca
Um som seco
Seco
Sem babados
DiretoDespojado
Informação seca
Como um canto
Sem acompanhamento
Com a goela seca
Seco
Batendo na terra
Buscando algo
Que não seja seco
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
Paris, te amo
Suspeito que a visão de qualquer romântico acerca de Paris seja a de uma cidade nascida e perfeita para o amor, onde o universo conspira a favor dos encontros casuais. A quem falta encontrar seu grande amor, a impressão primeira é de que, após tanta procura sem sucesso, a cara metade só pode estar escondida em algum café parisiense.
Pois sugiro ao amigo leitor visitar a Sala 4 do Cinemark e assistir Paris, Te amo (2006), dentro da programação semanal do Cinecult, às 15h. Serão exibidos 18 curtas em que o tema é unicamente o amor, mesmo aquele que poderia ter sido e não foi; o que já existiu e hoje vive de espasmos ou o amor entre pais e filhos.
Em uma visão mais aprofundada do filme, o espectador verá uma obra-prima – arrisco dizer – que retrata uma Paris não como a Cidade Luz ou a capital dos cenários inspiradores de poetas. Talvez, a Paris melancólica do flaneur. Talvez. O que vi foi uma capital onde o amor, os encontros e carências se igualam a tantos outros recantos. Um amor igual ao meu e ao seu.
Claro que a Paris de Truffaut não some de repente na poeira do tempo. Com alguma atenção maior, se verá os pombos, as expressões melancólicas, mas esperançosas do tal encontro com a cara metade e também a Paris do apartheid social, evidente em um dos curtas exibidos. E cada curta estabelece rápida conexão com o espectador – como deve ser – embora uns sejam mais triviais que outros.
É um filme de detalhes e de muita poesia. Os autores conseguiram retratar a alma e a realidade da Paris contemporânea. Não só a do café das tardes de Hemingway. É uma Paris mais próxima dos pobres românticos desaventurosos. E muito desse retrato se deve aos diretores estrangeiros, responsáveis pelo longa. É uma visão curiosa que nos leva a descobrir novos ângulos ainda inexplorados da cidade.
Um dos curtas que compõem o filme é dirigido pelos brasileiros Walter Sales e Daniela Thomas. É um dos melhores. Mas pra este blogueiro, o curta que encerra o longa é o mais interessante e característico da capital francesa. É também da linha do flaneur melancólico. É a essência do fascínio que Paris exerce em cada um: a do amor perfeito.
A personagem é uma caipira norte-americana, gorda e solteira há mais de 11 anos. Deixa-se entrever que ela está ali para encontrar um grande amor. Ela é tragada pela atmosfera da cidade. Sua expressão é triste. Ela visita parques, ruelas, vê casais, famílias, velhos e percebe que o amor é universal e pode ser encontrado em qualquer parte. A diferença, é que ali em Paris, ele está na alma e nos olhos de cada pessoa.
Pois sugiro ao amigo leitor visitar a Sala 4 do Cinemark e assistir Paris, Te amo (2006), dentro da programação semanal do Cinecult, às 15h. Serão exibidos 18 curtas em que o tema é unicamente o amor, mesmo aquele que poderia ter sido e não foi; o que já existiu e hoje vive de espasmos ou o amor entre pais e filhos.
Em uma visão mais aprofundada do filme, o espectador verá uma obra-prima – arrisco dizer – que retrata uma Paris não como a Cidade Luz ou a capital dos cenários inspiradores de poetas. Talvez, a Paris melancólica do flaneur. Talvez. O que vi foi uma capital onde o amor, os encontros e carências se igualam a tantos outros recantos. Um amor igual ao meu e ao seu.
Claro que a Paris de Truffaut não some de repente na poeira do tempo. Com alguma atenção maior, se verá os pombos, as expressões melancólicas, mas esperançosas do tal encontro com a cara metade e também a Paris do apartheid social, evidente em um dos curtas exibidos. E cada curta estabelece rápida conexão com o espectador – como deve ser – embora uns sejam mais triviais que outros.
É um filme de detalhes e de muita poesia. Os autores conseguiram retratar a alma e a realidade da Paris contemporânea. Não só a do café das tardes de Hemingway. É uma Paris mais próxima dos pobres românticos desaventurosos. E muito desse retrato se deve aos diretores estrangeiros, responsáveis pelo longa. É uma visão curiosa que nos leva a descobrir novos ângulos ainda inexplorados da cidade.
Um dos curtas que compõem o filme é dirigido pelos brasileiros Walter Sales e Daniela Thomas. É um dos melhores. Mas pra este blogueiro, o curta que encerra o longa é o mais interessante e característico da capital francesa. É também da linha do flaneur melancólico. É a essência do fascínio que Paris exerce em cada um: a do amor perfeito.
A personagem é uma caipira norte-americana, gorda e solteira há mais de 11 anos. Deixa-se entrever que ela está ali para encontrar um grande amor. Ela é tragada pela atmosfera da cidade. Sua expressão é triste. Ela visita parques, ruelas, vê casais, famílias, velhos e percebe que o amor é universal e pode ser encontrado em qualquer parte. A diferença, é que ali em Paris, ele está na alma e nos olhos de cada pessoa.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
De incertezas da vida
Há quem prefira se valer com santos, com orações ou outros apegos. Prefiro a reflexão ou o amparo de algumas filosofias para livrar-me de incertezas, decepções ou situações que ensejam atitudes. Ora, Deus já fez muito quando criou tudo e nos deu uma vida. E creio e confio também que Ele sabe o melhor pra gente. Então, opto por não importuná-lo com problemas meus, insignificante a quem é dono do mundo.
Aliás, sustento-me em Schopenhauer para ultrapassar barreiras do cotidiano e da existência. O filósofo alemão sugere reflexões a partir de um todo universal para que os problemas particulares, locais, tornem-se menores. Se pensarmos que somos apenas uma gota d’água no oceano da vida ou que estamos aqui em rápida passagem, a separação de um relacionamento ou a perda de um emprego torna-se dificuldade menor.
A consciência de que deveremos aprender o máximo com a vida diminui as dores da saudade ou das decepções. Se perdemos um amigo ou ente querido, fica a lição. Da mesma maneira com a perda de um patrimônio, de um emprego ou outra coisa de valia. Os orientais têm essa cultura bem mais arraigada do que nós, ocidentais. E não é culpa do cristianismo. Talvez, do catolicismo. Mas isso é outra conversa.
Aliás, sustento-me em Schopenhauer para ultrapassar barreiras do cotidiano e da existência. O filósofo alemão sugere reflexões a partir de um todo universal para que os problemas particulares, locais, tornem-se menores. Se pensarmos que somos apenas uma gota d’água no oceano da vida ou que estamos aqui em rápida passagem, a separação de um relacionamento ou a perda de um emprego torna-se dificuldade menor.
A consciência de que deveremos aprender o máximo com a vida diminui as dores da saudade ou das decepções. Se perdemos um amigo ou ente querido, fica a lição. Da mesma maneira com a perda de um patrimônio, de um emprego ou outra coisa de valia. Os orientais têm essa cultura bem mais arraigada do que nós, ocidentais. E não é culpa do cristianismo. Talvez, do catolicismo. Mas isso é outra conversa.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
Entre estaleiros e homens do mar
Talvez por desejar leitura mais leve comprei o livro Linha D’água: entre estaleiros e homens do mar. A autoria é do navegador Amyr Klink. Li poucas páginas, mas já me impressionei com o livro. O autor comenta com a autoridade de quem conheceu os pores do sol do mundo a partir do mar.
Parece-me mesmo que a obra é uma espécie de palestra recheada de histórias apaixonadas e verdadeiras do além-maré ou do desejo de construir “um barco simples como canoa, e cargueiro como navio”. Não é um livro de aventuras. Ou este blogueiro engordaria seu arcabouço de frustrações ao imaginar tantas glórias vividas por outrem.
Amyr Klink não é um aventureiro. Tudo dele parece muito bem planejado. Do contrário, não passaria temporadas inteiras no continente gelado da Antártida. Ele se prepara como ninguém para a vida que escolheu. E mais do que segredos e histórias do mar, o livro expõe também esse viés. É raro mergulhar de cabeça em uma meta e mais ainda se preparar para desviar dos arrecifes e obstáculos que aparecem.
O momento da leitura é propício para este blogueiro. Acredito que para muitos. Valem sempre as perguntas: qual vida você escolheu? É a que você desejaria, realmente? O que falta para seguir sua meta primeira de vida? Tenho minha resposta em mente. Basta dizer que me envergonho em confessar ter lido uma dezena de livros este ano. Esqueci-os em troca do trabalho e das obrigações da vida que se planeja independente e lhe suga a alma.
Mas sempre há uma aurora ao longe. E é do navegador a frase que ilustra a esperança de escapar do redemoinho selvagem do cotidiano: “Os holofotes de mastro do gigante se acenderam, o convés se iluminou como o palco de um teatro em pleno oceano”.
Parece-me mesmo que a obra é uma espécie de palestra recheada de histórias apaixonadas e verdadeiras do além-maré ou do desejo de construir “um barco simples como canoa, e cargueiro como navio”. Não é um livro de aventuras. Ou este blogueiro engordaria seu arcabouço de frustrações ao imaginar tantas glórias vividas por outrem.
Amyr Klink não é um aventureiro. Tudo dele parece muito bem planejado. Do contrário, não passaria temporadas inteiras no continente gelado da Antártida. Ele se prepara como ninguém para a vida que escolheu. E mais do que segredos e histórias do mar, o livro expõe também esse viés. É raro mergulhar de cabeça em uma meta e mais ainda se preparar para desviar dos arrecifes e obstáculos que aparecem.
O momento da leitura é propício para este blogueiro. Acredito que para muitos. Valem sempre as perguntas: qual vida você escolheu? É a que você desejaria, realmente? O que falta para seguir sua meta primeira de vida? Tenho minha resposta em mente. Basta dizer que me envergonho em confessar ter lido uma dezena de livros este ano. Esqueci-os em troca do trabalho e das obrigações da vida que se planeja independente e lhe suga a alma.
Mas sempre há uma aurora ao longe. E é do navegador a frase que ilustra a esperança de escapar do redemoinho selvagem do cotidiano: “Os holofotes de mastro do gigante se acenderam, o convés se iluminou como o palco de um teatro em pleno oceano”.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
De verões e ponte
Regresso de um fim de semana em Santa Rita e reafirmo: o verão é uma ilusão devastadora. De certo, a vida carece de ilusões. A realidade é demasiado dura e seria insuportável vivê-la sem dose alguma de sensações inebriantes, mesmo que passageiras e sazonais, como as do verão.
Em passeio calmo numa manhã de domingo, vejo as vítimas da felicidade onusta na beira-mar. Estacionam o carro com mala aberta para ecoar músicas tão efêmeras quanto a estação. Torram ao sol e deixam plásticos urbanos de bebedeiras e farofa na areia indefesa e pacata da praia.
A euforia das crianças dá gosto de ver. São treinadas pela sociedade a divertirem-se no verão – período também de férias. Daí, retiro-lhes a culpa. Infelizmente já não as vejo mais brincando com barcos de madeira. Na minha época eles eram bem arquitetados. O casco era achatado, largo como das jangadas. O mastro proporcional e o leme davam estabilidade à embarcação. Os nomes, lembro bem, eram um enceto à poesia e para o gosto das crianças com as coisas do mar: “Estrela D´agua”, “Cisne Dourado”...
Tenho medo, amigo leitor, do cometa que atravessa a nova ponte erguida sobre o Potengi. Se hoje os domingos, sobretudo, são esses cenários de vida banal à beira-mar, pior seria a expulsão dos banhistas para dar lugar aos que sequer sabem desfrutar e prestigiar tais belezas, mesmo que banhadas pelo perfume ilusório da estação veraneio.
De minha varanda, nada além do mar. Por isso digo que daquele posto sigo como vigia passivo de transformações carregadas do fenômeno progresso, indelével. E assisto tudo alheio às superficialidades do verão ou do frio corrosivo do inverno. Porque acredite, naquela praia-refúgio a vida passa devagar e tudo é cenário de ilusão.
Em passeio calmo numa manhã de domingo, vejo as vítimas da felicidade onusta na beira-mar. Estacionam o carro com mala aberta para ecoar músicas tão efêmeras quanto a estação. Torram ao sol e deixam plásticos urbanos de bebedeiras e farofa na areia indefesa e pacata da praia.
A euforia das crianças dá gosto de ver. São treinadas pela sociedade a divertirem-se no verão – período também de férias. Daí, retiro-lhes a culpa. Infelizmente já não as vejo mais brincando com barcos de madeira. Na minha época eles eram bem arquitetados. O casco era achatado, largo como das jangadas. O mastro proporcional e o leme davam estabilidade à embarcação. Os nomes, lembro bem, eram um enceto à poesia e para o gosto das crianças com as coisas do mar: “Estrela D´agua”, “Cisne Dourado”...
Tenho medo, amigo leitor, do cometa que atravessa a nova ponte erguida sobre o Potengi. Se hoje os domingos, sobretudo, são esses cenários de vida banal à beira-mar, pior seria a expulsão dos banhistas para dar lugar aos que sequer sabem desfrutar e prestigiar tais belezas, mesmo que banhadas pelo perfume ilusório da estação veraneio.
De minha varanda, nada além do mar. Por isso digo que daquele posto sigo como vigia passivo de transformações carregadas do fenômeno progresso, indelével. E assisto tudo alheio às superficialidades do verão ou do frio corrosivo do inverno. Porque acredite, naquela praia-refúgio a vida passa devagar e tudo é cenário de ilusão.
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
Da Frasqueira, o ABC do futebol
O carnaval chegou mais cedo para o Mais Querido. E nada de uma quarta-feira de cinzas e amarguras. O alvinegro ensinou o ABC do futebol ao Bragantino na noite de ontem e assegurou uma vaga na segunda divisão do Brasileirão 2008, com um gol do zagueiro Alan e outro o craque Wallyson. Os torcedores acreditaram no time, creditaram confiança e ditaram o ritmo do jogo nos dois tempos de uma partida movimentada no Frasqueirão.
