quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Da Frasqueira, o ABC do futebol

O carnaval chegou mais cedo para o Mais Querido. E nada de uma quarta-feira de cinzas e amarguras. O alvinegro ensinou o ABC do futebol ao Bragantino na noite de ontem e assegurou uma vaga na segunda divisão do Brasileirão 2008, com um gol do zagueiro Alan e outro o craque Wallyson. Os torcedores acreditaram no time, creditaram confiança e ditaram o ritmo do jogo nos dois tempos de uma partida movimentada no Frasqueirão.

Este blogueiro foi incumbido da cobertura do lado de fora do Frasqueirão. Escrever sobre o choro ou a festa da torcida. E acredite, as batidas do coração do torcedor que ficou de fora eram ritmadas pelo barulho da torcida no Estádio. Lampejos menos estridentes significavam a combinação de resultados desejada para a ascensão do ABC. Mas eis que uma multidão solta o grito preso e o torcedor fanático e liso do lado de fora vibra como uma criança. Era o segundo gol. E liso porque os ingressos estavam sendo vendidos por R$ 2. O cambista “Ventola” pediu pra eu escrever: “Bota aí: cambista tão tudo com cara de choro por causa do prejuízo”. “Japonês”, cambista experiente, disse ter prejuízo de R$ 2 mil.

Aos 45 minutos do segundo tempo ninguém tinha arredado pé do Estádio. Um único torcedor saiu, apressado e com rádio no ouvido. Disse que o juiz daria pelo menos mais cinco minutos de acréscimo. É o sofrimento dos cambistas espalhado em milhares. Mais um grito em uníssono e os fogos de artifício anunciavam o ABC na Segundona. Ainda demorou para a torcida largar o Estádio e ganhar as ruas. Pelo menos uns dez minutos. Pareciam esperar a bandinha de frevo, do carnaval alvinegro e o som da marchninha: “ABC clube do povo, campeão das multidões...”.

Atrás da bandinha estavam Marinho Chagas – eterno lateral da Seleção da Copa de 1974 – e seu copo de uísque. Após pegar um depoimento do ex-craque, inventei de empresar a caneta pra ele dar um autógrafo. Só recuperei minha bic depois de uns 60 torcedores ganharem a assinatura do rapaz. Perdi uns 15 minutos na conversa. É isso. Marinho ainda mandou recado pra Véscio, companheiro da Redinha Velha e ex-jogador e torcedor fanático do América: “Diga ao nêgo Véscio que o dele desceu e o meu subiu”. Minha mente poluída pensou em outra coisa que não a caída e a subida do América e do ABC. Mas deixa pra lá.

E se os torcedores estavam histéricos, os ambulantes com sorriso escancarado e a lojinha do ABC lotada, alguém estava contrariado. Preso no trânsito que tomou a Rota do Sol, o engenheiro Marcos Silvino foi pego de surpresa: “Nem gosto muito de futebol e se fosse torcer por alguém seria pelo América”. Fudeu-se. E se mais adiante o trânsito acalmava, um automóvel com porta traseira aberta, chassi arrastando no asfalto e lotado de torcedores e bandeiras passava: “Becê, becê!”.

O ABC espalhou-se em torcedores, bandeiras e buzinas pelas ruas, paradas de ônibus, janelas de casas e apartamento e nos ouvidos de muita gente. Quando a festa, que continua hoje, terminar, ainda se ouvirá o eco: “Becê, becê!”. E ontem, lá do alto, a lua, imponente, assistia a tudo e refletia múltiplas luzes brancas na noite da cidade. E qualquer semelhança com as cores que pintaram a paisagem de Natal na noite de ontem, acredite, não é mera coincidência.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Meu primeiro ônibus

Ligo pro meu irmão:

- O carro sai hoje da oficina? Tenho que ir treinar...
- Nada! Tá pensando que a batida que você deu foi pequena? Crie vergonha e aprenda a pegar ÔNIBUS.

Já estava mesmo na hora, 19 anos e nunca tinha pego um ônibus sozinho. Antes do carro, que só dirigi mesmo após a maioridade, costumava andar, seja para o colégio, casa da namorada ou para a cervejinha do fim-de-semana. Meu apelido era Andarilho. Mas agora, mal acostumado ante o conforto do automóvel e a grande distância da Academia de capoeira para a minha casa (moro no Tirol. A Academia fica no Campus Universitário) não me restaram alternativas: criei vergonha.

- Diga aí Capacete?! Ei, tu que moras aqui perto de casa, qual o ÔNIBUS que eu pego pra Academia?
- Rapaz, o “45” ou o “53”...
- O telefone tá com um chiado danado! Os ônibus são só esses dois mesmo: O “45” e o “46”?... Alô, Capacete?! Puts, caiu a linha...

