segunda-feira, 1 de março de 2010

Apaixonado pela inovação - José Mindlin


Por Bruno Galo,
Do Estado de São Paulo

José Mindlin tem 94 anos e não passa um dia sem se debruçar sobre um dos livros da sua imensa biblioteca particular, a maior do Brasil. Ele não é um homem conectado, sequer faz uso direto da internet. Mas, reconhece que as novas tecnologias podem ter um papel importante na democratização do conhecimento e no despertar do interesse dos mais jovens pela leitura. Pensando assim, é que ele decidiu doar em 2006 todas as obras brasileiras da vasta coleção à Universidade de São Paulo (USP). A partir de então, ela passou a ser chamada de Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

“Nunca me considerei o dono desta biblioteca. Eu e Guita (esposa já falecida de Mindlin) éramos os guardiães destes livros que são um bem público”, pondera, “não tenho o fetiche da propriedade, tão pouco da exclusividade”. A doação deu origem ao projeto Brasiliana USP (www.brasiliana.usp.br) que apenas este ano começou a ganhar seus contornos mais interessantes com a digitalização dos títulos e sua posterior disponibilização gratuita na web. Assim, desde o mês passado, qualquer pessoa pode ler ou mesmo baixar boa parte do valioso acervo, que inclui obras raras e históricas, como as primeiras edições dos livros de Machado de Assis, que entraram no ar na semana passada.

Mindlin se mostra bastante animado com o avanço do projeto. “Sempre achei o livro um instrumento de formação de pessoas e quanto maior o número de beneficiados pela digitalização, melhor”, afirma. “Cresci com o livro de papel, e no meu caso o livro eletrônico não encontrou eco. Mas acredito que essa iniciativa pode ajudar a despertar o interesse nos leitores mais jovens”, diz, otimista, ele que começou a formar sua biblioteca aos 13 anos, quando adquiriu uma edição de 1740 de Discurso sobre a História Universal, escrito por Jacques-Bénigne Bossuet.

Além disso, atualmente, a USP constrói uma grande biblioteca que irá abrigar todos os mais de 20 mil títulos doados por Mindlin. Graças a internet e ao robô Maria Bonita , o acesso ao raro acervo será universalizado e sua preservação estará garantida.

Aos 15 anos, pouco depois de comprar o primeiro exemplar que daria origem a sua enorme coleção, Mindlin ingressou no Estado como redator. A partir dos 19 anos, quando entrou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, acabou deixando o jornal.

Hoje ele acompanha com atenção as dificuldades de muitos diários ao redor do mundo. Mindlin acredita que o conteúdo produzido pelos jornais é insubstituível, mas teme que as novas tecnologias possam acabar com as suas versões em papel. Quanto tempo isso ainda vai levar, entretanto, é uma pergunta sem resposta.

O mesmo vale para o livro de papel que, para Mindlin, é uma das tecnologias mais fascinantes e duradouras criadas pelo homem. Não temos o costume de enxergar os livros dessa forma, afinal ele está aí desde sempre - ou há mais de meio milênio. Sua contribuição para a nossa cultura e sua resistência - até mesmo à era digital - é inegável. Para Mindlin, o livro de papel é uma tecnologia difícil de ser superada: é um objeto relativamente barato, pode ser levado a qualquer lugar, não usa bateria e o manuseio é simples, não requer prática, tão pouco habilidade. Tudo isso, sem falar no prazer de folheá-lo, no fetiche do tato, do cheiro, no encantamento provocado pela parte gráfica, a diagramação, etc.

“Certa vez, uma pessoa insistiu nas inúmeras vantagens que o livro eletrônico oferece, e se propôs a fazer uma demonstração. Ela veio armada de todos os equipamentos necessários, mas quando apertou o botão de ligar, nada aconteceu. Ora, isso não é uma coisa que pode acontecer com o livro de papel”, diz sorrindo. “Hoje em dia a gente se sente meio atrapalhado com o volume de inovações que não param de surgir”, afirma, ele que nunca manuseou o leitor de livros eletrônicos da Amazon, o Kindle, mas tem curiosidade de conhecê-lo.

Nas palavras de Mindlin não há uma crítica ao novo, muito pelo contrário, ele se diz fascinado pela incrível capacidade humana de inovar.

E recorda com um misto de saudosismo e admiração quando conheceu o telefone, depois, o rádio e, mais tarde, a televisão. “Todos esses avanços foram para os simples mortais, entre os quais me incluo contra minha vontade, pois gostaria de viver mais, extraordinárias inovações que aboliram as distâncias, algo que antes era inimaginável.”

Maria Bonita, uma 'leitora' mais incansável que Mindlin
Enquanto o edifício na Cidade Universitária da USP, em São Paulo, que irá abrigar e preservar a vasta coleção doada por José Mindlin, não está pronto (a inauguração está prevista para julho de 2010), o trabalho de digitalização do acervo ocorre dentro da biblioteca particular do bibliófilo. O robô, apelidado pela equipe de Maria Bonita (para fazer par com o servidor anteriormente nomeado de Lampião), é que toca o trabalho mais pesado e ao mesmo tempo mais cuidadoso.

O robô custou U$S 220 mil e é capaz de folhear e escanear livros raros e delicados sem estragá-los. Ele está trabalhando a todo vapor para que o valioso acervo de José Mindlin esteja o mais breve possível disponível na internet em sua totalidade. A técnica empregada é a mesma de projetos como o Google Books. Maria Bonita digitaliza cerca de 2,4 mil páginas por hora, o que equivale a mais ou menos 40 livros por dia. Há quase três meses repete incansavelmente a rotina. Apesar dos esforços, não há previsão da conclusão dos trabalhos. Mas Pedro Puntoni, coordenador, promete que a cada duas semanas, no máximo, irá mostrar alguma novidade. “Na semana que vem deve entrar no ar todo o acervo ligado ao Correio Braziliense (considerado o primeiro jornal do Brasil, de 1808)”, conta.

Para acompanhar a evolução da digitalização dos títulos acesse o blog da biblioteca em www.brasiliana.usp.br/blog. O projeto já digitalizou obras raras, como a terceira edição de Os Sertões, de Euclides da Cunha, os sermões do padre Antônio Vieira (em edições dos séculos XVII e XVIII) e o primeiro dicionário da língua portuguesa (do século XVIII).

A Brasiliana Digital já está no ar com mais de 5 mil títulos disponíveis para consulta ou download. Também é possível realizar buscas por título, nome do autor, data de publicação e, até mesmo, pelo conteúdo. A biblioteca online usa uma tecnologia de reconhecimento de caracteres. “A versão atualmente no ar é de teste, queremos melhorar a navegação com a ajuda das pessoas para torná-la mais estável e rápida”, conta Puntoni.

Após a conclusão da digitalização do acervo doado por José Mindlin, o projeto pretende se expandir para outras bibliotecas.

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