Este blogueiro foi incumbido da cobertura do lado de fora do Frasqueirão. Escrever sobre o choro ou a festa da torcida. E acredite, as batidas do coração do torcedor que ficou de fora eram ritmadas pelo barulho da torcida no Estádio. Lampejos menos estridentes significavam a combinação de resultados desejada para a ascensão do ABC. Mas eis que uma multidão solta o grito preso e o torcedor fanático e liso do lado de fora vibra como uma criança. Era o segundo gol. E liso porque os ingressos estavam sendo vendidos por R$ 2. O cambista “Ventola” pediu pra eu escrever: “Bota aí: cambista tão tudo com cara de choro por causa do prejuízo”. “Japonês”, cambista experiente, disse ter prejuízo de R$ 2 mil.
Aos 45 minutos do segundo tempo ninguém tinha arredado pé do Estádio. Um único torcedor saiu, apressado e com rádio no ouvido. Disse que o juiz daria pelo menos mais cinco minutos de acréscimo. É o sofrimento dos cambistas espalhado em milhares. Mais um grito em uníssono e os fogos de artifício anunciavam o ABC na Segundona. Ainda demorou para a torcida largar o Estádio e ganhar as ruas. Pelo menos uns dez minutos. Pareciam esperar a bandinha de frevo, do carnaval alvinegro e o som da marchninha: “ABC clube do povo, campeão das multidões...”.
Atrás da bandinha estavam Marinho Chagas – eterno lateral da Seleção da Copa de 1974 – e seu copo de uísque. Após pegar um depoimento do ex-craque, inventei de empresar a caneta pra ele dar um autógrafo. Só recuperei minha bic depois de uns 60 torcedores ganharem a assinatura do rapaz. Perdi uns 15 minutos na conversa. É isso. Marinho ainda mandou recado pra Véscio, companheiro da Redinha Velha e ex-jogador e torcedor fanático do América: “Diga ao nêgo Véscio que o dele desceu e o meu subiu”. Minha mente poluída pensou em outra coisa que não a caída e a subida do América e do ABC. Mas deixa pra lá.
E se os torcedores estavam histéricos, os ambulantes com sorriso escancarado e a lojinha do ABC lotada, alguém estava contrariado. Preso no trânsito que tomou a Rota do Sol, o engenheiro Marcos Silvino foi pego de surpresa: “Nem gosto muito de futebol e se fosse torcer por alguém seria pelo América”. Fudeu-se. E se mais adiante o trânsito acalmava, um automóvel com porta traseira aberta, chassi arrastando no asfalto e lotado de torcedores e bandeiras passava: “Becê, becê!”.
O ABC espalhou-se em torcedores, bandeiras e buzinas pelas ruas, paradas de ônibus, janelas de casas e apartamento e nos ouvidos de muita gente. Quando a festa, que continua hoje, terminar, ainda se ouvirá o eco: “Becê, becê!”. E ontem, lá do alto, a lua, imponente, assistia a tudo e refletia múltiplas luzes brancas na noite da cidade. E qualquer semelhança com as cores que pintaram a paisagem de Natal na noite de ontem, acredite, não é mera coincidência.
Este blogueiro foi incumbido da cobertura do lado de fora do Frasqueirão. Escrever sobre o choro ou a festa da torcida. E acredite, as batidas do coração do torcedor que ficou de fora eram ritmadas pelo barulho da torcida no Estádio. Lampejos menos estridentes significavam a combinação de resultados desejada para a ascensão do ABC. Mas eis que uma multidão solta o grito preso e o torcedor fanático e liso do lado de fora vibra como uma criança. Era o segundo gol. E liso porque os ingressos estavam sendo vendidos por R$ 2. O cambista “Ventola” pediu pra eu escrever: “Bota aí: cambista tão tudo com cara de choro por causa do prejuízo”. “Japonês”, cambista experiente, disse ter prejuízo de R$ 2 mil.
Aos 45 minutos do segundo tempo ninguém tinha arredado pé do Estádio. Um único torcedor saiu, apressado e com rádio no ouvido. Disse que o juiz daria pelo menos mais cinco minutos de acréscimo. É o sofrimento dos cambistas espalhado em milhares. Mais um grito em uníssono e os fogos de artifício anunciavam o ABC na Segundona. Ainda demorou para a torcida largar o Estádio e ganhar as ruas. Pelo menos uns dez minutos. Pareciam esperar a bandinha de frevo, do carnaval alvinegro e o som da marchninha: “ABC clube do povo, campeão das multidões...”.
Atrás da bandinha estavam Marinho Chagas – eterno lateral da Seleção da Copa de 1974 – e seu copo de uísque. Após pegar um depoimento do ex-craque, inventei de empresar a caneta pra ele dar um autógrafo. Só recuperei minha bic depois de uns 60 torcedores ganharem a assinatura do rapaz. Perdi uns 15 minutos na conversa. É isso. Marinho ainda mandou recado pra Véscio, companheiro da Redinha Velha e ex-jogador e torcedor fanático do América: “Diga ao nêgo Véscio que o dele desceu e o meu subiu”. Minha mente poluída pensou em outra coisa que não a caída e a subida do América e do ABC. Mas deixa pra lá.
E se os torcedores estavam histéricos, os ambulantes com sorriso escancarado e a lojinha do ABC lotada, alguém estava contrariado. Preso no trânsito que tomou a Rota do Sol, o engenheiro Marcos Silvino foi pego de surpresa: “Nem gosto muito de futebol e se fosse torcer por alguém seria pelo América”. Fudeu-se. E se mais adiante o trânsito acalmava, um automóvel com porta traseira aberta, chassi arrastando no asfalto e lotado de torcedores e bandeiras passava: “Becê, becê!”.
O ABC espalhou-se em torcedores, bandeiras e buzinas pelas ruas, paradas de ônibus, janelas de casas e apartamento e nos ouvidos de muita gente. Quando a festa, que continua hoje, terminar, ainda se ouvirá o eco: “Becê, becê!”. E ontem, lá do alto, a lua, imponente, assistia a tudo e refletia múltiplas luzes brancas na noite da cidade. E qualquer semelhança com as cores que pintaram a paisagem de Natal na noite de ontem, acredite, não é mera coincidência.
quarta-feira, 28 de novembro de 2007
Meu primeiro ônibus
Ligo pro meu irmão:
- O carro sai hoje da oficina? Tenho que ir treinar...
- Nada! Tá pensando que a batida que você deu foi pequena? Crie vergonha e aprenda a pegar ÔNIBUS.
Já estava mesmo na hora, 19 anos e nunca tinha pego um ônibus sozinho. Antes do carro, que só dirigi mesmo após a maioridade, costumava andar, seja para o colégio, casa da namorada ou para a cervejinha do fim-de-semana. Meu apelido era Andarilho. Mas agora, mal acostumado ante o conforto do automóvel e a grande distância da Academia de capoeira para a minha casa (moro no Tirol. A Academia fica no Campus Universitário) não me restaram alternativas: criei vergonha.
- Diga aí Capacete?! Ei, tu que moras aqui perto de casa, qual o ÔNIBUS que eu pego pra Academia?
- Rapaz, o “45” ou o “53”...
- O telefone tá com um chiado danado! Os ônibus são só esses dois mesmo: O “45” e o “46”?... Alô, Capacete?! Puts, caiu a linha...
Lá estava eu na parada. Situação nova. Dentre todos era o mais atento à passagem dos ônibus. Lia tudo que vinha em sua fachada: idaalecrimvoltapraçacidsatéliteribeira... tudo, a fim de ir me familiarizando com a nova rotina.
Vinte minutos e nada. Era só eu na sombra do poste. E como uma miragem do deserto, o “46” aparece. Que sorte! Após observar o comportamento dos usuários durante aqueles longos minutos, levanto o braço magistralmente, com autoridade de veterano e peço parada. Lógico, sem nem desconfiar que se o telefonema não chiasse tanto, o “46” em que me opunha naquele momento, deveria ser o “53”.
Após o pagamento da passagem e alguns desequilíbrios bruscos e consequentes risadas, passo a roleta e vejo todos os bancos ocupados. Tive uma lembrança idiota do filme Ben-Hur, com aqueles escravos remadores no porão do navio, divididos por um corredozito onde desfilava o capataz com seu chicote. Seria eu? Havia, inclusive, algumas pessoas com a expressão sofrida do Charlton Heston: deviam ter remado muito naquele dia. Enquanto divagava essas bobagens, uma fileira de estudantes atrás de mim esperava impaciente minha decisão. Adiantei-me desengonçadamente e por um tempo segui em pé o trajeto, o que causou mais desequilíbrios. Cheguei a pedir desculpas a uma senhora, dizendo que não era minha intenção sentar em seu colo.
Para minha surpresa, o dito ônibus segue firme pela BR em vez de fazer o retorno na rótula que, na época, me levaria ao Campus: o “46” era o Ponta Negra! “Faz mal não, na volta, quando passar pelo Shopping, eu desço e vou andando, sempre fiz isso!” – penso eu.
Depois de contornar TODO o conjunto de Ponta Negra – e juro, pensei que fosse só pra me fazer raiva – o ÔNIBUS pára no terminal, na Vila de Ponta Negra, com a seguida frase do motorista: “Ufa, até que enfim! – e não precisa dizer que eu era o único passageiro no dito “oinbu”.
- Como assim, até que enfim? E como eu faço para ir pro Campus?
- Pega o que está saindo aí na frente!
Saltei do ônibus como um sapo da boca do crocodilo, mais com vergonha do motorista do que para, sem saber, pegar meu segundo ônibus errado. Desta vez, acomodado como um rei em seu trono, segui admirando a bela praia do bairro enquanto seguia pela Av. Roberto Freire, quando este imenso enlatado de merda dobra à direita, rumo a Via Costeira. Desesperado avanço até o motorista e chego a afirmar ao dito, na certa com alguns anos de profissão, de que estava equivocado e que a Universidade ficava do lado esquerdo. E mais mar na minha frente.
Para encurtar a história, fui acabar na parada em frente ao Itorn, em Petrópolis, para esperar traumatizado, o “45” e seguir não mais para o treino que já devia ter acabado, mas para meu lar, meu doce lar...
Texto publicado em 30 de setembro de 2002, em O Jornal de Hoje
- O carro sai hoje da oficina? Tenho que ir treinar...
- Nada! Tá pensando que a batida que você deu foi pequena? Crie vergonha e aprenda a pegar ÔNIBUS.
Já estava mesmo na hora, 19 anos e nunca tinha pego um ônibus sozinho. Antes do carro, que só dirigi mesmo após a maioridade, costumava andar, seja para o colégio, casa da namorada ou para a cervejinha do fim-de-semana. Meu apelido era Andarilho. Mas agora, mal acostumado ante o conforto do automóvel e a grande distância da Academia de capoeira para a minha casa (moro no Tirol. A Academia fica no Campus Universitário) não me restaram alternativas: criei vergonha.
- Diga aí Capacete?! Ei, tu que moras aqui perto de casa, qual o ÔNIBUS que eu pego pra Academia?
- Rapaz, o “45” ou o “53”...
- O telefone tá com um chiado danado! Os ônibus são só esses dois mesmo: O “45” e o “46”?... Alô, Capacete?! Puts, caiu a linha...
Lá estava eu na parada. Situação nova. Dentre todos era o mais atento à passagem dos ônibus. Lia tudo que vinha em sua fachada: idaalecrimvoltapraçacidsatéliteribeira... tudo, a fim de ir me familiarizando com a nova rotina.
Vinte minutos e nada. Era só eu na sombra do poste. E como uma miragem do deserto, o “46” aparece. Que sorte! Após observar o comportamento dos usuários durante aqueles longos minutos, levanto o braço magistralmente, com autoridade de veterano e peço parada. Lógico, sem nem desconfiar que se o telefonema não chiasse tanto, o “46” em que me opunha naquele momento, deveria ser o “53”.
Após o pagamento da passagem e alguns desequilíbrios bruscos e consequentes risadas, passo a roleta e vejo todos os bancos ocupados. Tive uma lembrança idiota do filme Ben-Hur, com aqueles escravos remadores no porão do navio, divididos por um corredozito onde desfilava o capataz com seu chicote. Seria eu? Havia, inclusive, algumas pessoas com a expressão sofrida do Charlton Heston: deviam ter remado muito naquele dia. Enquanto divagava essas bobagens, uma fileira de estudantes atrás de mim esperava impaciente minha decisão. Adiantei-me desengonçadamente e por um tempo segui em pé o trajeto, o que causou mais desequilíbrios. Cheguei a pedir desculpas a uma senhora, dizendo que não era minha intenção sentar em seu colo.
Para minha surpresa, o dito ônibus segue firme pela BR em vez de fazer o retorno na rótula que, na época, me levaria ao Campus: o “46” era o Ponta Negra! “Faz mal não, na volta, quando passar pelo Shopping, eu desço e vou andando, sempre fiz isso!” – penso eu.
Depois de contornar TODO o conjunto de Ponta Negra – e juro, pensei que fosse só pra me fazer raiva – o ÔNIBUS pára no terminal, na Vila de Ponta Negra, com a seguida frase do motorista: “Ufa, até que enfim! – e não precisa dizer que eu era o único passageiro no dito “oinbu”.
- Como assim, até que enfim? E como eu faço para ir pro Campus?
- Pega o que está saindo aí na frente!
Saltei do ônibus como um sapo da boca do crocodilo, mais com vergonha do motorista do que para, sem saber, pegar meu segundo ônibus errado. Desta vez, acomodado como um rei em seu trono, segui admirando a bela praia do bairro enquanto seguia pela Av. Roberto Freire, quando este imenso enlatado de merda dobra à direita, rumo a Via Costeira. Desesperado avanço até o motorista e chego a afirmar ao dito, na certa com alguns anos de profissão, de que estava equivocado e que a Universidade ficava do lado esquerdo. E mais mar na minha frente.
Para encurtar a história, fui acabar na parada em frente ao Itorn, em Petrópolis, para esperar traumatizado, o “45” e seguir não mais para o treino que já devia ter acabado, mas para meu lar, meu doce lar...
Texto publicado em 30 de setembro de 2002, em O Jornal de Hoje
terça-feira, 27 de novembro de 2007
Médico e escritor: Moacyr Scliar
Moacyr Scliar é um dos escritores mais conhecidos da atualidade. E desenvolve a atividade de forma paralela. De ofício, ele é médico; e renomado na área. Embora seja difícil, em prima, pensar em um escritor de ofício. Fato é que já publicou mais de 70 livros e foi convidado a debater jornalismo e literatura durante o Encontro Natalense de Escritores. Sentou à mesa junto com o jornalista e poeta José Nêumanne Pinto e o diretor de Redação do Diário de Natal, Osair Vasconcelos.
