Museu do Vaqueiro constroi história e preserva riqueza cultural do sertão nordestino
Nem precisa ir longe para recordar os bons baiões, xotes e xaxados de Luiz Gonzaga ou os forrós autênticos de triângulo, zabumba e sanfona. Muito menos para chegar ao Museu do Vaqueiro, situado a menos de 30 minutos de Natal. Lá, tradição, idealismo e música autêntica se fundem para combater a peste negra dos forrós pornofônicos e preservar costumes sertanejos perdidos nas entrelinhas do tempo.
“Beber, cair e levantar”, esta sim, é filosofia distante do Museu do Vaqueiro e das raízes familiares de seu proprietário, o engenheiro agrônomo Marcos Lopes. As terras herdadas pela família desde o início do século passado sempre guardaram tradições sertanejas, do cotidiano à música. Hoje, funciona como espaço cultural e foco de resistência aos ideais defendidos por Oswaldo Lamartine.
No último sábado, o Museu do Vaqueiro (que também abriga o tradicional Forró da Lua, próximo à Lagoa do Bonfim) promoveu a segunda edição do Forró em Debate. O tema foi Luiz Gonzaga. Estiveram à mesa o documentarista pernambucano Anselmo Alves, o pesquisador potiguar Kyldemir Dantas e contou a participação especial do herdeiro de Gonzagão, Dominguinhos.
Cerca de 100 pessoas ouviram atentas as discussões antes de caírem no forrobodó. No fim do debate - e para provocar o público à reflexão - foram exibidas imagens agressivas de coreografias sádicas e letras “musicais” alusivas à prostituição, ao alcoolismo e à pedofilia, amplamente tocadas em rádios e apresentadas em mega eventos festivos, muitos deles pagos com dinheiro público e exibidos em praças públicas para maiores ou menores de 18 anos.
Na contramão desse universo alienante, Marcos Lopes conserva o retrato da realidade, mesmo que cada vez mais distante dos dias contemporâneos. Em um espaço do Museu do Vaqueiro estão expostos peças típicas do cotidiano do vaqueiro e dos aboios de outrora. Perneiras, gibão, montarias, registros documentais e peças raras como uma sanfona usada por Gonzagão se encontram no Museu. Algumas vestimentas e apetrechos foram usadas pelo ator Marcos Palmeira nas filmagens e O homem que desafiou o diabo.
Há projeto para documentar o Museu do Vaqueiro em vídeo. O Ministério da Cultura e o Banco do Nordeste também estudam propostas para incrementar a atividade no local. A atmosfera sertaneja também é cultivada na pousada Coisa da Burra, que assim como o Museu e o Forró da Lua, está localizada dentro da fazenda Bonfim, às margens da lagoa.
Foi nessas terras onde já se apresentou a nata do forró brasileiro, incluindo momentos históricos como o último show de Elino Julião, acompanhado por Dominguinhos, que voltou ao local no último sábado e conversou com a reportagem do Diário de Natal:
Entrevista – Dominguinhos
O que ainda falta discutir na obra e na vida de Luiz Gonzaga?
Deve ter muita coisa. Gonzaga tem muita música que não se toca, não se escuta. Mostram só Asa Branca, Boiadeiro, Assum Preto... E Gonzaga foi um grande pedinte deste Norte-Nordeste. Ele provou que o Nordeste podia pedir sem ser malandro. O nordestino é um povo trabalhador. Não pode só pedir em troca de voto. “Seu dotô os nordestino têm muita gratidão\ Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão\ Mas doutô uma esmola a um homem qui é são\ Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão...”. Zé Dantas fez essa música pra Gonzaga gravar. É triste. Hoje, a mulher sertaneja tem dez, doze filhos para engordar o Bolsa Família. Isso vicia. O nordestino merece trabalho, dignidade. E Gonzaga cantou isso, cantou a seca, cantou os costumes, a boiada, a alegria e a força do nordestino, cantou o amor.
Falar em Zé Dantas, ele e Humberto Teixeira – dois dos maiores parceiros de Luiz Gonzaga - são subdimensionados na música brasileira? Este último só agora mereceu documentário a respeito de sua obra...
Foi. A filha até se incomodou porque tinha umas arestas com ele. Até cheguei a conhecê-la... Zé Dantas tem uma neta daqui, né? (Marina Elali). Mas eu era muito novinho, tinha vergonha de chegar perto. Hoje, os menino tão tudo exibido. Mas são dois grandes autores que ajudaram demais Gonzaga crescer na carreira. Teve também Antônio Ramos, João Silva, ou antes com Miguel Lima... Esses dois primeiros, sobretudo, são responsáveis por sucessos como “Tá é danado de bom, tá é danado de bom, meu cumpade...”, ou Forró de Helena...
É verdade que Luiz Gonzaga se sentia inseguro para cantar se tivesse sem a sanfona e até escapulia uma desafinaçãozinha?
Ah, a sanfona dá um apoio grande. Uma vez ele me disse que precisava aprender onde colocava as mãos quando estivesse cantando sem a sanfona. Foi difícil ele se acostumar. Mas foi preciso por causa da coluna. Eram 15, 16 quilos e ele já não podia mais.
Vemos hoje uma aceitação bem maior pelo forró eletrônico ou pornofônico. O forró autêntico tem data de validade?
Eu acho que num acaba nunca. Agora, é preciso que essas bandas melhorem a harmonia, as composições. Se fizer música de qualidade não tem problema se é eletrônico. Não se pode exigir o mesmo estilo, a mesma pegada. Mas o público pode e deve exigir respeito e música boa.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário