Posto abaixo texto da leitora identificada apenas como Cris. São comentários a respeito da polêmica do cachorro pendurado à parede como obra de arte e outros pontos de vista:
A obra de Habacuc foi inspirada na morte de um imigrante, que foi praticamente devorado por dois cães da raça “rottweiler”. Segundo noticiou a imprensa, o episódio foi filmado e policiais que estavam no local se negaram a atirar contra os cães alegando que a vítima (o imigrante) poderia ser atingido.
A morte ocorreu, portanto, por irresponsabilidade puramente humana. Não vou dizer que conheço em detalhes a história, mas posso arriscar: cães treinados para matar, que de alguma forma entraram em contato com o imigrante (quando deveriam estar presos) e absoluta estupidez, ou quem sabe até má-fé, dos policiais.
Agora, colocar um cão para morrer de fome para dizer que é arte e que isso é feito em prol de uma causa “nobre”, convenhamos, não desce, não dá para engolir. É assim, chamando atenção, criando “polêmicas” (falem mal, mas falem de mim) que muitas pessoas alcançam a notoriedade, já que não possuem outras formas de fazê-lo, por não terem, por exemplo, talento, criatividade.
Gosto muito de ler as críticas de Ferreira Gullar porque sou, de certa forma, um tanto conservadora, um tanto avessa a inovações excessivas, não pelas inovações em si, mas pelo que elas têm na maior parte das vezes de vazias e inúteis. Certa vez fui a uma exposição cheia de instalações, e uma delas consistia em um monte de sal amontoado, de mais ou menos 1m. Ora, isso é arte?
Os artistas mais “inovadores”, sobretudo os que gostam de umas instalações, costumam dizer que tudo pode virar arte. Discordo. A arte tem a ver com a emoção, com o sentir, com a estética (não, não estou dizendo que uma tela tem que ser bonita, simétrica; a beleza pode estar presente em linhas tortas, disformes). A arte envolve transformação. Romper estruturas é algo louvável, mas esse rompimento precisa ter algum sentido, precisa ocasionar um plus.
Outra vez fui ver a bienal em SP e na minha cabeça tocava o tempo inteiro a trilha sonora desse evento: justamente a música “Bienal”, de Zeca Baleiro. Não havia quase nada de aproveitável. Não é preciso entender uma obra de arte racionalmente para sentir a sua força, para se emocionar com ela. Vide Jackson Pollock, dentre inúmeros outros. Mas o problema de alguns artistas é que sua “arte”, além de inacessível ao racional, não encontra nenhum eco no emocional.
Daí que eles precisam continuamente explicar o significado de certas “instalações” e criam justificativas pretensamente sérias para baboseiras que nem eles sabem o que são.
Presenciar o desespero das pessoas em um tiroteio é arte? Ir viajando e encontrar um acidente, com as pessoas agonizando, de corpo aberto pelas ferragens, é arte? Existe um médico alemão que acha que algo bem parecido é. Trata-se de Gunther von Hagens, que faz “esculturas” com corpos reais, dilacerados, e anda fazendo um tremendo sucesso.
Acho que o caso desse artista que usou o cão é semelhante. Ele quer atenção, e sabe da reação que vai causar. Também li na imprensa que ele disse que o importante é que a obra não terminou, que as pessoas seguem falando dela. Ah, seguem sim, mas falando na tortura ao cão. Mas no imigrante???? Quem fala sobre isso? Quem protesta contra alguma coisa inspirado nessa instalação?
Pra mim é evidente que ele ultrapassou em muito os limites e só quer notoriedade, pouco se lixando para imigrantes, para a violência, policiais corruptos ou estúpidos, whatever. Também não estou afirmando que a arte precisa de um fundo social; quem fez isso, quem atribuiu um sentido social, foi ele, Habacuc, ao “explicar” a sua instalação.
E na minha opinião tudo que foi dito se aplica também à idéia de exibir um paciente terminal. Há formas e formas de refletir sobre a morte. O artista Gregor Schneider escolheu uma forma patética e anti-ética, um “zoológico humano”, que nada acrescenta em termos de sentimento, emoção, beleza, no sentido amplo da palavra. E digo mais: todos eles se aproveitam desse estranho fascínio que nós, humanos, temos pelo macabro, pelo sórdido.
Não é à toa que quase todo mundo dá uma paradinha ou uma reduzida quando vê um acidente na estrada (para citar novamente esse exemplo). Não é à toa que os programas policiais têm tanta audiência. Pra ser bem atual, não é à toa que o caso da garota Isabela Nardoni está fazendo tanto “sucesso”. Tudo isso, a garota diariamente na mídia, o cão, as “esculturas de corpos”, a idéia do paciente terminal, tudo não passa de exploração barata.
Por fim, perdoe-me algum excesso neste comentário, é que esse assunto realmente me causa certa exasperação.
[image: Quando se usa o MAS é o mais?]
A expressão "quando se usa o MAS é o mais?" pode causar confusão para quem
está aprendendo português. Neste artigo...
Há 6 horas
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