A entrevista se deu após seus apontamentos no palco. Entre eles, uma observação do escritor Ernest Hemingway: “Todo bom jornalista tem de passar por uma redação”. O escritor e médico foi colaborador de diversos jornais de mídia impressa, como o Zero Hora e Folha de São Paulo. Na redação mesmo, nunca trabalhou. Como escritor, só não publicou livro de receita. Entre suas obras estão livros de crônicas, contos, ensaios, romances e literatura infanto-juvenil.
Após a palestra que antecedeu o concorrido show de Zeca Baleiro, o também disputado escritor conversou rapidamente comigo e comentou alguns aspectos dos quais foram temas de livros seus:
Opinião de médico: qual a doença do socialismo?
O socialismo passou por muitas crises quase mortais. A principal delas foi a queda do comunismo. Para minha geração foi uma desilusão tremenda porque foi uma geração que cresceu acreditando na União Soviética e na possibilidade de ascender o socialismo no mundo. Isso acabou e o socialismo vai ter que mudar seus objetivos. Terá que ser mais modesto. Mas continua uma causa justa. Enquanto houver desigualdade, miséria, opressão, a idéia tende a ficar.
Onde ele terá que ceder?
Talvez a idéia de estado socialista já não se impunha. Mas a idéia filosófica socialista pode ser incorporada aos governos.
Qual foi o crime da classe média?
A vaidade, o narcisismo, essa coisa de girar em torno do próprio umbigo. É o crime de não se preocupar com o resto da população.
Em qual quarteirão a literatura invade o terreno do jornalismo?
A área que eles coexistem é a crônica.
Durante o dia, quando Moacyr Scliar incorpora o romancista, o cronista e o poeta?
No jornal nunca sou romancista nem ficcionista. Mesmo que esteja fazendo texto que não corresponda à realidade, ele está dirigido aos leitores do jornal, portanto, é jornalismo.
Onde o senhor pesca os temas para as crônicas?
Basicamente do noticiário ou do que as pessoas comentam na rua, no ônibus, nos cafés.
A melancolia pode ser produtiva?
Claro. Muitas pessoas encontram na tristeza, no inconformismo, no mau humor material para criar na literatura, na música, na pintura. Isso não só diminui como humaniza o seu sofrimento e os seus sentimentos. Quando lemos um livro de um melancólico como o escritor Franz Kafka, que teve uma vida de intenso sofrimento psicológico, nós partilhamos de sua angústia – o que nos torna melhores.
Qual o livro-reportagem que o senhor gostaria de ver publicado?
Gostaria de ver alguma coisa desse gênero relacionado à medicina.
A entrevista se deu após seus apontamentos no palco. Entre eles, uma observação do escritor Ernest Hemingway: “Todo bom jornalista tem de passar por uma redação”. O escritor e médico foi colaborador de diversos jornais de mídia impressa, como o Zero Hora e Folha de São Paulo. Na redação mesmo, nunca trabalhou. Como escritor, só não publicou livro de receita. Entre suas obras estão livros de crônicas, contos, ensaios, romances e literatura infanto-juvenil.
Após a palestra que antecedeu o concorrido show de Zeca Baleiro, o também disputado escritor conversou rapidamente comigo e comentou alguns aspectos dos quais foram temas de livros seus:
Opinião de médico: qual a doença do socialismo?
O socialismo passou por muitas crises quase mortais. A principal delas foi a queda do comunismo. Para minha geração foi uma desilusão tremenda porque foi uma geração que cresceu acreditando na União Soviética e na possibilidade de ascender o socialismo no mundo. Isso acabou e o socialismo vai ter que mudar seus objetivos. Terá que ser mais modesto. Mas continua uma causa justa. Enquanto houver desigualdade, miséria, opressão, a idéia tende a ficar.
Onde ele terá que ceder?
Talvez a idéia de estado socialista já não se impunha. Mas a idéia filosófica socialista pode ser incorporada aos governos.
Qual foi o crime da classe média?
A vaidade, o narcisismo, essa coisa de girar em torno do próprio umbigo. É o crime de não se preocupar com o resto da população.
Em qual quarteirão a literatura invade o terreno do jornalismo?
A área que eles coexistem é a crônica.
Durante o dia, quando Moacyr Scliar incorpora o romancista, o cronista e o poeta?
No jornal nunca sou romancista nem ficcionista. Mesmo que esteja fazendo texto que não corresponda à realidade, ele está dirigido aos leitores do jornal, portanto, é jornalismo.
Onde o senhor pesca os temas para as crônicas?
Basicamente do noticiário ou do que as pessoas comentam na rua, no ônibus, nos cafés.
A melancolia pode ser produtiva?
Claro. Muitas pessoas encontram na tristeza, no inconformismo, no mau humor material para criar na literatura, na música, na pintura. Isso não só diminui como humaniza o seu sofrimento e os seus sentimentos. Quando lemos um livro de um melancólico como o escritor Franz Kafka, que teve uma vida de intenso sofrimento psicológico, nós partilhamos de sua angústia – o que nos torna melhores.
Qual o livro-reportagem que o senhor gostaria de ver publicado?
Gostaria de ver alguma coisa desse gênero relacionado à medicina.
domingo, 25 de novembro de 2007
Um poeta do banal
Entrevistar Luis Fernando Veríssimo é tarefa difícil. O cronista-romancista-poeta-músico é mais do que tudo, tímido. Antes encarnasse o Analista de Bagé – notório personagem de seus textos – e desfiasse seu gauchês a torto e a direito. Com esforço, escapa das respostas monossilábicas. Atende aos jornalistas com educação. Talvez para escapar do estereótipo da “estrela” – longe do perfil pacato do cronista.
Aos 71 anos, Veríssimo participou de um bate-papo informal com o premiado jornalista Zuenir Ventura, no primeiro dia do Encontro Natalense de Escritores. Foi convidado para falar sobre a crônica e seu contexto literário. Temática predominante, também, desta entrevista. Está em Natal pela primeira vez, onde ficou até hoje. Consegui pescar algumas palavras de Veríssimo antes que subisse ao palco do evento. E aí está:
Sérgio Vilar – A crônica tem vontade de ser literatura ou notícia?
Luís Fernando Veríssimo – A crônica é esse ser meio híbrido. Metade jornalismo, metade literatura. Mas penso que tem mais pretensão literária do que jornalística.
Os sons do saxofone, por exemplo, podem virar crônica, mas dificilmente uma notícia...
A notícia é uma coisa mais fria, anônima. A crônica é geralmente a opinião de alguém que se identifica e dá um palpite; é uma leitura mais atraente.
Se a crônica é o samba da literatura, qual gênero literário é o jazz?
O jazz é mais de improviso. A crônica não pode improvisar muito.
De repente poderiam ser os blogueiros de hoje, cheios de improvisos?
(risos) De certa maneira, sim. Aproxima-se um pouco dessa linguagem de computador.
Cronista é um poeta do banal?
É uma boa definição. Rubem Braga escrevia crônicas maravilhosas a partir de uma banalidade, um detalhe, um pequeno acontecimento.
Rubem Braga dizia que a crônica vive dos restos do banquete literário. É por aí?
É uma virtude do cronista construir um texto bom, bonito e atraente a partir de quase nada. Isso é uma habilidade, não é defeito.
Fernando Sabino disse que fora dele é onde estavam os assuntos merecedores de uma crônica. Onde o senhor procura seus assuntos?
Independe muito. Às vezes as crônica é um comentário de um acontecimento, um fato; é a opinião do autor. Às vezes é uma ficção baseada em lembranças do autor. Podem ser várias coisas.
Quais cronistas de ofício merecem destaque hoje?
Hoje fica difícil. Vejo pouco. Houve uma grande época da crônica brasileira, justo com Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Antônio Maria, Fernando Sabino e tantos outros. Hoje, a crônica mudou. Muita gente boa fazendo crônica, mas confesso que estou meio desatualizado.
Conhece alguém do ofício por aqui?
Não.
O senhor mora na mesma casa desde os cinco anos. O cronista tem um quê de provinciano?
Depende muito do cronista. Alguns simbolizaram o máximo da sofisticação, da vida urbana. E tivemos o contrário, os que falavam de sua casa.
Falta uma cadeira de imortal na sua casa?
Respeito os imortais. Mas não vejo muita importância nisso.
Quando o cronista dá vez ao músico e quando os dois se misturam?
A música pra mim é passatempo. Nunca cheguei a estudar muito a música. Gosto de brincar com a música, só que toco numa banda que é muito boa, de profissionais. São cinco músicos e um metido a músico, que sou eu.
No jazz cabem amadores?
É música que depende muito de improviso. Tem que ter certa habilidade pra improvisar e tal.
O tímido esconde-se por trás das palavras. E o músico do palco?
Eu estou ali brincando de músico. As pessoas entendem que não vão ouvir um virtuoso e que não tem pretensão de grande músico.
Seus textos são recheados de humor. Qual facilidade em chacotear da política ou da dureza do cotidiano?
É um estilo de escrever, com certeza leveza, informalidade. Mas a crônica permite tratar de qualquer assunto. É inconteste. Na crônica tudo é válido.
Aos 71 anos, Veríssimo participou de um bate-papo informal com o premiado jornalista Zuenir Ventura, no primeiro dia do Encontro Natalense de Escritores. Foi convidado para falar sobre a crônica e seu contexto literário. Temática predominante, também, desta entrevista. Está em Natal pela primeira vez, onde ficou até hoje. Consegui pescar algumas palavras de Veríssimo antes que subisse ao palco do evento. E aí está:
Sérgio Vilar – A crônica tem vontade de ser literatura ou notícia?
Luís Fernando Veríssimo – A crônica é esse ser meio híbrido. Metade jornalismo, metade literatura. Mas penso que tem mais pretensão literária do que jornalística.
Os sons do saxofone, por exemplo, podem virar crônica, mas dificilmente uma notícia...
A notícia é uma coisa mais fria, anônima. A crônica é geralmente a opinião de alguém que se identifica e dá um palpite; é uma leitura mais atraente.
Se a crônica é o samba da literatura, qual gênero literário é o jazz?
O jazz é mais de improviso. A crônica não pode improvisar muito.
De repente poderiam ser os blogueiros de hoje, cheios de improvisos?
(risos) De certa maneira, sim. Aproxima-se um pouco dessa linguagem de computador.
Cronista é um poeta do banal?
É uma boa definição. Rubem Braga escrevia crônicas maravilhosas a partir de uma banalidade, um detalhe, um pequeno acontecimento.
Rubem Braga dizia que a crônica vive dos restos do banquete literário. É por aí?
É uma virtude do cronista construir um texto bom, bonito e atraente a partir de quase nada. Isso é uma habilidade, não é defeito.
Fernando Sabino disse que fora dele é onde estavam os assuntos merecedores de uma crônica. Onde o senhor procura seus assuntos?
Independe muito. Às vezes as crônica é um comentário de um acontecimento, um fato; é a opinião do autor. Às vezes é uma ficção baseada em lembranças do autor. Podem ser várias coisas.
Quais cronistas de ofício merecem destaque hoje?
Hoje fica difícil. Vejo pouco. Houve uma grande época da crônica brasileira, justo com Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Antônio Maria, Fernando Sabino e tantos outros. Hoje, a crônica mudou. Muita gente boa fazendo crônica, mas confesso que estou meio desatualizado.
Conhece alguém do ofício por aqui?
Não.
O senhor mora na mesma casa desde os cinco anos. O cronista tem um quê de provinciano?
Depende muito do cronista. Alguns simbolizaram o máximo da sofisticação, da vida urbana. E tivemos o contrário, os que falavam de sua casa.
Falta uma cadeira de imortal na sua casa?
Respeito os imortais. Mas não vejo muita importância nisso.
Quando o cronista dá vez ao músico e quando os dois se misturam?
A música pra mim é passatempo. Nunca cheguei a estudar muito a música. Gosto de brincar com a música, só que toco numa banda que é muito boa, de profissionais. São cinco músicos e um metido a músico, que sou eu.
No jazz cabem amadores?
É música que depende muito de improviso. Tem que ter certa habilidade pra improvisar e tal.
O tímido esconde-se por trás das palavras. E o músico do palco?
Eu estou ali brincando de músico. As pessoas entendem que não vão ouvir um virtuoso e que não tem pretensão de grande músico.
Seus textos são recheados de humor. Qual facilidade em chacotear da política ou da dureza do cotidiano?
É um estilo de escrever, com certeza leveza, informalidade. Mas a crônica permite tratar de qualquer assunto. É inconteste. Na crônica tudo é válido.
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Dos possibilistas
Possibilistas é a expressão usada pelo artista plástico-pirado Marcelus Bob para diagnosticar aqueles com potencial para ascender. Luís Fernando Veríssimo poderia ser um se desejasse uma cadeira de imortal na Academia Brasileira de Letras. Não faz questão. Possibilista mesmo é a Dança de São Gonçalo, do município de Portalegre. Apesar de 200 anos de tradição no estado, poucos conhecem. Mas quando se tem Veríssimo, Zuenir Ventura e Villas Boas Correia na primeira fila da platéia para assistir a apresentação de uma cultura popular legítima, eles passam a ser possibilistas de uma notoriedade merecida.
Esse encontro inimaginável ocorreu ontem, no primeiro dia do Encontro Natalense de Escritores, que acaba amanhã. A literatura andou de mãos dadas com as manifestações folclóricas durante a segunda edição do evento. O encontro fundamental foi do público com a arte, seja na fotografia, nas artes plásticas, nas expressões populares, na música e, claro, na literatura e seus gêneros. E se o poeta e cineasta pernambucano Fernando Monteiro disse precisar de juventude e saúde para fazer cinema, lá estava dona Aldeíze, mestra da Dança de São Gonçalo e alguns anos mais velha que o cineasta, esbanjando vitalidade no palco.
A voz doída e aguda de dona Aldeíze vai permanecer na memória do evento pelas próximas 15 ou 50 edições. A mestra comandou a apresentação de mais 13 componentes. São sempre 12 mulheres e dois homens. A tradição é cultivada na comunidade quilombola do Pega, em Portalegre. O folclorista e poeta Deífilo Gurgel estava maravilhado. Segundo ele, a tradição tem sido repassada entre as gerações e 80% dos brincantes foram renovados desde a década de 80, época em que viu pela última vez a apresentação do grupo.
