Texto lido por este blogueiro ontem, no encerramento do 1º Encontro de Escritores da Língua Portuguesa de Natal.
Boa noite.
Foi-me incumbida a tarefa ingrata, para um tímido jornalista, de ler os principais temas discutidos neste encontro em formato de tópicos. Vou quebrar o protocolo formal – como é de costume de um certo presidente curiosamente citado nos três dias de evento por, digamos, maltratar a língua portuguesa.
Essa língua portuguesa que foi o eixo vertebral das discussões travadas entre os debatedores. Essa língua portuguesa que nos acompanha desde que pronunciamos um “mama” ou “papa”, e nos perseguiu nos primeiros anos colegiais quando a professora ensinou as primeiras sílabas. Ou mais tarde, na regrinha gramatical do “m” antes do “p” e “b”. Depois, nos porquês separados e sem acento, juntos com acento porque precedido de artigo e que indica razão e todas aquelas regras gramaticais hoje unidas de forma oficial e discutidas aqui sob a ótica da lusofonia.
A mesma vasta e sensual língua portuguesa que hoje, para muitos aqui – principalmente aos bravos da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins – é angústia, naqueles segundos, dias e até anos intermináveis em busca da única palavra perfeita a se encaixar no buraco deixado pelo poema. Ou ainda a língua portuguesa dos iletrados, também, como aquele presidente que tem a cara do seu povo.
Essa língua portuguesa foi ouvida aqui sob o sotaque baiano, paulista, potiguar, português de Portugal, de Cabo Verde, Angola, Timor, Moçambique, São Tomé e Príncipe e até sertanejo, com a emocionante intervenção do mestre cordelista Pedro Bandeira. Uma torre de babel que se pretende unida, mas à luz da utopia – foi mais ou menos essa a impressão deixada, sobretudo no primeiro dia do evento, quando se discutiu a literatura lusófona: elo entre continentes e culturas, abrilhantada pela conferência do professor Carlos Reis; discussão essa que enveredou pela nostalgia imperial portuguesa e o contexto histórico e plural do termo lusofonia.
Ora, e como colocar em tópicos os causos contados hoje por Ondjaki, ou ontem pelo professor Tarcísio Gurgel? E a poesia recitada por Takas, no primeiro dia ou as de Jorge Salomão, agora há pouco?
Em vez de citar os tais tópicos, como a instantaneidade da informação ou a ameaça de colonização de nossa língua diante do monstro da globalização, travados no segundo dia do evento, prefiro me reter ao carinha que me procurou no pátio do teatro à procura do angolano Luandino, um dos escritores convidados do evento. Esse cara comentou do angolano. Disse que ele era uma figuraça, que teve a ousadia de rejeitar o prêmio Camões de literatura, que se autoproclamou morto para os literatos e foi também ator político e insurgente contra o regime de Angola, etc. Isso só pra enaltercer que esta “figuraça” tão importante para a literatura e política de seu país foi apenas um entre dezenas de convidados presentes no evento e que estão ou estiveram aqui presentes, também em conversas informais no pátio do teatro para quem se interessasse.
Em vez de citar tópicos, como o poliedro luminoso da língua portuguesa, acendido por Diógenes da Cunha Lima, ou a eterna dicotomia entre cosmopolitismo e o nosso provincianismo incurável de cosmopolitas matutos, levantado por Lívio Oliveira, ou ainda – e vejam só, em um evento tão plural como este – a importância da literatura de cordel no ensino da língua portuguesa, eu prefiro comentar do estudante da UFRN que me procurou, ontem, atrás de um certificado de participação, já que acompanhou os dois primeiros dias de evento e não poderia estar aqui hoje em função do horário de aula.
Este aluno é bem o retrato de vocês que estão aqui ou das mais de 1.500 pessoas que compareceram a este Encontro: um universitário interessado em literatura e que, em função do horário ingrato, fez – essa expressão creio ser brasileira - das tripas coração para estar aqui hoje...
Em vez de dividir pura e simplesmente todo o dito e não dito do evento em tópicos tão delimitadores, eu prefiro me reportar aos “queixos tremidos” de João Ubaldo Ribeiro, como ele mesmo disse ao final de sua conferência, quando, surpreso pela emoção ao falar da língua portuguesa, concluiu mais ou menos dessa maneira a sua fala: “Em nossa língua está nós mesmos. E não podemos abdicar da nossa existência. A língua portuguesa é e será a nossa expressão mais autêntica. Cuidar dela é a nossa maneira de significarmos alguma coisa na história da humanidade”.
Hoje, vocês puderam conferir mais um dia de palestra. Puderam beber de uma água quase lusa, quase lusitana, posto que temos uma Angola unida pela mesma língua portuguesa. E lembrei de uma pergunta endereçada ontem à professora Inocência Mata, de São Tomé e Príncipe indagando – esse indagando, para vocês portugueses é um gerúndio brasileiro – enfim, uma pergunta a indagar se os ressentimentos entre colonizado e colonizador interferia de forma negativa no intercâmbio entre os países de língua portuguesa. Inocência iniciou sua resposta com uma pérola: “Prefiro não comentar sobre almas”. Mas no meio e no fim até que traçou um esboço histórico de acontecimentos e terminou com outra frase-síntese da situação do mercado editorial e da literatura como um todo no continente africano: “Na África, quando um velho morre é uma biblioteca que se queima”.
Então, é isso. Durante três dias, Natal – essa cidade sempre aberta ao atlântico e que parece viver de eterna nostalgia desde que os americanos invadiram a cidade durante a segunda grande guerra e foram embora deixando um vazio – retomou hoje a sua vocação cosmopolita. Tudo bem, aquele cosmopolitismo cascudiano, digamos, meio matuto, meio provinciano, de mirar o mar a espera de novas corvetas, hidroaviões ou navios de turismo de hoje, e depois olhar pra baixo para se certificar com segurança que aquela areia que pisa é mesmo a da estimada praia da Redinha.
É dessa maneira, com sentimento de orgulho e dever cumprido, que o natalense se despede do status de pertencer à capital mundial da língua portuguesa. Esta cidade sempre mãe gentil aos estrangeiros, volta a pisar o chão de Cascudo com o mesmo orgulho vivenciado nestes três dias, quando esteve nas lentes do mundo. Podemos bater, sim, no peito e bravar: somos provincianos incuráveis, mas temos cultura valiosa, sabemos receber a todos e, daqui, desse cotovelo ferido da América, fomos a primeira cidade do mundo a sediar um encontro de escritores da nossa língua portuguesa.
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