terça-feira, 24 de agosto de 2010

Novo livro de poesia de Carmem Vasconcelos


Caos na poesia, magia no conto
A poetisa Carmem Vasconcelos e a filha Carolina lançam livros inéditos amanhã

“A poesia existe porque a vida não basta”, disse o poeta Ferreira Gullar. E o novo livro da poetisa Carmem Vasconcelos ameniza as durezas da vida. Menos pela doçura poética. Não são poemas melados de mel. O alento brota da essência poética de multiplicar sensações. E no livro O Caos no Corpo (Editora Ideia, 114 pág. R$ 20) elas são fundamentalmente existenciais, de doces melancolias muitas delas restritas ao universo feminino repleto de sensualidades. O terceiro livro de poesias de Carmem será lançado às 19h de amanhã, na Livraria Siciliano, do Midway.

E basta a poesia do livro. Ou a ilustração de O Jardim das Delícias, de Bosch. Sem prefácio, orelha ou apresentação, apenas as palavras da poetisa saciam vontades de leitura e revelam mundos a partir das brechas deixadas pelos sentimentos. São poemas escritos em primeira pessoa, em maioria. “São em primeira pessoa, sem querer ser”, diz a poeta. Feminilidades angustiadas, sensuais, iniciam os textos e preenchem boa parte do livro. As metalinguagens também estão bem presentes: a poetisa desnuda o poema, como se poema fosse verbo. E o verbo se fez carne, corpo de mulher, desnudado.

“É existencial, sim. É pessimista. Talvez à maneira de Saramago pensar. É perigoso dizer isso. Mas sou meio desencantada com a vida. Faço festa em cima da tragédia, embora a tragédia não deixe de ser uma festa. Pelo menos acredito nisso – sou meio dionisíaca”, diz a poeta, cheio de crenças e descrenças, de quem escreve em primeira pessoa sem querer se desvelar. “É que não é exatamente a minha pessoa, a minha casa. Invento muita coisa; deixo a mente fluir na hora de escrever”. Foi assim no primeiro livro Chuva Ácida (2000) e Destempo (2002), ambos pela Fundação José Augusto.

Os poemas do capítulo A Casa descrevem minúcias e recantos da mulher tão cheia de dúvidas existenciais e desejos contidos das primeiras páginas. O jardim, a varanda, a sala, a copa, a cozinha, o quarto dos livros, a saleta da máquina de costura, o banheiro, são todos títulos de poemas. Cada qual com almas próprias. E neste último... “O banheiro nunca se livrou das réstias./ Elas azulavam o chão e os azulejos,/ e os corpos desnudos e a água.// Aquele lugar parecia/ um conciliábulo de zebras.”

A ousadia vem em seguida. Se Erasmo de Roterdã elogiou a loucura. Carmem Vasconcelos escreve Elogio do Clitóris, e inicia o capítulo com O deus das pequenas coisas: “O clitóris é o meu oráculo./ Antes das predições, me amorna,/ é o seu jeito de me chamar./ Aí fico acesa feito círio,/ aclarada de visões./ Só mesmo o clitóris me revela:/ O deus tem vontade de mim”. E nas páginas seqüentes, murmúrios contra hipocrisias, tabus e preconceitos contra a liberdade sexual feminina em poemas curtos e incisivos, de certa rebeldia juvenil encarcerada no corpo de mulher.

Em Cânticos do Cântico, a Carmem em poema único. O livro em síntese. Metalinguagens, odes ao amado, a libido de quem é “cativa do vento”, a liberdade incontida ou contida pela timidez... “Coisas profanas me tentam,/ inventam outra de mim.// Mas o teu hálito me converte em santa.” Até o desfecho do livro, anunciando O Caos (ou a poesia da cidade visível). E a completa descrença na cidade que é universo, que é vida. “Dunas dunas/ Seios que sucedem seios/ Seios migram mergulham em sim mesmos/ Seios sem corpos sem função/ Apalpados pelas mãos dessa cidade/ Movida a sustos/ Transida de escárnio e maldizer”. E o último suspiro do poema: “Por ti estou virando mar”.

Contos do Mundo Mágico
Na noite de lançamento do livro O Caos no Corpo, de Carmem Vasconcelos, a filha Carol Vasconcelos, 21, lança Contos do Mundo Mágico (Editora Ideia, 158 pág. R$ 25). Carolina é estudante de psicologia e trouxe a literatura fantástica à trama da estória de seu livro de estreia, voltado ao público infanto-juvenil. Os contos de fada se unem em mesmo enredo e transportam as magias da infância ao mundo mais palpável do livro físico e ao universo lúdico da imaginação. É a materialização dos sonhos em estórias repletas de personagens fantásticos e aventuras travadas por piratas, fantasmas e seres alados.

TODO POEMA É PERJURO

“Todo poema é perjuro,
todo poema é corpo.
E o corpo, esse passante...
Por quanto tempo suportará o corpo
a decomposição da alma?
Que é alma, senão aquilo
que não se põe no poema?
Não é fácil compor a alma,
nem compor o verso,
o medo de existir nos acossa.
Acordei tarde por medo de existir,
o sono era grave, com pesadelos.
O medo de existir não cicatriza”.

(Carmem Vasconcelos)

Lançamento literário
Onde: Livraria Siciliano (Midway)
Data e hora: amanhã, às 19h
Livros: O Caos no Corpo (Carmem Vasconcelos) e
Contos do Mundo Mágico (Carol Vasconcelos)
Preço: R$ 20 (Carmem) e R$ 25 (Carol)

* Ilustração de Julio Saens

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