Dona Aldeíze disse ter aprendido a Dança com a mãe, Raimunda Leonila, que aprendeu com a mãe, dona Nila. Depois de enfrentar mais de 400 quilômetros de estrada e carregar uma tradição milenar trazida por portugueses, chegou ao palco do ENE com exigências: “Queria a presença do prefeito junto conosco”. Carlos Eduardo Alves subiu ao palco e recebeu a incumbência de segurar a imagem de São Gonçalo (monge português, santificado em 1.200, na região do Douro. Ele costumava evocar a dança para tirar as mulheres da promiscuidade. Os escravos baianos assimilarem a tradição na época da vinda do império ao Brasil). Após a apresentação... “Fiquei maravilhosa só em ele (o prefeito) dar atenção aos morenos, né?”. E os aplausos, merecidos aplausos aos possibilistas.
Esse encontro inimaginável ocorreu ontem, no primeiro dia do Encontro Natalense de Escritores, que acaba amanhã. A literatura andou de mãos dadas com as manifestações folclóricas durante a segunda edição do evento. O encontro fundamental foi do público com a arte, seja na fotografia, nas artes plásticas, nas expressões populares, na música e, claro, na literatura e seus gêneros. E se o poeta e cineasta pernambucano Fernando Monteiro disse precisar de juventude e saúde para fazer cinema, lá estava dona Aldeíze, mestra da Dança de São Gonçalo e alguns anos mais velha que o cineasta, esbanjando vitalidade no palco.
A voz doída e aguda de dona Aldeíze vai permanecer na memória do evento pelas próximas 15 ou 50 edições. A mestra comandou a apresentação de mais 13 componentes. São sempre 12 mulheres e dois homens. A tradição é cultivada na comunidade quilombola do Pega, em Portalegre. O folclorista e poeta Deífilo Gurgel estava maravilhado. Segundo ele, a tradição tem sido repassada entre as gerações e 80% dos brincantes foram renovados desde a década de 80, época em que viu pela última vez a apresentação do grupo.
Dona Aldeíze disse ter aprendido a Dança com a mãe, Raimunda Leonila, que aprendeu com a mãe, dona Nila. Depois de enfrentar mais de 400 quilômetros de estrada e carregar uma tradição milenar trazida por portugueses, chegou ao palco do ENE com exigências: “Queria a presença do prefeito junto conosco”. Carlos Eduardo Alves subiu ao palco e recebeu a incumbência de segurar a imagem de São Gonçalo (monge português, santificado em 1.200, na região do Douro. Ele costumava evocar a dança para tirar as mulheres da promiscuidade. Os escravos baianos assimilarem a tradição na época da vinda do império ao Brasil). Após a apresentação... “Fiquei maravilhosa só em ele (o prefeito) dar atenção aos morenos, né?”. E os aplausos, merecidos aplausos aos possibilistas.
quarta-feira, 21 de novembro de 2007
Vida de repórter
Quem imagina repórter como o futuro Willian Bonner, lembre de Belchior quando cantou que “viver é melhor que sonhar”. Cobri a inauguração da Ponte Newton Navarro ontem e posso contar algo dos bastidores a partir do meu trabalho.
Eu e a repórter Gabriela Freire chegamos por volta das 17h30. Fiquei incumbido dos depoimentos das autoridades e da movimentação popular entorno da festa. Gabi cobriria o descerramento da placa e o corte da faixa.
As autoridades chegaram por volta das 18h. Até lá, muito vento na cara. Os cabelos até então comportados, pareciam uma vassoura de piaçava. Gabi temeu ser confundida com Elba Ramalho, atração musical da festa.
Conversar com o presidente Câmara Municipal foi fácil. Com dom Matias, dividi espaço com mais três repórteres. Nada demais. Quando o prefeito Carlos Eduardo chegou, tumulto. Fiz exercício de audição para pescar algumas palavras. Quando da vez da governadora Wilma, já por volta das 18h30, cotoveladas, empurrões e exercício de tradução oral.
“Tudo bem. Me recupero”, pensei. Subi correndo para o palanque onde seria cortada a faixa para pegar bom lugar. Fiquei embaixo da governadora. Assisti tudo de “camarote”. Ao meu lado, populares, cheiro de leite de rosa vencido e um bêbado perturbando toda hora por um pedaço de papel e caneta.
Se para chegar foi fácil, para sair... Descemos uns 200 metros da ponte, na altura do primeiro pilar (lado do Forte) e contornamos a ponte até o palco oficial, na Praia do Forte. Ficamos em uma espécie de camarote para imprensa. Enfim, uma cadeira.
Comigo, Gabi, meu bloquinho, a caneta, a fome e a sede. Repórteres das TVs com lanchinhos da Pittsburg. Nós, nem a pão e água. “Ops, lembrei que fui incumbido de cobrir a participação popular”. Lá fui eu pro “meião”. Procurei logo os da faixa do município de Taipu (vizinho a Ceará-Mirim). Personagens interessantes, pensei. “A governadora é maravilhosa, é guerreira, é...”. Não teve jeito. Só saía isso da boca do rapaz taipuense.
Um outro, líder comunitário de Lagoa Seca, disse que o povo de Natal era de interior, que não podia ver inauguração de obra e se “ajuntava junto”. A obra em questão é a maior da história do estado e... o que diabos ele estava fazendo ali também? Fato é que se “ajuntou” tanta gente no palco que ele cedeu. Lá no “meião” ninguém sabia o porquê do barulho.
Voltei ao camarote da imprensa. Com alguns minutos, chegou a água; faltou o pão. Nem o que o diabo amassou. 20h e começou o depoimento das autoridades, no palanque oficial. Naquele mesmo tom das passeatas eleitorais. A palavra mais ouvida era “povo”: “meu povo”, “a ponte é do povo”, “temos que servir ao povo”.
O discurso do prefeito de Extremoz pareceu piada. Disse que se a governadora tivesse caído no piso que cedeu cairia nos braços do povo. Aposto que se o prefeito resolver visitar a praia de Santa Rita (da sua Extremoz), o povo come ele vivo.
O esperado depoimento da governadora começou umas 20h30. Seria a hora para voltarmos ou estarmos no jornal para escrever a matéria. Após os aplausos... onde estão os fotógrafos? Onde está o carro? Pareciam questionamentos existencialistas na hora. E agora? O que faremos. Quem somos nós?
Sair do camarote, contornar a obra embaixo da ponte, procurar o carro. Tudo em meio a multidão. Para resumir: fomos andando até o viaduto da ponte, distante uns... bocados de chão, o suficiente para minha perna começar a doer. Ao chegar no lar da redação, umas 22h, enfim, a pior parte: escrever com fome, cansado e apressado. É isso. Um dia apresento o Jornal Nacional.
Eu e a repórter Gabriela Freire chegamos por volta das 17h30. Fiquei incumbido dos depoimentos das autoridades e da movimentação popular entorno da festa. Gabi cobriria o descerramento da placa e o corte da faixa.
As autoridades chegaram por volta das 18h. Até lá, muito vento na cara. Os cabelos até então comportados, pareciam uma vassoura de piaçava. Gabi temeu ser confundida com Elba Ramalho, atração musical da festa.
Conversar com o presidente Câmara Municipal foi fácil. Com dom Matias, dividi espaço com mais três repórteres. Nada demais. Quando o prefeito Carlos Eduardo chegou, tumulto. Fiz exercício de audição para pescar algumas palavras. Quando da vez da governadora Wilma, já por volta das 18h30, cotoveladas, empurrões e exercício de tradução oral.
“Tudo bem. Me recupero”, pensei. Subi correndo para o palanque onde seria cortada a faixa para pegar bom lugar. Fiquei embaixo da governadora. Assisti tudo de “camarote”. Ao meu lado, populares, cheiro de leite de rosa vencido e um bêbado perturbando toda hora por um pedaço de papel e caneta.
Se para chegar foi fácil, para sair... Descemos uns 200 metros da ponte, na altura do primeiro pilar (lado do Forte) e contornamos a ponte até o palco oficial, na Praia do Forte. Ficamos em uma espécie de camarote para imprensa. Enfim, uma cadeira.
Comigo, Gabi, meu bloquinho, a caneta, a fome e a sede. Repórteres das TVs com lanchinhos da Pittsburg. Nós, nem a pão e água. “Ops, lembrei que fui incumbido de cobrir a participação popular”. Lá fui eu pro “meião”. Procurei logo os da faixa do município de Taipu (vizinho a Ceará-Mirim). Personagens interessantes, pensei. “A governadora é maravilhosa, é guerreira, é...”. Não teve jeito. Só saía isso da boca do rapaz taipuense.
Um outro, líder comunitário de Lagoa Seca, disse que o povo de Natal era de interior, que não podia ver inauguração de obra e se “ajuntava junto”. A obra em questão é a maior da história do estado e... o que diabos ele estava fazendo ali também? Fato é que se “ajuntou” tanta gente no palco que ele cedeu. Lá no “meião” ninguém sabia o porquê do barulho.
Voltei ao camarote da imprensa. Com alguns minutos, chegou a água; faltou o pão. Nem o que o diabo amassou. 20h e começou o depoimento das autoridades, no palanque oficial. Naquele mesmo tom das passeatas eleitorais. A palavra mais ouvida era “povo”: “meu povo”, “a ponte é do povo”, “temos que servir ao povo”.
O discurso do prefeito de Extremoz pareceu piada. Disse que se a governadora tivesse caído no piso que cedeu cairia nos braços do povo. Aposto que se o prefeito resolver visitar a praia de Santa Rita (da sua Extremoz), o povo come ele vivo.
O esperado depoimento da governadora começou umas 20h30. Seria a hora para voltarmos ou estarmos no jornal para escrever a matéria. Após os aplausos... onde estão os fotógrafos? Onde está o carro? Pareciam questionamentos existencialistas na hora. E agora? O que faremos. Quem somos nós?
Sair do camarote, contornar a obra embaixo da ponte, procurar o carro. Tudo em meio a multidão. Para resumir: fomos andando até o viaduto da ponte, distante uns... bocados de chão, o suficiente para minha perna começar a doer. Ao chegar no lar da redação, umas 22h, enfim, a pior parte: escrever com fome, cansado e apressado. É isso. Um dia apresento o Jornal Nacional.
terça-feira, 20 de novembro de 2007
Das embarcações e suas almas
Toda embarcação guarda histórias de maré. No silêncio calmo da sabedoria, padecem com seus segredos de aventuras náuticas. Algumas alcançam os mediterrâneos e os mares mais bravios; colecionam auroras e cruzam oceanos até ancorarem na melancolia do cais. E se o cais é uma saudade de pedra, a névoa das tristezas também envolve a praia na espera das catraias para se lançarem ao mar – retratos da simplicidade.
E a espera das pequenas embarcações artesanais é de angústia. Sabem do perigo iminente e diário de seus donos, conquistadores de peixes. O mar que afaga também é ladrão de almas. Ancoradas sobre toras de coqueiro, inertes como um cartão-postal, anseiam pelo vinda do pescador. É a quebra do sono quase eterno de um dia e do reencontro com o mar. E se mais de um dia passa, é sabido do fim de seu único amigo.
Há quem herde o ofício. No comum das vezes morrem ali as catraias e jangadas, pouco depois de seu pescador. Miram pela última vez a paisagem marítima e num último arquejo de tédio, morrem. É que as catraias têm alma, amigo leitor. Alma provinciana e amiga. Suportam os dias para servir e deleitar-se ao mar, em namoro infinito. E se para mais nada servem, entregam sua alma.
São dali, longe da imponência dos grandes cargueiros e transatlânticos, onde repousam as catraias de minha praia-refúgio. Das areias alvas de Santa Rita, miram o mar já mais calmo da estação veraneio. E desdenham da agitação passageira da época. Reconhecem o rastro de ilusões e saudades deixadas pelo verão e recolhem-se no tédio inebriante das horas próximas ao mar.
Desconfio mesmo que as embarcações têm alma. Todas elas. Algumas mais ambiciosas preferem avançar no desconhecido. Dos saveiros vêm o espírito aventuroso. Dos cargueiros, a vocação comercial. Ali na praia espremida encontram-se as de alma provinciana. São jangadas sem pretensão, conhecedoras de seu ofício de galinha: limitadas a apenas imaginar o além-maré.
Longe das cargas valiosas do comércio exterior, as catraias carregam apenas o peso do tédio, de seus nativos e dos samburás de poucos e magros peixes. Desconhecem as grandes rotas e esperam ancoradas em areias conhecidas o seu fim, no desgaste pela maresia, esquecidas, sedentas pela água salgada do mar. Porque para as embarcações, amigo leitor, é doce morrer no mar.
E a espera das pequenas embarcações artesanais é de angústia. Sabem do perigo iminente e diário de seus donos, conquistadores de peixes. O mar que afaga também é ladrão de almas. Ancoradas sobre toras de coqueiro, inertes como um cartão-postal, anseiam pelo vinda do pescador. É a quebra do sono quase eterno de um dia e do reencontro com o mar. E se mais de um dia passa, é sabido do fim de seu único amigo.
Há quem herde o ofício. No comum das vezes morrem ali as catraias e jangadas, pouco depois de seu pescador. Miram pela última vez a paisagem marítima e num último arquejo de tédio, morrem. É que as catraias têm alma, amigo leitor. Alma provinciana e amiga. Suportam os dias para servir e deleitar-se ao mar, em namoro infinito. E se para mais nada servem, entregam sua alma.
São dali, longe da imponência dos grandes cargueiros e transatlânticos, onde repousam as catraias de minha praia-refúgio. Das areias alvas de Santa Rita, miram o mar já mais calmo da estação veraneio. E desdenham da agitação passageira da época. Reconhecem o rastro de ilusões e saudades deixadas pelo verão e recolhem-se no tédio inebriante das horas próximas ao mar.
Desconfio mesmo que as embarcações têm alma. Todas elas. Algumas mais ambiciosas preferem avançar no desconhecido. Dos saveiros vêm o espírito aventuroso. Dos cargueiros, a vocação comercial. Ali na praia espremida encontram-se as de alma provinciana. São jangadas sem pretensão, conhecedoras de seu ofício de galinha: limitadas a apenas imaginar o além-maré.
Longe das cargas valiosas do comércio exterior, as catraias carregam apenas o peso do tédio, de seus nativos e dos samburás de poucos e magros peixes. Desconhecem as grandes rotas e esperam ancoradas em areias conhecidas o seu fim, no desgaste pela maresia, esquecidas, sedentas pela água salgada do mar. Porque para as embarcações, amigo leitor, é doce morrer no mar.
