quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Entrevista - Marina Colasanti


Pais leitores, filhos estimulados
Escritora Marina Colasanti ministrará a primeira palestra da quarta edição do Seminário Prazer em Ler, com início amanhã

No artigo Ensinando a Tristeza, um dos magos da crônica nacional Rubens Alves questionava a melhor maneira de repassar à criança o sentimento da tristeza. E escreveu: "Como se pode ensinar compaixão? A compaixão é triste? Ensinar compaixão será ensinar a tristeza? Tristeza será coisa que se ensine? Haverá uma pedagogia da tristeza? Estranho pensar que um professor, ao iniciar o seu dia, possa dizer para si mesmo: 'Vou ensinar tristeza aos meus alunos...' Eu mesmo nunca havia pensado nisso. E todos os terapeutas, não importando a sua seita, em última instância estão envolvidos numa batalha contra a tristeza. E agora eu digo esse absurdo, que tristeza é pra ser ensinada, para fazer melhor o coração".

A partir de amanhã, o 4º Seminário Prazer em Ler levanta questões acerca dos espaços da leitura literária nas escolas potiguares e a importância do estímulo à leitura à criança. O evento será realizado até sexta-feira no Centro Municipal de Referência em Educação Aluízio Alves (Cemure). A promoção é do Instituto C&A, Instituto de Desenvolvimento da Educação (IDE) e poder público. Uma das atrações do primeiro dia é a escritora Marina Colasanti, autora de mais de 40 livros entre literatura infantil e adulta. A escritora, que nasceu na Etiópia, morou 11 anos na Itália e vive no Brasil, ministrará, às 10h, palestra sob o tema Leitura, uma estrada a percorrermos juntos.

E sobre a dificuldade na escrita para os públicos, infantil e adulto, disse o escritor português José Leon Machado ao site Leitura Crítica: "É mais difícil escrever para crianças. Há escritores que só escrevem para crianças e presumo que para eles seja mais fácil, pois não desenvolveram a outra faceta". Quando escrevo um conto infantil, imagino uma criança a ouvir-me e autocensuro-me: uso frases mais curtas, evito vocabulário mais rebuscado e reduzo a ironia, que costuma estar muito presente na minha escrita para adultos”. Abaixo, Marina Colasanti responde essas e outras questões:

Entrevista - Marina Colasanti

Rubem Alves escreveu sobre a necessidade de se ensinar tristeza à criança, para que ela entenda a compaixão e a diferencie do simples "sentir pena". E a melhor forma seria a arte lúdica, a exemplo da literatura. É aconselhável ensinar percalços da vida - decepções, desamores, inveja... - na tenra idade?
Não sei bem o que está entendido aí como "arte lúdica", mas eu não colocaria a literatura nessa categoria. Não, não creio que seja necessário ensinar tristeza e percalços da vida à criança - provavelmente não foi isso que Rubem Alves quis dizer. Ela já os conhece. A vida, por mais protegida e macia que seja, se encarrega de fornecer a qualquer criança medo, insegurança, dor. Uma morte, uma separação, um simples afastamento, a suspeita de não ser o preferido, são vivências em que o sofrimento se dá a conhecer. O que, sim, deve-se oferecer à criança são meios para elaborar esses primeiros encontros com a dor. E para isso a literatura é fundamental. A criança não tem ainda vocabulário e conhecimentos suficientes para expressar o que sente, e muitas vezes o pudor ou o medo de não ser compreendida a impedem da falar de assuntos já tão profundos. Mas através de um livro, um livro bom e de conteúdo, ela pode dialogar em silêncio com seus sentimentos, consciente e inconscientemente, fortalecendo seu eu, e começando a longa construção da sua experiência.

Pela sua experiência de mãe e escritora, a leitura literária para crianças deve ser estimulada primeiramente com textos curtos ou os romances devem ser os melhores amigos já no início?
Impossível começar a estimular através de romances o gosto pela leitura, uma vez que este estímulo deve começar antes mesmo que a criança tenha aprendido a ler. E mesmo adiante, já sabendo decifrar um texto, ela terá que começar por textos curtos, indicados para a sua capacidade leitora.

Como mesclar de forma didática e pedagógica as metáforas e o fato concreto? Há uma dosagem certa ou a imaginação de cada criança dita a fórmula correta?
Não pensando em pedagogia. Um dos problemas da literatura infantil é justamente que muitas vezes, debruçado sobre as questões pedagógicas, o autor se afasta da literatura. Livro e literatura não são forçosamente a mesma coisa, embora a segunda use o suporte da primeira. Livros que são apenas livros, muito "ensinosos", tipo gato escondido com rabo de fora, podem não levar a criança a canto algum, ou até mesmo levá-la ao tédio. Um livro medíocre pode até distrair. Mas só a literatura acrescenta.

Após prêmios na literatura infantil e adulta, qual o mais prazeroso e dificultoso trabalho: escrever para criança ou para o leitor maduro?
Se eu preferisse um dos dois públicos, só escreveria para ele.

Em tempos de internet e e-books, o melhor caminho para os pais estimularem a leitura dos filhos ainda é a compra de livros impressos?
O melhor estímulo para os filhos é os pais serem leitores. Está comprovado, crianças que desde sempre viram seus pais entretidos com a leitura, que cresceram com a presença dos livros em sua casa, têm mais probabilidades de se tornarem leitoras. Minhas duas filhas são leitoras vorazes. Os livros impressos têm que fazer parte do cotidiano desde o início da vida, e não aparecerem mais tarde quase como uma imposição.

Nesse mundo cibernético, qual o melhor conto de fadas?
O mais conhecido no mundo é Chapeuzinho Vermelho. Mas não significa que seja o melhor. Há contos estupendos que nem chegam até nós. O melhor é que cada um escolha aquele que mais o emocione.

Matéria publicada hoje no Diário de Natal (AQUI)

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