terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Entrevista - Marcos Silva

Obra literária e produção cinematográfica são analisadas à luz da história e da ciência social

Se a arte imita a vida, a resposta pode ser analisada sob diferentes ângulos, visões e manifestações artísticas. De certo, o cinema e a literatura são representações contemporâneas, retratos de suas épocas. Para o historiador e cientista social Marcos Silva – organizador do livro Metamorfoses das Linguagens (Histórias, Cinemas, Literaturas) –, a arte não imita a vida, mas enxerga nuances invisíveis ao cotidiano. A obra lançada hoje na Livraria Siciliano (Midway), a partir das 19h, procura explicar as temporalidades entre literatura e cinema sob a ótica de diferentes manifestações artísticas e contextualizações históricas. São textos de autorias humanistas diferentes na tentativa útil de explicar as interferências da obra cinematográfica – e o livro de origem – no mundo e a conseqüente troca de “favores” entre eles.

Entrevista – Marcos Silva

De que forma o livro tenta explicar a dicotomia entre cinema e literatura sob as bases sólidas da história?
O livro é uma coletânea. Cada colaborador analisa um filme baseado em uma obra literária, a transformação sofrida entre as duas linguagens. É habitual o leitor desejar a fidelização da obra literária na tela de cinema. Sabemos que há linguagem própria para cada uma e, às vezes, momentos históricos diferentes. Morte em Veneza, por exemplo: a novela (de Thomas Mann) foi escrita antes da 1ª Grande Guerra. Traz o aspecto do mundo em crise, se dirigindo à guerra. Já o filme (pelo diretor Lucchino Visconti), produzido em 1970, é lançado após as duas guerras mundiais. Traz um mundo modificado e prega outras coisas. Já Vidas Secas é um filme mais fiel ao livro, mas também de linguagem própria. Perceba que em uma cena há o som de um carro de boi sem que haja o carro de boi, apenas para metaforizar a situação animalesca vivida pelos personagens. Em um livro, isso nunca funcionaria.

De que forma a arte, seja na literatura ou no cinema, interfere no mundo? No caso de Morte em Veneza, por exemplo...
Interfere refletindo o momento. A cidade descrita pela novela vive a Belle Époque, a confiança no progresso, na ciência. Mostra o esplendor, mas apresenta também o perigo rondando com a iminência da eclosão da 1ª Guerra Mundial. Não é à toa, o filme se passa em Veneza – uma cidade belíssima, mas construída sobre o mangue e com a peste se instaurando, ou seja: um mundo belo, mas em perigo. Quando o filme foi produzido em 1970, as duas guerras haviam passado. Penso que o filme revisita a advertência de que o mundo continua em perigo. O filme fala do passado, enquanto a novela retrata o presente. Tanto a novela quanto o filme possuem historicidade própria e interferem no mundo à sua própria maneira. O romance Vidas Secas (Graciliano Ramos) fala da extrema pobreza rural, que em 1938 era maioria. O filme, de 1960, falava da mesma exploração da pobreza, embora a população fosse em maioria urbana.

O diretor transferiu a época e manteve a essência...
Em Blow-Up (filme de Antonioni baseado no conto de Julio Cortazar) é ambientado originalmente em Paris, a então cidade da Belle Époque, de vanguarda. Mas o diretor transferiu as filmagens para Londres, que em 1966 representava o novo, o grande centro da moda, das modelos lindíssimas, das primeiras mini-saias, mas da sociedade com grande dificuldade de comunicabilidade. Por um lado, a vanguarda, a beleza. Por outro, a dificuldade de se entender. É uma beleza vazia, sem sentido. Então, o diretor se vale de liberdades poéticas e artísticas. Não para ser infiel à obra literária, mas pela necessidade do fazer artístico.

E com qual intensidade e alcance essa arte interfere no mundo?
A maior parte da população tem pouco acesso à alta arte. O cinema é caro e isso representa uma grande barreira. Claro, a educação pode ajudar nisso. Mas as pessoas que consomem grandes filmes, romances, poesias são mais sensíveis, têm mais facilidade de entendimento do mundo e são mais capazes de fazer escolhas.

Houve outro critério para escolha dos filmes analisados afora o da referência literária?
Os critérios foram livres. O livro nasceu a partir de debates organizados por mim no Sesc Pompéia, em São Paulo. Cada convidado escolhia um filme e comentava a respeito. Dessa forma, o livro é marcado pela diversidade. Há filmes brasileiros, hispano-brasileiro, norte-americanos, russo, japonês, francês, ítalo-britânico e uruguaio. Esses filmes são diálogos entre seus diretores e os escritores nos quais se inspiraram: Yakov Protazanov/Aleksei Tolstoi, John Ford/John Steinbeck, Orson Welles/Franz Kafka, Nelson Pereira dos Santos/Graciliano Ramos, Glauber Rocha/Regionalismo Literário Nordestino, entre outros.

Metamorfoses das Linguagens (histórias, cinemas, literaturas)
Coquetel de Lançamento
Data e horário: Hoje, a partir das 19h
Local: Livraria Siciliano (3º piso do Shopping Midway)
* O evento contará com apresentação de músicas de filmes relacionados a textos literários (vozes de Marcos Silva e violão de Paulo Marcelo).

Um comentário:

  1. olha,sérgio, viisito o teu blogue há algum tempo e, claro, não preciso dizer que gosto de suas postagens e tudo mais. esse,
    no entanto, é o primeiro comentário que faço aqui. diz respeito a uma entrvista de marcos silva falando de intelectuais,postada na última edição. o consagrado professor

    erra quando coloca intelectual e
    artista no mesmo balaio. acho que tirando um Da Vinci (artista, intelectal ou cientista ?) uma distinção se mostra clara. rousseau,o grande naífe, poderia ser visto como um intelectual ?
    o professor marcos silva é um intelectal ou artista ? caetano veloso, nei leandro de castro,marize castro, franklin jorge, zila mamede,ferreira itajubáitajubá,
    portinari,volonté o que são?

    ResponderExcluir