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
Alma de beco, de bebo, do belo
Às vezes penso em território boêmio como proibido. Ali repousam almas sedentas. E o leque de desejos é amparado pela ânsia. Assusta. No Beco da Lama é diferente. Sempre foi. É chão escorregadio, sim. Mas cabe todo mundo. E freqüentam quase todos. Quase todos os de alma libertária. É como na vila da Redinha: o gosto pelas coisas simples se faz necessário para sentar, beber e prosear. E das prosas brotam histórias e estórias, como as contadas pelo jornalista Leonardo Sodré, reunidas em livro de crônicas lançado sábado no bar Bardallos, ali nas adjacências de um beco-confraria; de um beco-praça; de um beco-cantão.
E na mesma noite de lançamento do livro, um dos maiores violonistas desse mundo de menos fronteiras, resolve aparecer. Recebeu convite de amigo e foi lá. Quem bateu foto viria Yamandu Costa perto de garrafas de cerveja. Uma “canja” gratuita aos apreciadores da boa música. E quem são esses loucos? Os amantes da arte e da cultura mais genuinamente marginal. Os poetas errantes e certeiros de palavra, estrofes e sonetos. São os de vozes ecoadas dentro da redoma do beco e espalhadas aqui e ali. Vozes desejosas de gritos mais altos e outros que sequer sabem que são ouvidos. Nem fazem questão.
Neste sábado, esse beco sem vontade de avenida e de alma enlameada pelo perfume da província, prossegue com a quarta edição do festival de gastronomia chamado Pratodomundo. A alcunha resume o convite inconteste a todos. O filtro cabe ao participante de se adaptar à realidade daquela atmosfera. Claro, há o perigo. Uma vez do beco, os contornos da cidade modificam. Aquela eterna espera por grandes novidades, herdada da época da Segunda Grande Guerra, quando os americanos chacoalharam a cidade, se esvai. O amante do beco se volta às novidades dos arredores. A cena cultural da cidade ascende. O Centro Histórico despe-se do cinza e ganha cores. E a medida em que se é tragado pela alma do beco, uma sinfonia entoada por Cascudo começa a tornar-se audível, vinda lá das funduras do Potengi.
E na mesma noite de lançamento do livro, um dos maiores violonistas desse mundo de menos fronteiras, resolve aparecer. Recebeu convite de amigo e foi lá. Quem bateu foto viria Yamandu Costa perto de garrafas de cerveja. Uma “canja” gratuita aos apreciadores da boa música. E quem são esses loucos? Os amantes da arte e da cultura mais genuinamente marginal. Os poetas errantes e certeiros de palavra, estrofes e sonetos. São os de vozes ecoadas dentro da redoma do beco e espalhadas aqui e ali. Vozes desejosas de gritos mais altos e outros que sequer sabem que são ouvidos. Nem fazem questão.
Neste sábado, esse beco sem vontade de avenida e de alma enlameada pelo perfume da província, prossegue com a quarta edição do festival de gastronomia chamado Pratodomundo. A alcunha resume o convite inconteste a todos. O filtro cabe ao participante de se adaptar à realidade daquela atmosfera. Claro, há o perigo. Uma vez do beco, os contornos da cidade modificam. Aquela eterna espera por grandes novidades, herdada da época da Segunda Grande Guerra, quando os americanos chacoalharam a cidade, se esvai. O amante do beco se volta às novidades dos arredores. A cena cultural da cidade ascende. O Centro Histórico despe-se do cinza e ganha cores. E a medida em que se é tragado pela alma do beco, uma sinfonia entoada por Cascudo começa a tornar-se audível, vinda lá das funduras do Potengi.
domingo, 18 de novembro de 2007
Pelo olhar de Dostoiévski
Observo a vida como quem mira o mar. Aprecio detalhes e a simplicidade das coisas. É onde encontramos muitos dos segredos escondidos. Arquivo os retratos do mundo; suas mazelas e amores: o tesouro da alma. Aprecio acompanhar comportamentos, atitudes, olhares de esperança, inquietude ou tristeza. São fisionomias agoniadas, mais das vezes. Escondem culpas. Fogem da contemplação para responder aos chamados ludibriantes do sistema.
Da observância dos cenários cotidianos sinto crescer em mim um arquétipo do romancista russo Dostoiévski: um estudioso da realidade psicológica, da problemática da natureza humana e suas percepções. Seu criticismo, de caráter universal, atravessou incólume todo o século XX, permanecendo hoje ainda mais atual, como um escrito profético do comportamento ocidental contemporâneo.
Sigo pelas ruas, pelas mesmas ruas que costumo andar diariamente. O horário também é o de costume: uma noite típica dos romances dostoievskianos, onde o tom sombrio e real põe nossos sentidos mais aguçados e conflitantes. O tempo inesperadamente frio e a garoa fina desencorajam-me a continuar minhas andanças e sento em um banco de praça. Encolho-me dentro do meu casaco com medo do frio.
Um jovem casal, abraçado, passa em minha frente com certa pressa. Ele, elegante, de finos gestos e andar requintado. Parecia mais apressado. A moça, ao passar por mim, me olha de soslaio. Seu rosto, cabisbaixo, denunciava certa angústia, como se quisesse pedir socorro para se libertar de algo, que por instinto, acabou aprisionada. Acompanho o casal até sumir pela neblina noturna.
Com pouco tempo um homem surge do mesmo horizonte escuro que encobriu o casal. Ao passar por uma luz fraca e amarela de uma lamparina, estacionada no sobrado de uma casa, pude ver seu semblante. Era um senhor, já passado em anos, de aspecto respeitável. Fitei-o com simpatia, ousei um leve sorriso como forma de cumprimento, julgando que ambos éramos pessoas de boa índole. Senti que, para o senhor, pouco faltou para que levantasse seu chapéu e respondesse à minha singela atitude, mas reconsiderou a tempo, talvez por orgulho.
Mais adiante, via-se uma moça debruçada sobre um parapeito, banhada sobre o luar, observando o mar e os reflexos infinitos que a lua o emprestava. Era a mesma moça que vi há minutos atrás, acompanhada do rapaz de boas vestes. Desta vez, parecia mais tranqüila, embora ainda emanasse em seus olhos alguns medos difíceis de fugir. Era como se estivesse presa à vida, condenada a uma sentença da qual a culpa lhe seguia como sombra. Tentei aproximar-me e gentilmente dizer-lhe palavra de conforto. Mas ela, sonoramente disse-me o que há muito eu, também cárcere da existência, guardo em meu íntimo já caduco de desilusões: “Desculpa, mas não acredito em mais ninguém”.
Esse texto foi publicado na edição de 6 de abril de 2003, em O Poti
Da observância dos cenários cotidianos sinto crescer em mim um arquétipo do romancista russo Dostoiévski: um estudioso da realidade psicológica, da problemática da natureza humana e suas percepções. Seu criticismo, de caráter universal, atravessou incólume todo o século XX, permanecendo hoje ainda mais atual, como um escrito profético do comportamento ocidental contemporâneo.
Sigo pelas ruas, pelas mesmas ruas que costumo andar diariamente. O horário também é o de costume: uma noite típica dos romances dostoievskianos, onde o tom sombrio e real põe nossos sentidos mais aguçados e conflitantes. O tempo inesperadamente frio e a garoa fina desencorajam-me a continuar minhas andanças e sento em um banco de praça. Encolho-me dentro do meu casaco com medo do frio.
Um jovem casal, abraçado, passa em minha frente com certa pressa. Ele, elegante, de finos gestos e andar requintado. Parecia mais apressado. A moça, ao passar por mim, me olha de soslaio. Seu rosto, cabisbaixo, denunciava certa angústia, como se quisesse pedir socorro para se libertar de algo, que por instinto, acabou aprisionada. Acompanho o casal até sumir pela neblina noturna.
Com pouco tempo um homem surge do mesmo horizonte escuro que encobriu o casal. Ao passar por uma luz fraca e amarela de uma lamparina, estacionada no sobrado de uma casa, pude ver seu semblante. Era um senhor, já passado em anos, de aspecto respeitável. Fitei-o com simpatia, ousei um leve sorriso como forma de cumprimento, julgando que ambos éramos pessoas de boa índole. Senti que, para o senhor, pouco faltou para que levantasse seu chapéu e respondesse à minha singela atitude, mas reconsiderou a tempo, talvez por orgulho.
Mais adiante, via-se uma moça debruçada sobre um parapeito, banhada sobre o luar, observando o mar e os reflexos infinitos que a lua o emprestava. Era a mesma moça que vi há minutos atrás, acompanhada do rapaz de boas vestes. Desta vez, parecia mais tranqüila, embora ainda emanasse em seus olhos alguns medos difíceis de fugir. Era como se estivesse presa à vida, condenada a uma sentença da qual a culpa lhe seguia como sombra. Tentei aproximar-me e gentilmente dizer-lhe palavra de conforto. Mas ela, sonoramente disse-me o que há muito eu, também cárcere da existência, guardo em meu íntimo já caduco de desilusões: “Desculpa, mas não acredito em mais ninguém”.
Esse texto foi publicado na edição de 6 de abril de 2003, em O Poti
sábado, 17 de novembro de 2007
E as revistas culturais?
E por falar em revista, onde estão as novas edições das revistas de cultura Preá e Brouhaha? Estas, sim, de valor para o cidadão. A Preá, patrocinada pelo governo do estado, há muito tem sido renegada. Precisamente, desde a saída do diretor-geral da Fundação José Augusto e idealizador da publicação, o advogado François Silvestre.
Na época de François, a revista tinha regularidade (bimestral) e qualidade na impressão. O projeto era uma cria estimada e mereceu toda a atenção da FJA. Chegou a figurar na propaganda eleitoral da governadora quando da eleição, como um dos grandes projetos de seu primeiro mandato. Com a saída de François, a professora Amélia Rosado tentou manter, mas sem valorização alguma. A qualidade da revista caiu. A impressão, mais ainda. A regularidade não teve. Salvo engano, foram duas publicações em um ano.
Na administração de Crispiniano Neto, o discurso inicial foi de que os primeiros seis meses seriam para “arrumar a casa” e segurar os gastos. Ainda assim, a equipe da revista continuou seu trabalho. Na primeira semana de abril, visitou o município de Angicos, onde passou dois dias de intenso mapeamento cultural na cidade, e depois em Ceará-Mirim, em cansativo trabalho de ida e volta à cidade, algumas vezes em longos percursos até o litoral ou regiões periféricas do município. Tudo para editar a revista a tempo de ser lançada dentro do prazo.
Pois bem: a revista está pronta desde maio. Não só matérias com os municípios como outras que devem estar já ultrapassadas com o passar dos meses. Foi o caso de matérias sobre o lançamento do filme adaptado do livro de Nei Leandro de Castro: O Homem que Desafiou o Diabo, que precisou ser substituída após a estréia do filme.
Próximos de findar o segundo semestre, e a “casa” ainda está desarrumada, pelo visto. Crispiniano, que foi personagem prestigiado de ampla entrevista em uma das edições da revista, continua a renegar esse valor cultural de divulgação da cultura popular do estado para o potiguar. A equipe que tanto se esforçou para a elaboração de cada número da Preá, foi desfeita. O editor da revista, o jornalista Tácito Costa foi exonerado e sua equipe o acompanhou.
A Brouhaha – promovida pela prefeitura do Natal – vinha mantendo boa regularidade e qualidade editorial em ascendência. Sabe-se lá o porquê, há uns bons meses foi escanteada pela Fundação Capitania das Artes – responsável pela edição. A última informação que este blogueiro teve é a de que seriam lançadas quatro edições nos últimos dois meses do ano (algumas temáticas, como para homenagear os 40 anos do Poema Processo), para compensar o intervalo entre as publicações. Até agora, nada.
E assim, ficamos nós, potiguares, natalenses, à mercê de revistas de variedades, com sessões de quatro páginas de fotografias de eventos da ala vip da cidade, ou com artigos chinfrins de pessoas que nada têm a dizer. Caminhemos...
Na época de François, a revista tinha regularidade (bimestral) e qualidade na impressão. O projeto era uma cria estimada e mereceu toda a atenção da FJA. Chegou a figurar na propaganda eleitoral da governadora quando da eleição, como um dos grandes projetos de seu primeiro mandato. Com a saída de François, a professora Amélia Rosado tentou manter, mas sem valorização alguma. A qualidade da revista caiu. A impressão, mais ainda. A regularidade não teve. Salvo engano, foram duas publicações em um ano.
Na administração de Crispiniano Neto, o discurso inicial foi de que os primeiros seis meses seriam para “arrumar a casa” e segurar os gastos. Ainda assim, a equipe da revista continuou seu trabalho. Na primeira semana de abril, visitou o município de Angicos, onde passou dois dias de intenso mapeamento cultural na cidade, e depois em Ceará-Mirim, em cansativo trabalho de ida e volta à cidade, algumas vezes em longos percursos até o litoral ou regiões periféricas do município. Tudo para editar a revista a tempo de ser lançada dentro do prazo.
Pois bem: a revista está pronta desde maio. Não só matérias com os municípios como outras que devem estar já ultrapassadas com o passar dos meses. Foi o caso de matérias sobre o lançamento do filme adaptado do livro de Nei Leandro de Castro: O Homem que Desafiou o Diabo, que precisou ser substituída após a estréia do filme.
Próximos de findar o segundo semestre, e a “casa” ainda está desarrumada, pelo visto. Crispiniano, que foi personagem prestigiado de ampla entrevista em uma das edições da revista, continua a renegar esse valor cultural de divulgação da cultura popular do estado para o potiguar. A equipe que tanto se esforçou para a elaboração de cada número da Preá, foi desfeita. O editor da revista, o jornalista Tácito Costa foi exonerado e sua equipe o acompanhou.
A Brouhaha – promovida pela prefeitura do Natal – vinha mantendo boa regularidade e qualidade editorial em ascendência. Sabe-se lá o porquê, há uns bons meses foi escanteada pela Fundação Capitania das Artes – responsável pela edição. A última informação que este blogueiro teve é a de que seriam lançadas quatro edições nos últimos dois meses do ano (algumas temáticas, como para homenagear os 40 anos do Poema Processo), para compensar o intervalo entre as publicações. Até agora, nada.
E assim, ficamos nós, potiguares, natalenses, à mercê de revistas de variedades, com sessões de quatro páginas de fotografias de eventos da ala vip da cidade, ou com artigos chinfrins de pessoas que nada têm a dizer. Caminhemos...
