quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Arte milenar em extinção
Um dos únicos marcheteiros de Natal promove vernissage de sua nova coleção hoje, no Palácio da Cultura
A arte de combinar madeiras na formação de figuras é cada vez mais incipiente. A questão ambiental e o crescimento das indústrias dificultam a compra da madeira a quem deseja perpetuar a arte milenar da marchetaria com esta técnica. Em Natal, Ulisses Leopoldo mantém a tradição. É o único expositor da cidade e com nova vernissage marcada para a noite de hoje, no Palácio da Cultura, Cidade Alta.
A exposição é temática. São 29 quadros de florais em variados formatos, cores e materiais. A minúcia na colocação de pedaços de madeira em encaixes perfeitos se vê em todos eles. O tamanho médio dos quadros é de 45x40cm. Cada um ao custo de R$ 450. Algumas peças confeccionadas pelo marcheteiro empregam até 2,5 mil pedaços de madeira na formatação figurativa ou paisagens.
São mais de três décadas de aprendizados e aperfeiçoamentos na técnica. Ulisses é hoje o maior representante da marchetaria em Natal. Começou na arte com uso de madeiras em 1974 sem qualquer informação a respeito; nem mesmo o nome "marchetaria" era familiar ao jovem universitário. "Um rapaz empregado lá de casa trabalhava também em indústria de beneficiamento de madeira e sempre deixava pedaços por lá", lembra.
E com as "raspas de madeira" e a curiosidade em conhecer o processo detalhado daqueles entalhes dos móveis antigos ou dos violões mais trabalhados, Ulisses se iniciou na arte. Só com alguns anos de prática descobriu a madeira folheada - uma espécie de papel de madeira, que hoje funciona como revestimento dos móveis de compensado. "Os móveis de antigamente eram feitos de madeira boa, maciça. Hoje são compensados, como se fossem fórmicas, apenas revestidos dessa madeira de qualidade".
Ulisses - mestre de alguns outros poucos marcheteiros da cidade ainda sem exposições individuais - prevê o fim da técnica da marchetaria em madeira. "Talvez eu ainda esteja vivo para assistir esse fim porque a compra do material básico da madeira é cada vez mais difícil". Questões ambientais e domínio do setor industrial sobre o pouco que resta são alguns motivos apontados pelo marcheteiro.
Por isso, Ulisses guarda em casa madeiras originais da África, Canadá, Chile, para usar em pequenos detalhes das obras. "Sei da dificuldade de encontrar esse material quando acaba", lamenta. Na exposição de hoje todos os quadros são elaborados a partir de madeiras nacionais como imbuia, mogno, cedro, marfim e outros. Apenas poucas peças guardam detalhes das madeiras estrangeiras.
Técnica
A marchetaria é arte de incrustar, embutir ou aplicar peças recortadas de materiais diversos. Podem ser metais, pedras, madrepérola e até casco de tartaruga. O ofício com a madeira praticado por Ulisses é o mais raro hoje em dia. O processo de elaboração das peças nasce a partir de um bloco de madeira maciça. E consiste na colagem de diferentes pedaços de madeira recortados de acordo com o padrão da figura.
A segunda etapa é o torno, que dá forma e lavrar com exatidão peças grandes, como vasos, pratos ou bolas decorativas, ou bem pequenas, como um anel. Por último, o trabalho recebe o acabamento à base de cera de carnaúba para melhor conservação e brilho natural. A técnica permite o aproveitamento máximo de cada árvore retirada da natureza.
Ulisses atende encomendas de toda sorte. Surgem quase sempre a partir das exposições que promove a cada dois anos. São figuras de animais e humanas, paisagens, frutas, plantas... “Também faço autoretrato. Mas a madeira limita muito a exatidão neste caso porque o trabalho com a madeira é todo ele chapado, sem nuances arrendondadas”.
O artesão explica que os autoretratos carecem de sombras que exigem técnicas abolidas por Ulisses. “Há técnica para impressão de sombras. Mas não gosto: tinge e queima a madeira com areia quente... Meu trabalho é todo natural: textura, cores, tudo”. E conclui: “Passo meu recado com o que tenho à mão”.
Florais em Marchetaria
Expositor: Ulisses Leopoldo
Onde: Palácio da Cultura (em frente à Assembleia Legislativa, Cidade Alta)
Abertura: hoje, às 19h30
Preço: R$ 450 (qualquer peça).
Visitação: até 12 de setembro, das 9h às 17h (de terça a domingo)
Contato: 3232-9727
* Matéria publicada hoje no Diário de Natal (AQUI)
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