quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Velho, meu querido velho

Meu velho é um bom tipo. Desses bem quistos por aqui e alhures. Bebe, conversa alto. É indiscreto como só ele. Ainda carrega a disposição daquele jovem economista imaturo de três empregos. E que de tanto seguir andando alcançou o peso da idade. Completou 60 anos em novembro. Agora é “sex”, de sexagenário, como brinca.

O estudo há quase 30 anos. E sei que meu velho guarda qualidade pouco vista hoje: ele sabe curtir a tristeza e as frustrações da vida. E tem hora marcada pra isso. Costuma apreciá-las aos domingos, quando coloca um tamborete em frente ao fogão e prepara o tira-gosto para tomar com cachaça. No som pequenino, do qual mal sabe mexer, o som das letras doídas de Altermar Dutra e Núbia Lafaiette – companheiros da tristeza infinita.

Somos diferentes. Seguimos por caminhos opostos em tantas ideologias que mais das vezes penso serem inúteis neste caminhar apressado de vida. Já não há espaço para lutas ou posicionamentos. Vivemos a época da descrença. Talvez no tempo do meu velho os cenários fossem mais românticos e sequer comparavam a esperança com o medo.

Os tempos são outros. Eu e ele vivemos os dias de hoje. Ele, com as nostalgias de uma época mais colorida. Eu, com os lamentos do tempo-hoje. Meu querido velho briga hoje contra as artimanhas do acaso – mais uma luta travada, entre tantas outras. Eu resmungo do tempo – sempre impiedoso.

Se o tempo é o perfume da vida, alguma ironia ele há de carregar nesta sua inquietude eterna. Ele tem andado de mãos dadas com meu pai, neste embate contra o acaso. Mas os avanços da medicina não sabem carregar a essência do tempo. E por isso luto só contra esse viajante invisível. Perco a cada milésimo de segundo uma batalha e assisto o caminhar inexorável da existência.

E se não bastasse tanta ironia e sarcasmos, e após tantas derrotas, temos a sensação, no fim, de que somos vencedores. “Coisas da vida”, como costumam justificar os filósofos do cotidiano. Fato, meu querido velho, é que sou sangue do teu sangue. E isso nem o tempo – amigo teu nestas horas – nem as ironias da vida podem modificar.

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