Desde quando se sabe que o mundo é mundo a privacidade é algo cultuado. Noé ficou puto ao ser flagrado pelo filho Cam, bêbado e nu em sua tenda. Está tudo no Gênesis. O tempo passa, a Bamerindus nem existe mais e a vida continua numa busca desenfreada por explicações. Até onde a liberdade alheia invade o seu mundo? Nem pergunte ao seu sábio vovô, leitor dos gregos pais da democracia moderna, de George Orwell, Montaigne e outros visionários. Melhor colher informações com a geração Google. São eles os protagonistas de um mundo interligado e revolucionário que se descortina sem segredos ou fronteiras.
Segundo informam especialistas nesse troço invisível chamado internet, um dos preços pagos pela inexistência de fronteiras no mundo será a divulgação de várias informações responsáveis por um verdadeiro rastreamento da vida particular de cada cidadão interneteiro. “Ah, mas eu não uso internet”. Terá que usar. Segundo esses mesmos nerds, em breve até objetos banais do cotidiano com um liquidificador estará interligado à internet e passará informações sobre consumo de energia, horários de uso e o escambal. Ou seja: algum desocupado interessado saberá que você tomou sua vitamina de banana às 7h34.
Enquanto a existência avança dos 15 minutos de fama profetizados por Andy Warhol para um Big Brother interminável, há “cidadãos” que enxergam além. O profeta Agaciel Maia vislumbrou essa abertura das janelas do mundo há 14 anos e procurou meios para preservar o que muitos buscam ou precisarão buscar nos próximos anos: privacidade. Escondeu um castelo no nome do irmão e desafiou a eficácia do projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer ao construir um bunker de 130 metros quadrados para encontros íntimos dentro do Senado Federal, embaixo do piso onde funcionam os escritórios mais disputados pela Casa. Uma escada secreta foi construída para interligar o bunker ao dito pavimento.
Na sala “privativa”, banheiro, sofás, tapetes vermelhos, spots com luz especial, frigobar, equipamentos de som e vídeo, um telão e um cofre de aço de um metro de altura. Imagine todos esses objetos interligados à internet; ao mundo futurista onde todas as informações serão digeridas da forma como quiser, como também adiantou o visionário Collor? Os vestígios seriam mais do que a bisnaga de KY (pomadinha lubrificante indicada para proteger nosso monossílado), revistas e vídeos eróticos, manchas no sofá (o cara tinha ejaculação precoce? Só a internet do futuro poderá responder...). Verdade é que durante 14 anos, o ex-diretor do Senado botou na gente sem cuspe ou KY. Tudo secreto, privado.
Os momentos íntimos do profeta Agaciel e da sua telefonista que andava de BMW estavam até então encobertos pelo manto de uma nuvem distante do espaço de processamento e armazenamento de dados proposto pelo Novo Mundo de olhares atentos, escondidos nas tomadas das residências. Baixada a nuvem carregada, já com portas abertas ao verão, Agaciel foi flagrado pelo Diário de Natal num bar da cidade. Tomava uma cerveja de R$ 60. A prova? A foto tirada a partir do celular da repórter e o garçom cabueta (esses existirão sempre, em qualquer Era). Por sorte estava acompanhado da família. Não era nenhum encontro clandestino.
É que muitos marmanjos, ainda desacostumados com as novas tecnologias, insistem em desculpas esfarrapadas, quando o histórico de navegação na internet pode ser rastreado. Os celulares já tiram fotos, filmam e agora possuem GPS para localização dos bares até então privados, restrito aos bons amigos, à cerveja e à conversa solta, da vida alheia cada vez mais perseguida. Na mesa ao lado pode morar o inimigo. Celulares, iphones, gravadores, câmaras projetadas numa caneta. E todas as provas repassadas via laptop, bluetooth ou outra palavra inglezada aos arianos suassunas e inocentes maridos. Ao chegar em casa, as informações e flagrantes já foram repassadas às antenadas esposas, ainda protegidas pela antiga, simples e eficiente desculpa da dor de cabeça.
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