Lá estava eu na parada. Situação nova. Dentre todos era o mais atento à passagem dos ônibus. Lia tudo que vinha em sua fachada: idaalecrimvoltapraçacidsatéliteribeira... tudo, a fim de ir me familiarizando com a nova rotina.

Vinte minutos e nada. Era só eu na sombra do poste. E como uma miragem do deserto, o “46” aparece. Que sorte! Após observar o comportamento dos usuários durante aqueles longos minutos, levanto o braço magistralmente, com autoridade de veterano e peço parada. Lógico, sem nem desconfiar que se o telefonema não chiasse tanto, o “46” em que me opunha naquele momento, deveria ser o “53”.

Após o pagamento da passagem e alguns desequilíbrios bruscos e consequentes risadas, passo a roleta e vejo todos os bancos ocupados. Tive uma lembrança idiota do filme Ben-Hur, com aqueles escravos remadores no porão do navio, divididos por um corredozito onde desfilava o capataz com seu chicote. Seria eu? Havia, inclusive, algumas pessoas com a expressão sofrida do Charlton Heston: deviam ter remado muito naquele dia. Enquanto divagava essas bobagens, uma fileira de estudantes atrás de mim esperava impaciente minha decisão. Adiantei-me desengonçadamente e por um tempo segui em pé o trajeto, o que causou mais desequilíbrios. Cheguei a pedir desculpas a uma senhora, dizendo que não era minha intenção sentar em seu colo.

Para minha surpresa, o dito ônibus segue firme pela BR em vez de fazer o retorno na rótula que, na época, me levaria ao Campus: o “46” era o Ponta Negra! “Faz mal não, na volta, quando passar pelo Shopping, eu desço e vou andando, sempre fiz isso!” – penso eu.

Depois de contornar TODO o conjunto de Ponta Negra – e juro, pensei que fosse só pra me fazer raiva – o ÔNIBUS pára no terminal, na Vila de Ponta Negra, com a seguida frase do motorista: “Ufa, até que enfim! – e não precisa dizer que eu era o único passageiro no dito “oinbu”.

- Como assim, até que enfim? E como eu faço para ir pro Campus?
- Pega o que está saindo aí na frente!

Saltei do ônibus como um sapo da boca do crocodilo, mais com vergonha do motorista do que para, sem saber, pegar meu segundo ônibus errado. Desta vez, acomodado como um rei em seu trono, segui admirando a bela praia do bairro enquanto seguia pela Av. Roberto Freire, quando este imenso enlatado de merda dobra à direita, rumo a Via Costeira. Desesperado avanço até o motorista e chego a afirmar ao dito, na certa com alguns anos de profissão, de que estava equivocado e que a Universidade ficava do lado esquerdo. E mais mar na minha frente.

Para encurtar a história, fui acabar na parada em frente ao Itorn, em Petrópolis, para esperar traumatizado, o “45” e seguir não mais para o treino que já devia ter acabado, mas para meu lar, meu doce lar...

Texto publicado em 30 de setembro de 2002, em O Jornal de Hoje

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Médico e escritor: Moacyr Scliar

Moacyr Scliar é um dos escritores mais conhecidos da atualidade. E desenvolve a atividade de forma paralela. De ofício, ele é médico; e renomado na área. Embora seja difícil, em prima, pensar em um escritor de ofício. Fato é que já publicou mais de 70 livros e foi convidado a debater jornalismo e literatura durante o Encontro Natalense de Escritores. Sentou à mesa junto com o jornalista e poeta José Nêumanne Pinto e o diretor de Redação do Diário de Natal, Osair Vasconcelos.

A entrevista se deu após seus apontamentos no palco. Entre eles, uma observação do escritor Ernest Hemingway: “Todo bom jornalista tem de passar por uma redação”. O escritor e médico foi colaborador de diversos jornais de mídia impressa, como o Zero Hora e Folha de São Paulo. Na redação mesmo, nunca trabalhou. Como escritor, só não publicou livro de receita. Entre suas obras estão livros de crônicas, contos, ensaios, romances e literatura infanto-juvenil.
Após a palestra que antecedeu o concorrido show de Zeca Baleiro, o também disputado escritor conversou rapidamente comigo e comentou alguns aspectos dos quais foram temas de livros seus:

Opinião de médico: qual a doença do socialismo?
O socialismo passou por muitas crises quase mortais. A principal delas foi a queda do comunismo. Para minha geração foi uma desilusão tremenda porque foi uma geração que cresceu acreditando na União Soviética e na possibilidade de ascender o socialismo no mundo. Isso acabou e o socialismo vai ter que mudar seus objetivos. Terá que ser mais modesto. Mas continua uma causa justa. Enquanto houver desigualdade, miséria, opressão, a idéia tende a ficar.