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Da mania de ser igual
Acabo de ler a terceira edição da revista Contexto – mais uma no mercado potiguar. Revista que de pouco ou quase nada acrescenta ao cidadão, já tão bombardeado de informações. É publicação igual a tantas outras, de variedades e sem aprofundamento em assunto algum. Mas eis que na última página, a boa e velha filosofia – mãe de todas as ciências – nos traz algo com que pensar em um dia atribulado.
O artigo do professor de filosofia da UFRN José Ramos Coelho, intitulado Dos Buracos ao Abismo, levanta uma questão interessante. Nada original, mas quando o tema é argumentado a partir de pensadores como Jung e observações De um professor capacitado, a coisa alcança outras dimensões. Uma frase reflete o teor do texto: “Nascemos originais e morremos como meras cópias”.
O professor ressalta um paradoxo presente na vida de cada um: de um lado, procuramos de forma criativa sermos únicos e especiais em meio a uma multidão de iguais. Por outro, cedemos facilmente à pressão social e aos apelos do consumismo – uma tendência à massificação e uniformização dos padrões comportamentais, de hábitos e pensamentos.
O mais bacana no texto são as soluções e apontamentos do professor para superar essa tendência alienante. Segundo José Ramos Coelho, o primeiro passo é perceber o quanto diariamente repetitivos e redundantes, escravos e prisioneiros dos padrões nós somos. O segundo passo, é ousar, fazer diferente. Essa tarefa seria mais difícil porque, segundo o professor, “temos a tendência à vida gregária, a procurarmos aquilo que os outros valorizam sem nenhum senso crítico ou reflexão”.
O melhor mesmo é o terceiro passo: “Finalmente, é preciso viver poeticamente. Soltar a imaginação, resgatar os próprios sonhos. Os poetas dão asas à imaginação e criam com a mente leve, livre e sem amarras. O nosso sonho é, desde os tempos imemoriais, voar como pássaros por entre os abismos”. E a pergunta final: “Se lhe parecer muito, que tal pelo menos a aventura de um rapel para conhecer os seus próprios abismos?”.
O artigo do professor de filosofia da UFRN José Ramos Coelho, intitulado Dos Buracos ao Abismo, levanta uma questão interessante. Nada original, mas quando o tema é argumentado a partir de pensadores como Jung e observações De um professor capacitado, a coisa alcança outras dimensões. Uma frase reflete o teor do texto: “Nascemos originais e morremos como meras cópias”.
O professor ressalta um paradoxo presente na vida de cada um: de um lado, procuramos de forma criativa sermos únicos e especiais em meio a uma multidão de iguais. Por outro, cedemos facilmente à pressão social e aos apelos do consumismo – uma tendência à massificação e uniformização dos padrões comportamentais, de hábitos e pensamentos.
O mais bacana no texto são as soluções e apontamentos do professor para superar essa tendência alienante. Segundo José Ramos Coelho, o primeiro passo é perceber o quanto diariamente repetitivos e redundantes, escravos e prisioneiros dos padrões nós somos. O segundo passo, é ousar, fazer diferente. Essa tarefa seria mais difícil porque, segundo o professor, “temos a tendência à vida gregária, a procurarmos aquilo que os outros valorizam sem nenhum senso crítico ou reflexão”.
O melhor mesmo é o terceiro passo: “Finalmente, é preciso viver poeticamente. Soltar a imaginação, resgatar os próprios sonhos. Os poetas dão asas à imaginação e criam com a mente leve, livre e sem amarras. O nosso sonho é, desde os tempos imemoriais, voar como pássaros por entre os abismos”. E a pergunta final: “Se lhe parecer muito, que tal pelo menos a aventura de um rapel para conhecer os seus próprios abismos?”.
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
Encontro Natalense de Escritores
Meu sangue fervilhou ao ver a programação para a segunda edição do Encontro Natalense de Escritores. Lembro de ter sugerido em matéria escrita ano passado, uma abertura maior para a poesia popular e as literaturas de cordel e infantil. Pois faltou somente um convite ao jornalista e escritor Juliano Freire, autor já de dois livros dedicados à molecada e com algum reconhecimento nacional.
Mas a programação está tão boa que nem sei onde colocar Juliano. Nem saberia bem quais nomes destacar. Posso citar alguns temas de discussão que agradam sobremaneira este blogueiro sem glórias. Ora, será muito assistir um bate-papo entre Zuenir Ventura e Luis Fernando Veríssimo sobre a crônica e seu contexto literário.
E afora os debates e palestras sobre variadas vertentes da literatura, tem ainda shows musicais de primeira qualidade, como a volta de Tom Zé a Natal e exposições no espaço cultural. Homenagens, lançamentos de livros. Tudo gratuito.
Natal merece eventos dessa magnitude. O momento cultural na cidade é de efervescência. Em diferentes searas. E está na hora da literatura potiguar aparecer para o Brasil. E para constatar isso, nomes como Carlos Heitor Cony, Veríssimo, José Neumanne Pinto e outros. O ENE ocorre entre os dias 22 e 24 de novembro, em um pavilhão climatizado e armado no Largo da Rua Chile.
Mas a programação está tão boa que nem sei onde colocar Juliano. Nem saberia bem quais nomes destacar. Posso citar alguns temas de discussão que agradam sobremaneira este blogueiro sem glórias. Ora, será muito assistir um bate-papo entre Zuenir Ventura e Luis Fernando Veríssimo sobre a crônica e seu contexto literário.
E afora os debates e palestras sobre variadas vertentes da literatura, tem ainda shows musicais de primeira qualidade, como a volta de Tom Zé a Natal e exposições no espaço cultural. Homenagens, lançamentos de livros. Tudo gratuito.
Natal merece eventos dessa magnitude. O momento cultural na cidade é de efervescência. Em diferentes searas. E está na hora da literatura potiguar aparecer para o Brasil. E para constatar isso, nomes como Carlos Heitor Cony, Veríssimo, José Neumanne Pinto e outros. O ENE ocorre entre os dias 22 e 24 de novembro, em um pavilhão climatizado e armado no Largo da Rua Chile.
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Da prisão das ruas
Vontade de sumir. De escapar. As armadilhas estão em cada esquina. Em cada palavra dita, o odor da hipocrisia. De poucas e passageiras alegrias se vive. De migalhas de vida, se sobrevive. Onde estão escondidas as ilusões? A realidade dói. É preciso máscara para camuflar a face horrenda da frustração demasiada.
Se são linhas tortas, pergunte a Deus. Fato é que a escrita do mundo é um romance melancólico de Dostoievski. Versos de Chapman já contavam que nenhuma pena pode escrever nada de eterno, se não for mergulhada na tinta das trevas. O ar está pesado. E a fragrância desse perfume é a da carência, do medo e da raiva. É o que respiramos. E o perfume é extraído de raízes profundas da ganância e da competitividade excessiva.
A sabedoria de Buda concluía: a vida é sofrimento. Como remédio para a enfermidade da existência, ele pregava o desapego às coisas, idéias, pessoas e à própria vida. Se o homem conseguir livrar-se dos desejos, apegos e do eu interior, encontraria o caminho para uma vida amena. E o caminho é varrer da mente as vontades e apegos através do exercício da meditação.
Cortar os fios da vontade que ligam o homem ao mundo é missão quase impossível. Schopenhauer sugere a arte. A música de Wagner, por exemplo, o fazia transcender as vontades do mundo. Mas o amigo leitor há de concordar: somos sugados pela rotina. Não há como se dedicar à meditação exclusiva ou à música. O contato com o homem é necessário. Seja no trabalho, em casa, no convívio em cada esquina do cotidiano.
Antes, o homem pudesse olhar para trás; para a ilusão do mundo e sorrir, indiferente como um jogador de xadrez ao final da partida. Mas somos puxados para trás e para frente a cada instante. São as vontades do mundo. E o mundo está perdido. A transformação do inferno em metáfora ou a descrença ativa no céu deixou o Ocidente sem coordenadas. Vagamos como zumbi, intolerantes, carentes e solitários. E acredite: dos dois, o inferno demonstrou ser o mais fácil de recriar.
Se são linhas tortas, pergunte a Deus. Fato é que a escrita do mundo é um romance melancólico de Dostoievski. Versos de Chapman já contavam que nenhuma pena pode escrever nada de eterno, se não for mergulhada na tinta das trevas. O ar está pesado. E a fragrância desse perfume é a da carência, do medo e da raiva. É o que respiramos. E o perfume é extraído de raízes profundas da ganância e da competitividade excessiva.
A sabedoria de Buda concluía: a vida é sofrimento. Como remédio para a enfermidade da existência, ele pregava o desapego às coisas, idéias, pessoas e à própria vida. Se o homem conseguir livrar-se dos desejos, apegos e do eu interior, encontraria o caminho para uma vida amena. E o caminho é varrer da mente as vontades e apegos através do exercício da meditação.
Cortar os fios da vontade que ligam o homem ao mundo é missão quase impossível. Schopenhauer sugere a arte. A música de Wagner, por exemplo, o fazia transcender as vontades do mundo. Mas o amigo leitor há de concordar: somos sugados pela rotina. Não há como se dedicar à meditação exclusiva ou à música. O contato com o homem é necessário. Seja no trabalho, em casa, no convívio em cada esquina do cotidiano.
Antes, o homem pudesse olhar para trás; para a ilusão do mundo e sorrir, indiferente como um jogador de xadrez ao final da partida. Mas somos puxados para trás e para frente a cada instante. São as vontades do mundo. E o mundo está perdido. A transformação do inferno em metáfora ou a descrença ativa no céu deixou o Ocidente sem coordenadas. Vagamos como zumbi, intolerantes, carentes e solitários. E acredite: dos dois, o inferno demonstrou ser o mais fácil de recriar.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Livro, diversão e arte para poucos
Quando passei pelo sebo Paraupaba acho que ouvi Goethe gritar lá de dentro: “Luz, mais luz!”. Talvez para iluminar um ambiente esquecido, de pouco movimento. Mais à frente, o rei Roberto Carlos cantava pretensioso: “Não adianta nem tentar, me esquecer...” Inútil. Lá estava o vinil ainda novo encostado ao relento, numa prateleira de sebo. Na prateleira de ofertas de até três reais, uma multidão menos ilustre recebe alguma atenção. As estórias (ou seriam histórias?) de cordel pediam leitura em voz alta. Tudo em vão. A décima edição da Feira de Sebos de Natal guarda todos esses nomes e uma programação cultural vasta, diversificada e atrativa. Nem assim.
A Feira permanece na Praça André de Albuquerque – nascedouro da cidade – até quarta-feira. Se este sábado fizer sol ou chuva, vale uma visita. Já às 10h haverá sarau sobre o escritor regionalista José Bezerra Gomes (1911-1982). Tem ainda oficinas, apresentações musicais, palestras, lançamento de livro de João Gualberto, papo com Vicente Serejo, Ana Maria Cascudo, Abimael Silva e João da Mata, sobre a história da cidade de Natal. E muito mais. Talvez pouco para estudantes que afirmaram ter ido em busca de vinis antigos de heavy metal. “Ta fraco de vinil. E essa música ta uma m..., tá ligado?”. Tocava um samba de coco naquele instante.
O evento reflete muito da situação educacional e econômica. A opinião do repórter numa matéria jornalística é ratificada por músicos, artistas e sebistas. E fácil, também, de constatar. Visite e verá. Antes fosse um formigueiro de formiguinhas ávidas pelo açúcar do cordel ou o veneno gostoso dos clássicos literários. Um pequeno amontoado de gafanhotos ainda compareceu ao lançamento do livro do chargista Cláudio Oliveira, Pizzaria Brasil. Cláudio já passou por este Diário e hoje publica seu trabalho no jornal popular do grupo Folha: o Agora São Paulo. “Fui convidado a lançar aqui e gostei da idéia. Sinto-me bem entre livros e amigos”.
Opinião diferente da “galera” dos vinis de heavy metal e de muitos ali. O estilo do público parece variado. Médicos, jornalistas, homo sapiens de pensamentos e atividades distintas. Mas a atmosfera do ambiente é uma só e formada por uma maioria de adolescentes vestidos com camisas de bandas de rock. Há até um varal com venda de roupas de Avril Lavigne, Metallica e outros. Gente de cabelo grande, adereços e calças fora do convencional. Claro, visto de perto ninguém é normal. Mas em cenários de esquinas afora o retrato é outro: o da grande massa consumidora. E essa massa ainda não percebeu a riqueza de uma Feira de Sebos.
Um dos produtores do evento, o sebista e editor Abimael Silva, disse ser difícil quebrar a casca do ovo. “A cada ano damos uma bicada”. O compositor e cantor Romildo Soares defende uma Feira permanente, toda semana ou pelo menos uma vez ao mês. “A Praça é um lugar agradável e a cidade carece de eventos como esse, de incentivo à leitura e à arte”. A lembrar o extinto Domingo na Praça. Outro músico, Mirabô reclama do notório: “o livro ta caro, o povo lê pouco”. E reivindica: “Eventos como esse merecem incentivos. É uma maneira de despertar a curiosidade do público para a leitura”.
Mirabô apontou o público presente: “São intelectuais e pessoas que já freqüentam sebos”. O sebista Franklin Serrão afunila o estereótipo: “São pessoas que freqüentam sebos, bibliotecas, ainda assim, sem freqüência”. E que tipo de pessoas são essas? Estudantes, punks e skatistas que já freqüentam a praça, pseudo-intelectuais, autônomos curiosos, músicos e artistas, bebuns do Centro? Franklin Serrão é dono do Sebo Paraupaba – é nome do índio que expulsou os portugueses da Paraíba. Era meio que inimigo do nosso índio Poti, o Felipe Camarão, amigo dos gajos. Paraupaba era caba brabo. Se saltasse do sebo e visse aquela gente esquisita, pouca e sedenta por livros baratos, nem sei da reação. Mas se tivesse a visão da grande massa comprando e se deleitando sobre os livros, de certo iniciaria a dança da chuva, na taba, para celebrar o fim da seca.
