segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Vatenor pontilhado de cajus


Ainda é início da estação veraneio e os cajus já se assanham em vermelhos flamejantes nas dunas da província. Divide paisagens e cartões-postais com o tapete verde do mar e o marfim das areias. Nas telas de um dos mais renomados artistas plásticos de Natal, o caju é emblema da cidade tropical, quase sempre superposto ao mar tão seu, tão Vatenor. A moldura é cenário quase bandeira da capital litorânea. Os quadros quase derretem tamanho o calor. E se o clima é tropicaliente, as curvas desnudas de mulheres morenas ou os contornos plásticos das dunas exalam a sensualidade e as cores da estação.

Vatenor é autenticidade pintada; é identidade paisagística própria, de um mundo criado e vivenciado. Se a arte imita a vida o inverso também vale. A Natal de cajus cromáticos, dunas e pomares à beira-mar é a vida da cidade e o inconsciente artístico do artista. É a representação máxima da obra de Vatenor em 35 anos de pincel e vida dedicada às aventuras plásticas visuais. Essa trajetória estará decodificada em exposição sob o título quase sinestésico de Luz – Cor – Cajus. São telas iniciadas em 1974, quando o fuzileiro naval carioca trocou o chumbo cinzento das pólvoras e armas pelas cores efervescentes do verão.

Nesta quinta-feira – beirando o fim-de-semana sempre mais colorido – ocorre a vernissage da exposição na galeria da Fundação Capitania das Artes, a partir das 19h30. A visitação ficará aberta ao público potiguarino e tropicalistas de segunda à sexta-feira, das 9h às 18h. Como afirma o crítico de artes e artista plástico César Romero, o compromisso de Vatenor nestes 35 anos de ofício foi pintar. “Longe de teorizações inférteis, celebra seu torrão. Sua postura foi sempre o fazer e seus desdobramentos. A tela branca, desafiante, estimula seu olhar, que de simples e exato, comove a alma. Convence de forma poderosa sua raiz nordestina e original”.

A carreira de Vatenor enfrentou cruzadas de além-mar, passeou pelos cafés parisienses, cheirou o aroma da modernidade nova iorquina, viajou ao baixo Leblon carioca, sugou cenas, sentimentos e impressões artísticas das gerações de 70 e 80 até desaguar de vez no leito do Potengi em 1996. “Participei de várias exposições coletivas e vários salões. Realizei 27 exposições individuais, no Brasil e no exterior, com texto de apresentação de alguns críticos e várias personalidades do Mitier Artístico”, comenta. E Vatenor mata a desconfiança e mostra as palavras-poesias de poetas e críticos de arte como o arquiteto das palavras, João Cabral de Melo Neto:

“Vatenor, sem essa malícia sábia do pintor primitivo, pinta e repinta seus objetos, mais interessado que está em arranjá-los em novas composições do que em procurar introduzir novas anedotas. Por isso, essa lufada de ar fresco que nos sopra de seus quadros nos faz descansar das pesquisas incansáveis de sempre-vanguarda e também da falsa ingenuidade dos modernos pintores primitivos, que antes se chamavam ‘pintores de domingo’ mas que hoje são pintores ‘em tempo integral’, administrando sabiamente de seus ‘ateliers’ as fábricas de suas falsas ingenuidade em série”.

Outros renomados do tal metier das artes no Brasil, como o escritor, jornalista e crítico de arte Walmir Ayala, ou o cineasta e escritor Luiz Carlos Lacerda também entraram no jogo colorido de Vatenor e teceram apresentações pontilhadas do multicolorido da poesia. Mas foi o escritor e presidente de honra da Associação Brasileira de Críticos de Arte, Geraldo Edson de Andrade quem atesta e pergunta: “Vaternor é pintor naif com muitas qualidades. Tem o privilégio de morar em Natal, uma das nossas cidades mais bonitas, e é de suas belezas naturais que extrai os motivos para a sua pintura. E quais são esses motivos de Vatenor?”.

A resposta, o próprio Gerardo respondeu nas linhas sequentes. Mas cabe ao público captar fragmentos de percepções e olhares sobre a arte. Sem análises teóricas “inférteis”, como citou João Cabral. A subjetividade das formas e cores pode trair o espectador aparentemente mais preciso. Basta o contemplar. Sem racionalidade. E com desejos de mar, cajus e contornos desnudos.

Exposição: Luz – Cor – Cajus
Quem: Vatenor de Oliveira
Quando: Vernissage neste quinta-feira
Hora: 19h30
Onde: Galeria da Funcarte (Av. Câmara Cascudo, Centro)

* Matéria publicada nesta segunda-feira no Diário de Natal

Nenhum comentário:

Postar um comentário