Onde ele terá que ceder?
Talvez a idéia de estado socialista já não se impunha. Mas a idéia filosófica socialista pode ser incorporada aos governos.

Qual foi o crime da classe média?
A vaidade, o narcisismo, essa coisa de girar em torno do próprio umbigo. É o crime de não se preocupar com o resto da população.

Em qual quarteirão a literatura invade o terreno do jornalismo?
A área que eles coexistem é a crônica.

Durante o dia, quando Moacyr Scliar incorpora o romancista, o cronista e o poeta?
No jornal nunca sou romancista nem ficcionista. Mesmo que esteja fazendo texto que não corresponda à realidade, ele está dirigido aos leitores do jornal, portanto, é jornalismo.

Onde o senhor pesca os temas para as crônicas?
Basicamente do noticiário ou do que as pessoas comentam na rua, no ônibus, nos cafés.

A melancolia pode ser produtiva?
Claro. Muitas pessoas encontram na tristeza, no inconformismo, no mau humor material para criar na literatura, na música, na pintura. Isso não só diminui como humaniza o seu sofrimento e os seus sentimentos. Quando lemos um livro de um melancólico como o escritor Franz Kafka, que teve uma vida de intenso sofrimento psicológico, nós partilhamos de sua angústia – o que nos torna melhores.

Qual o livro-reportagem que o senhor gostaria de ver publicado?
Gostaria de ver alguma coisa desse gênero relacionado à medicina.

domingo, 25 de novembro de 2007

Um poeta do banal

Entrevistar Luis Fernando Veríssimo é tarefa difícil. O cronista-romancista-poeta-músico é mais do que tudo, tímido. Antes encarnasse o Analista de Bagé – notório personagem de seus textos – e desfiasse seu gauchês a torto e a direito. Com esforço, escapa das respostas monossilábicas. Atende aos jornalistas com educação. Talvez para escapar do estereótipo da “estrela” – longe do perfil pacato do cronista.

Aos 71 anos, Veríssimo participou de um bate-papo informal com o premiado jornalista Zuenir Ventura, no primeiro dia do Encontro Natalense de Escritores. Foi convidado para falar sobre a crônica e seu contexto literário. Temática predominante, também, desta entrevista. Está em Natal pela primeira vez, onde ficou até hoje. Consegui pescar algumas palavras de Veríssimo antes que subisse ao palco do evento. E aí está:

Sérgio Vilar – A crônica tem vontade de ser literatura ou notícia?
Luís Fernando Veríssimo – A crônica é esse ser meio híbrido. Metade jornalismo, metade literatura. Mas penso que tem mais pretensão literária do que jornalística.

Os sons do saxofone, por exemplo, podem virar crônica, mas dificilmente uma notícia...
A notícia é uma coisa mais fria, anônima. A crônica é geralmente a opinião de alguém que se identifica e dá um palpite; é uma leitura mais atraente.

Se a crônica é o samba da literatura, qual gênero literário é o jazz?
O jazz é mais de improviso. A crônica não pode improvisar muito.

De repente poderiam ser os blogueiros de hoje, cheios de improvisos?
(risos) De certa maneira, sim. Aproxima-se um pouco dessa linguagem de computador.

Cronista é um poeta do banal?
É uma boa definição. Rubem Braga escrevia crônicas maravilhosas a partir de uma banalidade, um detalhe, um pequeno acontecimento.

Rubem Braga dizia que a crônica vive dos restos do banquete literário. É por aí?
É uma virtude do cronista construir um texto bom, bonito e atraente a partir de quase nada. Isso é uma habilidade, não é defeito.

Fernando Sabino disse que fora dele é onde estavam os assuntos merecedores de uma crônica. Onde o senhor procura seus assuntos?
Independe muito. Às vezes as crônica é um comentário de um acontecimento, um fato; é a opinião do autor. Às vezes é uma ficção baseada em lembranças do autor. Podem ser várias coisas.

Quais cronistas de ofício merecem destaque hoje?
Hoje fica difícil. Vejo pouco. Houve uma grande época da crônica brasileira, justo com Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Antônio Maria, Fernando Sabino e tantos outros. Hoje, a crônica mudou. Muita gente boa fazendo crônica, mas confesso que estou meio desatualizado.

Conhece alguém do ofício por aqui?
Não.

O senhor mora na mesma casa desde os cinco anos. O cronista tem um quê de provinciano?
Depende muito do cronista. Alguns simbolizaram o máximo da sofisticação, da vida urbana. E tivemos o contrário, os que falavam de sua casa.

Falta uma cadeira de imortal na sua casa?
Respeito os imortais. Mas não vejo muita importância nisso.

