Por Julio Daio Borgesno
Digestivo CulturalQuem assistiu às apresentações de Jorge Drexler no Brasil, naturalmente percebeu que ele era um verdadeiro músico. Se os primeiros registros em estúdio flertavam com o pop comercial, Drexler adquiriu uma nova dimensão ao compor, justamente, a trilha sonora de Diários de Motocicleta (2004, a convite do próprio Walter Salles). Levando, inclusive, o Oscar específico. Assim, este Amar la Trama é mais um degrau no crescimento de Drexler, que havia ido mais longe do que nunca em Cara B (2008), um show quase acústico que, para os nossos ouvidos, flertava com a MPB e com outros gêneros mais tradicionais de música popular espanhola e hispano-americana. Uruguaio, Drexler abraçou a causa da América Latina, incluindo o Brasil, com muito respeito, e tem sido bem-sucedido, e aceito, desde a Europa até a mesma América. Em La Trama, exercita sua prática musical no velho formato de banda, adicionando metais e sopros, e perseguindo uma sonoridade quase vintage – com semi-acústicas, slide guitars, guitarras españolas, clarinetes e trompetes (à la letreiros de Woody Allen). O CD abre com duas faixas que lançam o conceito do álbum: “Amar la trama, más que el desenlace”. Preferir, mais do que a chegada, o caminho. A “travessia”. Assim escreve Drexler e canta: “Estoy aquí de paso./ Yo soy un pasajero./(...) Estoy aquí si nombre/ Y sin saber mi paradero”. La Trama, o disco, alterna momentos de muita alegria, de tocar em conjunto, com outros temas mais reflexivos, quiçá evocando o trio que passou por nós. A terceira faixa, mais um exemplo, é de um lirismo que indica um novo patamar (desta vez, nas letras de Drexler): “Que es lo que viste em mí?/ Que es lo que te hizo abrir así/ Tus miedos, tus piernas, tu calendario/ Las 7 puertas sagradas de tu santuário”. Da terceira, pulamos para a sexta: um momento Frida (na fossa); ou Buena Vista, com Leonor Watling fazendo as vezes de Omara Portuondo (que, aliás, gravou Drexler). Outra “feliz da vida” (a sétima), e outra bluesy (a oitava). Da nona, participa Ben Sidran e, na décima, mais versos inspirados: “La noche estaba cerrada/ Y las heridas abiertas/(...) Tenía la edad aquella/ En que la certeza caduca/(...) Algo de aquel asombro/ Debió anunciarme que llegarías”. Jorge Drexler, enfim, carrega o frescor, talvez ingênuo, que a música em geral perdeu, que a indústria matou e que os músicos, em sua maioria, não conseguiram reencontrar. Afinal, conforme a epígrafe do próprio encarte: “People used to make records/ as in a record of an event:/ The event of people/ playing music in a room./ Now everything is cross-marketing,/ it's about sunglasses and shoes,/ or guns or drugs, you choose” (Ani Di Franco).
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