Os saudosos Paulo Maux, Deolindo Lima, Zé Areia contariam histórias mais alegres do carnaval em Natal. Verdadeiras epopeias de folia quando o período momesco na Cidade do Sol era dos mais prestigiados do país. Época dos entrudos, corsos e assaltos saudáveis às casas alheias. O início do fim veio com a tragédia com a banda Puxa-Saco, em 1984 e a consequente dispersão às praias e a invasão dos axés baianos e forrós eletrônicos sem vínculo tradicional com o período. Há seis anos a prefeitura fundou o formato de pólos carnavalescos sem cordões de isolamento e desde então Natal reluta para jogar confete e serpentina do altar dos grandes carnavais do Brasil.
O pesquisador Gutenberg Costa encontrou na imprensa a primeira manifestação carnavalesca em Natal datada de 1877. Ainda se chamava entrudo, caracterizado pelo mela-mela com farinha e água. A tradição é portuguesa. No Brasil começou em Salvador e depois no Rio de Janeiro. Os primeiros cordões e ranchos de Natal (embriões dos blocos carnavalescos) tinham os mesmos nomes dos de Recife e Rio de Janeiro. “Nossa tradição é fundamentalmente oriunda do frevo recifense e do entrudo carioca”, afirma o pesquisador. As primeiras fantasias comercializadas em lojas de Natal vinham de navio. E a concentração se dava ao redor da antiga catedral, hoje a Praça André de Albuquerque, na Cidade Alta.
A Rua da Palha – atual rua Vigário Bartolomeu, nas proximidades da sede da prefeitura – foi o segundo ponto de movimentação carnavalesca da cidade, até meados da segunda década do século 20, já com uma elite natalense dominante nos festejos. “A decoração lembrava muito o São João: uma elite muito bem vestida, com chapéus e alguma formalidade”. Ainda segundo Gutenberg, nos anos 20 e 30 começa propriamente o carnaval de Natal na Tavares de Lira (Ribeira) com o desfile dos corsos. A característica eram carros abertos das famílias ricas, todos decorados e repleto de fantasias. Atrás vinham os cordões, ranchos e os primeiros blocos carnavalescos.
Na década de 40, o carnaval migra para o Centro e permanece até fins da década de 70. Época dos famosos blocos de elite: Os Apaches, Os Chefões, Magnatas… Eram mais de 50. Nessa época se tem o primeiro registro de um homem vestido de mulher. Era Raimundo Morais fantasiado de Carmem Miranda – um escândalo pra época. Em 1981, chega o primeiro trio elétrico vindo da Bahia. “Ainda era tempo bom de Moraes Moreira, Dodô e Osmar. Arrastava muita gente na Praia do Meio”. Três anos depois, o bloco Puxa-Saco e o carnaval festivo dos blocos subirira pela última vez a Rio Branco. Uma tragédia causada por um fio elétrico matou 17 integrantes do bloco. “No ano seguinte a imprensa noticiava a concentração de foliões nas praias de Maxaraguape e Pitangi”.
Entre 85 e meados da década de 90, Natal viveu tempos negros de carnaval com foliões dispersos, falta de blocos organizados e invasão do axé chinfrin da Bahia. As bandas independentes surgiram para resgatar os velhos carnavais. A Banda do Siri foi a primeira e reconfigurou a Redinha como pólo carnavalesco. Vieram o Antigos Carnavais, a Banda Independente da Ribeira, até que o prefeito Carlos Eduardo idealizou os pólos culturais, como fez mais de 30 anos atrás, Djalma Maranhão com a “Batalha dos Bairros”. Nos pólos da Redinha, Alecrim, Ponta Negra e Ribeira/Rocas, blocos ressurgiram mesclados a atrações musicais em palanques na tentativa de uma nova era para o carnaval de Natal.
O roqueiro do samba
Zacarias nasceu no meio do frevo pernambucano, morou no carnaval carioca, mas é inveterado filho do samba das Rocas: é roqueiro. São 46 anos de carnaval no bairro. “Meu pai pulava no Vassourinhas, era frevista mesmo. Com três meses vim pra Natal. Mas todo ano ele me levava pro carnaval em Recife. Nunca gostei de frevo. Já conhecia o samba das Rocas e queria voltar pra lá”. Quando o dinheiro faltou pra viagem, Zacarias passou o primeiro carnaval nas Rocas. “Assistia o Ferroviários do Samba, mas quem me influenciou mesmo foi o Endiabrados do Samba, depois Malandros do Samba”.
Aos 15 anos, Zacarias integrou o time da Balanço do Morro – escola de samba rival, discidente da Malandros. “Tudo que sei devo ao mestre Lucarino, a grande figura da escola”. O carnavalesco brincou ainda no Crioulo Fantástico e outras escolas. Ainda assistiu tempos áureos dos blocos carnavalescos das Rocas: Rapaz da Moda, Batente… “Eram blocos, mas puxados por samba. Lá nas Rocas o frevo existia quando, aqui e acolá, aparecia uma orquestra. Não tínhamos dinheiro pra isso. Quando muito arrumávamos um trator pra puxar o bloco”. E o bairro das Rocas sempre foi o berço do samba.
“Não conheço o carnaval do interior do estado. Fui uma vez pra Redinha, mas me senti perdido. Conheço o carnaval do Rio. Morei três anos no Rio. Vivia na sede da Mangueira. Mas quando chegava o período carnavalesco eu vinha pra cá. Não tinha jeito. No Rio eu seria mais um anônimo. No Rio basta ter dinheiro; qualquer um brinca. E conclui Zacarias Anselmo, hoje presidente da Liga das Escolas de Samba: “Vou morrer no carnaval das Rocas. É aqui onde tenho história”.
O santo do palco oco
Ele desfila há mais seis décadas no carnaval. É “carnavalesco de sangue”. Se você gosta dos antigos carnavais já viu Carlos Castilho, 72, fantasiado de beduíno, jardineiro, pirata. O anjo é o traje titular há mais de 20 anos. Um “santo” a quem não conhece o boêmio inveterado, amante da Redinha, querido da velha e nova guarda da boemia natalense. Este ano sai também de mórmon, com crachá, caneta e sacola com a vodka sempre companheira.
Castilho leva consigo o espírito do carnaval em Natal. Foi escolhido padrinho da banda Antigos Carnavais este ano, junto com a jornalista Salésia Dantas. É personagem histórico no carnaval de Natal. Desde os blocos Deliciosos da Folia e Asas do Ritmo, nos saudosos carnavais de outrora na Deodoro. “Época dos assaltos, dos corsos, dos grandes bailes do América e Aero Clube. Época boa que temos saudade, mas não deixamos de brincar por isso”.
* Publicado domingo no Diário de Natal
[image: Quando usamos a palavra em cima?]
Quando usamos a expressão "em cima"? Fique por dentro do significado e das
diferentes situações em que esta pal...
Há 5 horas
Olá, td bem? gostei muito do seu artigo,sou estudante da universidade federal do rio grande do Norte de Ciências Sociais e da Uva em História e estou me preparando para fazer minha monografia sobre o carnaval em Natal,gostaria muito que você me dissesse onde coletou alguns de seus dados , já me faria um grande favor...desde já agradeço.
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