A Feira permanece na Praça André de Albuquerque – nascedouro da cidade – até quarta-feira. Se este sábado fizer sol ou chuva, vale uma visita. Já às 10h haverá sarau sobre o escritor regionalista José Bezerra Gomes (1911-1982). Tem ainda oficinas, apresentações musicais, palestras, lançamento de livro de João Gualberto, papo com Vicente Serejo, Ana Maria Cascudo, Abimael Silva e João da Mata, sobre a história da cidade de Natal. E muito mais. Talvez pouco para estudantes que afirmaram ter ido em busca de vinis antigos de heavy metal. “Ta fraco de vinil. E essa música ta uma m..., tá ligado?”. Tocava um samba de coco naquele instante.
O evento reflete muito da situação educacional e econômica. A opinião do repórter numa matéria jornalística é ratificada por músicos, artistas e sebistas. E fácil, também, de constatar. Visite e verá. Antes fosse um formigueiro de formiguinhas ávidas pelo açúcar do cordel ou o veneno gostoso dos clássicos literários. Um pequeno amontoado de gafanhotos ainda compareceu ao lançamento do livro do chargista Cláudio Oliveira, Pizzaria Brasil. Cláudio já passou por este Diário e hoje publica seu trabalho no jornal popular do grupo Folha: o Agora São Paulo. “Fui convidado a lançar aqui e gostei da idéia. Sinto-me bem entre livros e amigos”.
Opinião diferente da “galera” dos vinis de heavy metal e de muitos ali. O estilo do público parece variado. Médicos, jornalistas, homo sapiens de pensamentos e atividades distintas. Mas a atmosfera do ambiente é uma só e formada por uma maioria de adolescentes vestidos com camisas de bandas de rock. Há até um varal com venda de roupas de Avril Lavigne, Metallica e outros. Gente de cabelo grande, adereços e calças fora do convencional. Claro, visto de perto ninguém é normal. Mas em cenários de esquinas afora o retrato é outro: o da grande massa consumidora. E essa massa ainda não percebeu a riqueza de uma Feira de Sebos.
Um dos produtores do evento, o sebista e editor Abimael Silva, disse ser difícil quebrar a casca do ovo. “A cada ano damos uma bicada”. O compositor e cantor Romildo Soares defende uma Feira permanente, toda semana ou pelo menos uma vez ao mês. “A Praça é um lugar agradável e a cidade carece de eventos como esse, de incentivo à leitura e à arte”. A lembrar o extinto Domingo na Praça. Outro músico, Mirabô reclama do notório: “o livro ta caro, o povo lê pouco”. E reivindica: “Eventos como esse merecem incentivos. É uma maneira de despertar a curiosidade do público para a leitura”.
Mirabô apontou o público presente: “São intelectuais e pessoas que já freqüentam sebos”. O sebista Franklin Serrão afunila o estereótipo: “São pessoas que freqüentam sebos, bibliotecas, ainda assim, sem freqüência”. E que tipo de pessoas são essas? Estudantes, punks e skatistas que já freqüentam a praça, pseudo-intelectuais, autônomos curiosos, músicos e artistas, bebuns do Centro? Franklin Serrão é dono do Sebo Paraupaba – é nome do índio que expulsou os portugueses da Paraíba. Era meio que inimigo do nosso índio Poti, o Felipe Camarão, amigo dos gajos. Paraupaba era caba brabo. Se saltasse do sebo e visse aquela gente esquisita, pouca e sedenta por livros baratos, nem sei da reação. Mas se tivesse a visão da grande massa comprando e se deleitando sobre os livros, de certo iniciaria a dança da chuva, na taba, para celebrar o fim da seca.
Piadinha
Uma piadinha ultramodernista só para descontrair nesta sexta-feira de meio-sol e vontades inteiras:
- Pai, como é que eu nasci?- Muito bem, tínhamos que ter essa conversa um dia! O que aconteceu foi o seguinte: eu e sua mãe nos conhecemos e nos encontramos num CHAT, destes da NET que existem para se conversar. O papai marcou um INTERFACE com a mamãe num CYBERCAFÉ e acabamos PLUGADOS no banheiro do Cybercafé. A seguir, a mamãe fez um DONWLOADS no JOY STICK do papai e quando estava tudo pronto para a transferência de arquivo, descobrimos que não havia qualquer tipo de FIREWALL conosco. Como era tarde para dar um ESC, papai acabou fazendo o UPLOAD de qualquer jeito com a mamãe e nove meses depois, o VIRUS apareceu.
- Pai, como é que eu nasci?- Muito bem, tínhamos que ter essa conversa um dia! O que aconteceu foi o seguinte: eu e sua mãe nos conhecemos e nos encontramos num CHAT, destes da NET que existem para se conversar. O papai marcou um INTERFACE com a mamãe num CYBERCAFÉ e acabamos PLUGADOS no banheiro do Cybercafé. A seguir, a mamãe fez um DONWLOADS no JOY STICK do papai e quando estava tudo pronto para a transferência de arquivo, descobrimos que não havia qualquer tipo de FIREWALL conosco. Como era tarde para dar um ESC, papai acabou fazendo o UPLOAD de qualquer jeito com a mamãe e nove meses depois, o VIRUS apareceu.
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
O ano em que meus pais saíram de férias
O título do texto é o do filme exibido segunda-feira no Cinemark, dentro da promoção de R$ 2. Um luxo, digamos. É de encher os olhos. E fui com essa expectativa. Há poucas semanas, entrevistei um crítico de cinema cubano, convidado do Goiamum Visual e ele elogiou muito o filme – um dos indicados do Brasil ao Oscar.
Acredito em boas chances. É o estilo de filme que a Academia gosta. Uma estória sentimental e uma criança como protagonista. Como pano de fundo, o contraste da euforia com a fantástica conquista da seleção do tri campeã de futebol e a ditadura do general Médici.
Alguns podem confundir e pensar na tentativa de retratar a época. Discordo. Acredito na intenção de mostrar a transitoriedade entre a fase infantil e adolescente do personagem Mauro, interpretado pelo ator-mirim Michel Joelsas. E o diretor consegue penetrar bem nesse mergulho psicológico e comportamental de uma criança.
Mauro é filho de pais perseguidos pela ditadura. Diante do cerco militar, os pais são obrigados a fugir e deixar Mauro na casa do avô, em um bairro famoso por abrigar imigrantes e nordestinos, com a desculpa de que sairiam de férias. Diante da morte do velho, Mauro é criado por um judeu e vive a expectativa do início da Copa do México, data em que seus pais prometeram voltar.
Para retratar a solidão do menino, Cao Hamburger recorreu à metáfora do goleiro. O pai ensinou a Mauro que o goleiro está fadado a uma condição solitária durante uma partida de futebol. Quando ficou só após a fuga dos pais, Mauro também sentiu a mesma situação. E ascendeu o sonho de se tornar goleiro.
Cao Hamburger consegue retratar as solidões, as carências, decepções e aprendizados da criança. Tudo de forma simples, mas excepcional. E mesmo sem a intenção de mostrar pioritariamente a tensão dos anos de chumbo, o diretor – em seu segundo longa – conseguiu retratá-los melhor que muitas produções temáticas, como Olga.
Não é um filme pra mudar a vida do telespectador. Nem tem essa proposta. Alguns podem achar monótono pelos poucos diálogos. Mas acredito que o diretor quis mesmo retratar momentos de solidão. Foi assim também com O Outro Lado da Rua, de Marcos Bernstein – um longa que retrata a solidão na terceira idade.
Além do mais, os gestos, os olhares de Mauro falam muito mais e confirmam o clichê de que uma imagem vale mais que mil palavras. E pra quem não sabe, Cao Hamburger foi diretor da série e do filme Castelo Rá-Tim-Bum. Ele deve conhecer o universo, os dramas e as reações infantis. Um filme que vale muito a pena, mesmo ao preço normal dos cinemas. Se for R$ 2 e com promoção também na pipoca? Que alento ao bolso e ao bom gosto!
Acredito em boas chances. É o estilo de filme que a Academia gosta. Uma estória sentimental e uma criança como protagonista. Como pano de fundo, o contraste da euforia com a fantástica conquista da seleção do tri campeã de futebol e a ditadura do general Médici.
Alguns podem confundir e pensar na tentativa de retratar a época. Discordo. Acredito na intenção de mostrar a transitoriedade entre a fase infantil e adolescente do personagem Mauro, interpretado pelo ator-mirim Michel Joelsas. E o diretor consegue penetrar bem nesse mergulho psicológico e comportamental de uma criança.
Mauro é filho de pais perseguidos pela ditadura. Diante do cerco militar, os pais são obrigados a fugir e deixar Mauro na casa do avô, em um bairro famoso por abrigar imigrantes e nordestinos, com a desculpa de que sairiam de férias. Diante da morte do velho, Mauro é criado por um judeu e vive a expectativa do início da Copa do México, data em que seus pais prometeram voltar.
Para retratar a solidão do menino, Cao Hamburger recorreu à metáfora do goleiro. O pai ensinou a Mauro que o goleiro está fadado a uma condição solitária durante uma partida de futebol. Quando ficou só após a fuga dos pais, Mauro também sentiu a mesma situação. E ascendeu o sonho de se tornar goleiro.
Cao Hamburger consegue retratar as solidões, as carências, decepções e aprendizados da criança. Tudo de forma simples, mas excepcional. E mesmo sem a intenção de mostrar pioritariamente a tensão dos anos de chumbo, o diretor – em seu segundo longa – conseguiu retratá-los melhor que muitas produções temáticas, como Olga.
Não é um filme pra mudar a vida do telespectador. Nem tem essa proposta. Alguns podem achar monótono pelos poucos diálogos. Mas acredito que o diretor quis mesmo retratar momentos de solidão. Foi assim também com O Outro Lado da Rua, de Marcos Bernstein – um longa que retrata a solidão na terceira idade.
Além do mais, os gestos, os olhares de Mauro falam muito mais e confirmam o clichê de que uma imagem vale mais que mil palavras. E pra quem não sabe, Cao Hamburger foi diretor da série e do filme Castelo Rá-Tim-Bum. Ele deve conhecer o universo, os dramas e as reações infantis. Um filme que vale muito a pena, mesmo ao preço normal dos cinemas. Se for R$ 2 e com promoção também na pipoca? Que alento ao bolso e ao bom gosto!
Ausência
Correria. É esse o motivo da ausência neste espaço. Além da rotina estressante e turbulenta do dia-a-dia, novas atividades. Aderi àqueles do esporte, na tentativa de uma vida mais saudável. Agora sou nadador. Quase todos os dias, no hiato entre os dois expedientes. Além do mais, a incumbência na elaboração de uma revista de cultura temática, sobre o Poema Processo, tem roubado algumas boas horas.
Tudo contornável, como quase tudo nesta vida. Ainda hoje atualizo este blog. Gostaria de comentar sobre o filme do diretor Cão Hamburge, que assisti segunda-feira, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias. Coisa muito boa de se ver. Talvez da noite de lançamento do novo livro do jornalista Agnelo Alves. Ou quem sabe da expectativa para inauguração da nova ponte e das perspectivas para a velha Redinha. Até mais tarde...
Tudo contornável, como quase tudo nesta vida. Ainda hoje atualizo este blog. Gostaria de comentar sobre o filme do diretor Cão Hamburge, que assisti segunda-feira, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias. Coisa muito boa de se ver. Talvez da noite de lançamento do novo livro do jornalista Agnelo Alves. Ou quem sabe da expectativa para inauguração da nova ponte e das perspectivas para a velha Redinha. Até mais tarde...
quinta-feira, 1 de novembro de 2007
O progresso e Santa Rita
É com pesar que leio a notícia de que minha praia-refúgio já é mira dos altos empreendimentos imobiliários. É notória a valorização daquelas beiradas de mar. As cifras são milionárias e conhecidas de qualquer nativo. Mas até então, amigo leitor, Santa Rita vivia de vislumbres. Extensas áreas ainda abrigam apenas a mata rasteira e continuam coadjuvantes da beleza do mar. É a paisagem característica da praia: o verde do mar e as alvas areias, ponteadas por coqueiros.
Mas a notícia traz o chumbo daquelas verdades mais doídas. Um complexo imobiliário com um hotel, um condomínio horizontal e mais 3,2 mil apartamentos serão erguidos sobre minhas areias. E digo minhas, amigo leitor, porque miro aqueles chãos há mais de 25 anos. E até então, a praia ressentiu-se do progresso – primo-irmão do tempo. É o sinal dos tempos. Com pouco mais, a praia pacata e espremida ganhará ares de cidade. E na linha de frente, grandes empreendimentos estrangeiros.
Agora veja você: o mega-empreendimento é da empresa ValeroBrasil e será lançado próxima semana na Espanha, durante a Barcelona Meet Point – a feira imobiliária mais importante da Europa. Não, não cabe em minha imaginação aquela praia cercada de tédio e de balanços lânguidos de seus coqueiros, exposta dessa forma, desnuda e indefesa, à sanha dos estrangeiros. Seria preciso um nativo ou um veranista-amante daqueles alpendres à beira-mar para defender aquele pedaço de praia.
Coisa inútil, talvez. Progresso não se freia, amigo leitor. Há os que defendam, desde que de forma sustentável. Sou contra, ainda assim. O progresso apaga memórias, paisagens e muito dos costumes. A defesa primeira é a do desenvolvimento. Mas qual o preço a se pagar? Desenvolvimento também é preservação. Aos poucos seremos expulsos do nosso litoral. Santa Rita não possui sequer um Plano Diretor, como há, por exemplo, na praia de São Miguel do Gostoso. Imagino a visão do mar para aqueles jogados às periferias ou o impacto ambiental.
Tradições há aos montes. A maioria sobrevive em jogo de empurra contra o progresso. Agora imagine aquela catraia estacionada sobre toras de coqueiros, propriedade única de nativos da praia. Ela se apagará do mapa de minhas memórias. Duvido que continue ali como observadora passiva do mar. Em breve, lanchas dominarão o lugar e a linha de frente da praia será tomada não pelo ranger dos punhos das redes artesanais em seus alpendres, mas por áreas de lazer luxuosas, de piscinas e paredes de vidros, e o muito sagrado será coisa reservada a poucos profanos.
Mas a notícia traz o chumbo daquelas verdades mais doídas. Um complexo imobiliário com um hotel, um condomínio horizontal e mais 3,2 mil apartamentos serão erguidos sobre minhas areias. E digo minhas, amigo leitor, porque miro aqueles chãos há mais de 25 anos. E até então, a praia ressentiu-se do progresso – primo-irmão do tempo. É o sinal dos tempos. Com pouco mais, a praia pacata e espremida ganhará ares de cidade. E na linha de frente, grandes empreendimentos estrangeiros.
