Por Jardel Dias Cavalcantino Digestivo Cultural
Liberar a arte de seu caráter puramente panfletário e apontar a sua natureza incômoda pelo simples fato de ser arte, por seu desejo de revisar criticamente a própria realidade, refazê-la, reinventá-la, poetizá-la, introduzindo contradições, abismos, inclusive chamando atenção, mesmo que de forma extrema, para aspectos de seus limites éticos ou não, eis o verdadeiro caráter político da arte.
Baudelaire, ao comentar Os Miseráveis, de Victor Hugo, dizia que o artista, por vezes, deveria enfiar o nariz do espectador na lama. Ou seja, revelar para ele as injustiças do mundo, a desumanidade da sociedade. Foi o que Picasso fez com Guernica, não de uma forma panfletária, mas mostrando no próprio dilaceramento da forma da arte o dilaceramento de um mundo violento. Ali talvez estivesse contida a ideia mais radical de uma dialética entre forma e conteúdo na arte, ou aquilo que T. W. Adorno dizia: na grande obra de arte a forma é o próprio conteúdo.
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Umas das obras surpreendentes é com certeza a instalação Bandeira branca, do artista Nuno Ramos, que praticamente reconstitui gravuras de Oswald Goeldi onde aparecem urubus (também apresentadas nesta Bienal). Para além da polêmica ambientalista de maltrato a animais usados em obras de arte, o que nos interessa é perceber esse caráter de indeterminação que a obra causa, seu tamanho gigante nos lembrando a ideia do sublime, de algo que não podemos alcançar com a mente e nos leva à sensação de imprevisibilidade diante da impossibilidade de termos o conjunto da obra, de chofre, à nossa frente, predisposta ao nosso entendimento.
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