Agora veja você: o mega-empreendimento é da empresa ValeroBrasil e será lançado próxima semana na Espanha, durante a Barcelona Meet Point – a feira imobiliária mais importante da Europa. Não, não cabe em minha imaginação aquela praia cercada de tédio e de balanços lânguidos de seus coqueiros, exposta dessa forma, desnuda e indefesa, à sanha dos estrangeiros. Seria preciso um nativo ou um veranista-amante daqueles alpendres à beira-mar para defender aquele pedaço de praia.
Coisa inútil, talvez. Progresso não se freia, amigo leitor. Há os que defendam, desde que de forma sustentável. Sou contra, ainda assim. O progresso apaga memórias, paisagens e muito dos costumes. A defesa primeira é a do desenvolvimento. Mas qual o preço a se pagar? Desenvolvimento também é preservação. Aos poucos seremos expulsos do nosso litoral. Santa Rita não possui sequer um Plano Diretor, como há, por exemplo, na praia de São Miguel do Gostoso. Imagino a visão do mar para aqueles jogados às periferias ou o impacto ambiental.
Tradições há aos montes. A maioria sobrevive em jogo de empurra contra o progresso. Agora imagine aquela catraia estacionada sobre toras de coqueiros, propriedade única de nativos da praia. Ela se apagará do mapa de minhas memórias. Duvido que continue ali como observadora passiva do mar. Em breve, lanchas dominarão o lugar e a linha de frente da praia será tomada não pelo ranger dos punhos das redes artesanais em seus alpendres, mas por áreas de lazer luxuosas, de piscinas e paredes de vidros, e o muito sagrado será coisa reservada a poucos profanos.
E agora, José?
Quase que diariamente o amigo leitor lê ou assiste na mídia deflagrações de greves ou reclamações de trabalhadores e profissionais de categorias as mais variadas quanto aos salários defasados. Por trás das notícias, estamos nós, os jornalistas, responsáveis por significativa parcela de formação da opinião pública.
Hoje – dia de assembléia da categoria, vivemos nós, os jornalistas, um momento irônico: luta pelos próprios direitos de equiparar os salários ao árduo trabalho diário, à função que exerce como profissional ou mesmo baseado em perdas acumuladas em quase dez anos de atividade. E agora, José, quem irá noticiar nossas reivindicações? O periódico Correio da Tarde foi a única mídia, até o momento, a publicar matéria sobre o assunto.
E o consenso parece difícil, a julgar pelas duas reuniões ocorridas entre sindicalistas e empresários dos meios de comunicação. Na manhã de terça-feira ocorreu a 2ª rodada de negociação na Delegacia Regional do Trabalho. Para defender a categoria, participaram apenas representantes dos jornais Diário de Natal, Tribuna do Norte, TV Potengi e Rede Intertv Cabugi.
Infelizmente, o reajuste apresentado pelas empresas participantes foi de apenas 4%. Muito aquém do piso salarial unificado de R$ 945 apresentado como proposta do Sindicato dos Jornalistas do RN (Sindjorn). O reajuste com o novo piso é de aproximadamente 30% sobre os R$ 721 recebidos hoje por um jornalista recém-formado. O piso salarial para um repórter nível 3 (mais graduado da categoria) é de R$ 907.
A presidente do Sindjorn, jornalista Nelly Carlos reclamou ainda de algumas propostas referentes às cláusulas sociais, ignoradas pelos empresários. Estranho os empresários fecharem acordo com os radialistas de um reajuste de 8%. Para os jornalistas esse aumento só pode ser de apenas 4%?
Por esse motivo, pedi que os representantes das empresas se reúnam e façam uma avaliação da proposta que foi apresentada. Em contra-partida, os patrões pediram que a categoria se reúna em assembléia para definir uma nova proposta salarial, para evitar com isso, que o Acordo Coletivo vá a dissídio.
Para tanto, é importante a presença dos jornalistas na Assembléia-Geral Extraordinária, a ser realizada hoje, na sede do Sindjorn, situado à Rua Felipe Camarão, 385 - Cidade Alta, em primeira convocação, às 18:30h, com 10% (dez por cento) dos sócios, sediados na base, e em segunda convocação, meia hora depois, com qualquer número de presentes, conforme reza o Estatuto da Entidade.
A deliberação será sobre a avaliação da contraproposta da classe patronal quanto à pauta de reivindicação salarial 2007/2008. É importante lembrar que a 3ª rodada de negociação entre profissionais e empresários está marcada para as 10h, da segunda-feira (4 de novembro), na Delegacia Regional do Trabalho. Na oportunidade será apresentada a proposta resultante da Assembléia.
Hoje – dia de assembléia da categoria, vivemos nós, os jornalistas, um momento irônico: luta pelos próprios direitos de equiparar os salários ao árduo trabalho diário, à função que exerce como profissional ou mesmo baseado em perdas acumuladas em quase dez anos de atividade. E agora, José, quem irá noticiar nossas reivindicações? O periódico Correio da Tarde foi a única mídia, até o momento, a publicar matéria sobre o assunto.
E o consenso parece difícil, a julgar pelas duas reuniões ocorridas entre sindicalistas e empresários dos meios de comunicação. Na manhã de terça-feira ocorreu a 2ª rodada de negociação na Delegacia Regional do Trabalho. Para defender a categoria, participaram apenas representantes dos jornais Diário de Natal, Tribuna do Norte, TV Potengi e Rede Intertv Cabugi.
Infelizmente, o reajuste apresentado pelas empresas participantes foi de apenas 4%. Muito aquém do piso salarial unificado de R$ 945 apresentado como proposta do Sindicato dos Jornalistas do RN (Sindjorn). O reajuste com o novo piso é de aproximadamente 30% sobre os R$ 721 recebidos hoje por um jornalista recém-formado. O piso salarial para um repórter nível 3 (mais graduado da categoria) é de R$ 907.
A presidente do Sindjorn, jornalista Nelly Carlos reclamou ainda de algumas propostas referentes às cláusulas sociais, ignoradas pelos empresários. Estranho os empresários fecharem acordo com os radialistas de um reajuste de 8%. Para os jornalistas esse aumento só pode ser de apenas 4%?
Por esse motivo, pedi que os representantes das empresas se reúnam e façam uma avaliação da proposta que foi apresentada. Em contra-partida, os patrões pediram que a categoria se reúna em assembléia para definir uma nova proposta salarial, para evitar com isso, que o Acordo Coletivo vá a dissídio.
Para tanto, é importante a presença dos jornalistas na Assembléia-Geral Extraordinária, a ser realizada hoje, na sede do Sindjorn, situado à Rua Felipe Camarão, 385 - Cidade Alta, em primeira convocação, às 18:30h, com 10% (dez por cento) dos sócios, sediados na base, e em segunda convocação, meia hora depois, com qualquer número de presentes, conforme reza o Estatuto da Entidade.
A deliberação será sobre a avaliação da contraproposta da classe patronal quanto à pauta de reivindicação salarial 2007/2008. É importante lembrar que a 3ª rodada de negociação entre profissionais e empresários está marcada para as 10h, da segunda-feira (4 de novembro), na Delegacia Regional do Trabalho. Na oportunidade será apresentada a proposta resultante da Assembléia.
terça-feira, 30 de outubro de 2007
Oxímoro
Recebi por imeio. E como todos sabem, há muitas maldades nesse universo eletrônico. Mas vale para distrair:
“Oxímoro é, segundo o dicionário Houaiss, uma figura de retórica, na qual se combinam palavras de sentido oposto que parecem excluir-se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam uma expressão. Por exemplo: “o grito do silêncio”, “silêncio ensurdecedor”, “obscura claridade”, “contentamento descontente”, “ilustre desconhecido”, e por aí vai.
Escola Superior de Guerra, em outro exemplo, é um oxímoro, na opinião de Millor Fernandes: segundo ele, sendo de guerra não poderia ser superior. Pois é. O Brasil, além de tudo, é mesmo um país oximoroso. O autor da descoberta é o professor de português Sérgio Rodrigues. Ele descobriu que há um tremendo oxímoro que não sai das manchetes dos jornais nos últimos dias: “Conselho de Ética do Senado”.
“Oxímoro é, segundo o dicionário Houaiss, uma figura de retórica, na qual se combinam palavras de sentido oposto que parecem excluir-se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam uma expressão. Por exemplo: “o grito do silêncio”, “silêncio ensurdecedor”, “obscura claridade”, “contentamento descontente”, “ilustre desconhecido”, e por aí vai.
Escola Superior de Guerra, em outro exemplo, é um oxímoro, na opinião de Millor Fernandes: segundo ele, sendo de guerra não poderia ser superior. Pois é. O Brasil, além de tudo, é mesmo um país oximoroso. O autor da descoberta é o professor de português Sérgio Rodrigues. Ele descobriu que há um tremendo oxímoro que não sai das manchetes dos jornais nos últimos dias: “Conselho de Ética do Senado”.
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
De impressões variadas
Texto pra registrar impressões de um blogueiro desatento, mas que pesca aqui e ali algumas veleidades do momento. E talvez sejam os tempos da estação veraneio e os arroubos de superficialidades a inspirar os atores da nossa dileta Câmara Municipal de Natal. Enquanto esperam (eles e nós) o julgamento da tal Operação Impacto, nossos edis despejam seu precioso tempo para propor projetos como o de conferir à dublê de Ivete Sangalo, a baiana Cláudia Leite, o título de cidadã natalense. Bravo! Idéia genial do vereador Enildo Alves. A outra aberração vem do boxeador Adenúbio Melo e o projeto de lei que regulamenta o acesso às lan houses. Isso mesmo: o lutador quer a exigência de apresentação de requerimento dos pais para adentrar aos estabelecimentos. Parece brincadeira.
E para amenizar as barbáries, o clima natalino também pega carona e já arrefece corações. A decoração já começa a ser discutida. Fala-se na maior árvore iluminada do Brasil e, quiçá, do mundo. O titular da Semsur, Raniere Barbosa, tem procurado pesquisar o assunto para atestar com certeza. Será uma árvores de 100 metros, na entrada da cidade. E outra de 60 metros na Zona Norte. E a idéia é deixar permanente, mesmo quando o capitalista Papai Noel fugir com suas renas. O secretário tem feito um trabalho excelente no curto período de 10 meses. Foram quase 100 praças reformadas ou construídas. Um marco para qualquer gestão. Já se fala em pré-candidatura do moço à prefeitura.
Aliás, o discurso político de que só se fala em sucessão em 2008 já está se esgotando. Políticos já começam a soltar as famosas deixas de que serão candidatos ou descartarem seus nomes. É o momento para jornalistas aproveitarem. O ex-senador Geraldo Melo já avisou que está fora do páreo. Mas seu apoio ainda está indefinido. Outro que já lanço nome, indiretamente, no estilo “pra bom entendedor meia palavra basta”, foi o ex-secretário petista Rui Pereira. Mas briga mesmo fica pra Mineiro e Fátima. E ninguém tenha dúvida, nosso próximo representante será a borboletinha, Micarla de Sousa. E eu vou embora pra Pasárgada!
E lendo os jornais percebo a volta com todo o fôlego do jornalista Franklin Jorge, - acredito eu, um dos maiores intelectuais deste estado. Franklin andava sumido, talvez cansado em tanto escrever e nada publicar. Sem apoio, ainda guarda mais de 40 livros escritos a espera de serem publicados. Soube que ira jogar na praça cinco até o fim do ano. Assim esperamos.
E por falar em livro, a Feira do Livro de Mossoró trouxe discussões, palestras, debates e convidados excelentes e nem assim a mídia impressa de cultura dos jornais de Mossoró conseguiu acordar seus cadernos para o fato. É uma lástima. Mossoró é hoje candidata à capital nacional da cultura, tem nomes, companhias, grupos, autos dos mais expressivos do estado e a mídia cultural dos jornais não corresponde. Uma pena, mesmo. No mais é uma estrutura de carnatal sendo montada. E já escuto o barulhinho “todo mundo pra direita”, “tira o pé do chão”, “que galera é essa, mermão”. Sei não, viu? É isso.
E para amenizar as barbáries, o clima natalino também pega carona e já arrefece corações. A decoração já começa a ser discutida. Fala-se na maior árvore iluminada do Brasil e, quiçá, do mundo. O titular da Semsur, Raniere Barbosa, tem procurado pesquisar o assunto para atestar com certeza. Será uma árvores de 100 metros, na entrada da cidade. E outra de 60 metros na Zona Norte. E a idéia é deixar permanente, mesmo quando o capitalista Papai Noel fugir com suas renas. O secretário tem feito um trabalho excelente no curto período de 10 meses. Foram quase 100 praças reformadas ou construídas. Um marco para qualquer gestão. Já se fala em pré-candidatura do moço à prefeitura.
Aliás, o discurso político de que só se fala em sucessão em 2008 já está se esgotando. Políticos já começam a soltar as famosas deixas de que serão candidatos ou descartarem seus nomes. É o momento para jornalistas aproveitarem. O ex-senador Geraldo Melo já avisou que está fora do páreo. Mas seu apoio ainda está indefinido. Outro que já lanço nome, indiretamente, no estilo “pra bom entendedor meia palavra basta”, foi o ex-secretário petista Rui Pereira. Mas briga mesmo fica pra Mineiro e Fátima. E ninguém tenha dúvida, nosso próximo representante será a borboletinha, Micarla de Sousa. E eu vou embora pra Pasárgada!
E lendo os jornais percebo a volta com todo o fôlego do jornalista Franklin Jorge, - acredito eu, um dos maiores intelectuais deste estado. Franklin andava sumido, talvez cansado em tanto escrever e nada publicar. Sem apoio, ainda guarda mais de 40 livros escritos a espera de serem publicados. Soube que ira jogar na praça cinco até o fim do ano. Assim esperamos.
E por falar em livro, a Feira do Livro de Mossoró trouxe discussões, palestras, debates e convidados excelentes e nem assim a mídia impressa de cultura dos jornais de Mossoró conseguiu acordar seus cadernos para o fato. É uma lástima. Mossoró é hoje candidata à capital nacional da cultura, tem nomes, companhias, grupos, autos dos mais expressivos do estado e a mídia cultural dos jornais não corresponde. Uma pena, mesmo. No mais é uma estrutura de carnatal sendo montada. E já escuto o barulhinho “todo mundo pra direita”, “tira o pé do chão”, “que galera é essa, mermão”. Sei não, viu? É isso.