Quando o cronista dá vez ao músico e quando os dois se misturam?
A música pra mim é passatempo. Nunca cheguei a estudar muito a música. Gosto de brincar com a música, só que toco numa banda que é muito boa, de profissionais. São cinco músicos e um metido a músico, que sou eu.

No jazz cabem amadores?
É música que depende muito de improviso. Tem que ter certa habilidade pra improvisar e tal.

O tímido esconde-se por trás das palavras. E o músico do palco?
Eu estou ali brincando de músico. As pessoas entendem que não vão ouvir um virtuoso e que não tem pretensão de grande músico.

Seus textos são recheados de humor. Qual facilidade em chacotear da política ou da dureza do cotidiano?
É um estilo de escrever, com certeza leveza, informalidade. Mas a crônica permite tratar de qualquer assunto. É inconteste. Na crônica tudo é válido.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Dos possibilistas

Possibilistas é a expressão usada pelo artista plástico-pirado Marcelus Bob para diagnosticar aqueles com potencial para ascender. Luís Fernando Veríssimo poderia ser um se desejasse uma cadeira de imortal na Academia Brasileira de Letras. Não faz questão. Possibilista mesmo é a Dança de São Gonçalo, do município de Portalegre. Apesar de 200 anos de tradição no estado, poucos conhecem. Mas quando se tem Veríssimo, Zuenir Ventura e Villas Boas Correia na primeira fila da platéia para assistir a apresentação de uma cultura popular legítima, eles passam a ser possibilistas de uma notoriedade merecida.

Esse encontro inimaginável ocorreu ontem, no primeiro dia do Encontro Natalense de Escritores, que acaba amanhã. A literatura andou de mãos dadas com as manifestações folclóricas durante a segunda edição do evento. O encontro fundamental foi do público com a arte, seja na fotografia, nas artes plásticas, nas expressões populares, na música e, claro, na literatura e seus gêneros. E se o poeta e cineasta pernambucano Fernando Monteiro disse precisar de juventude e saúde para fazer cinema, lá estava dona Aldeíze, mestra da Dança de São Gonçalo e alguns anos mais velha que o cineasta, esbanjando vitalidade no palco.

A voz doída e aguda de dona Aldeíze vai permanecer na memória do evento pelas próximas 15 ou 50 edições. A mestra comandou a apresentação de mais 13 componentes. São sempre 12 mulheres e dois homens. A tradição é cultivada na comunidade quilombola do Pega, em Portalegre. O folclorista e poeta Deífilo Gurgel estava maravilhado. Segundo ele, a tradição tem sido repassada entre as gerações e 80% dos brincantes foram renovados desde a década de 80, época em que viu pela última vez a apresentação do grupo.

Dona Aldeíze disse ter aprendido a Dança com a mãe, Raimunda Leonila, que aprendeu com a mãe, dona Nila. Depois de enfrentar mais de 400 quilômetros de estrada e carregar uma tradição milenar trazida por portugueses, chegou ao palco do ENE com exigências: “Queria a presença do prefeito junto conosco”. Carlos Eduardo Alves subiu ao palco e recebeu a incumbência de segurar a imagem de São Gonçalo (monge português, santificado em 1.200, na região do Douro. Ele costumava evocar a dança para tirar as mulheres da promiscuidade. Os escravos baianos assimilarem a tradição na época da vinda do império ao Brasil). Após a apresentação... “Fiquei maravilhosa só em ele (o prefeito) dar atenção aos morenos, né?”. E os aplausos, merecidos aplausos aos possibilistas.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Vida de repórter

Quem imagina repórter como o futuro Willian Bonner, lembre de Belchior quando cantou que “viver é melhor que sonhar”. Cobri a inauguração da Ponte Newton Navarro ontem e posso contar algo dos bastidores a partir do meu trabalho.

Eu e a repórter Gabriela Freire chegamos por volta das 17h30. Fiquei incumbido dos depoimentos das autoridades e da movimentação popular entorno da festa. Gabi cobriria o descerramento da placa e o corte da faixa.

As autoridades chegaram por volta das 18h. Até lá, muito vento na cara. Os cabelos até então comportados, pareciam uma vassoura de piaçava. Gabi temeu ser confundida com Elba Ramalho, atração musical da festa.

Conversar com o presidente Câmara Municipal foi fácil. Com dom Matias, dividi espaço com mais três repórteres. Nada demais. Quando o prefeito Carlos Eduardo chegou, tumulto. Fiz exercício de audição para pescar algumas palavras. Quando da vez da governadora Wilma, já por volta das 18h30, cotoveladas, empurrões e exercício de tradução oral.

“Tudo bem. Me recupero”, pensei. Subi correndo para o palanque onde seria cortada a faixa para pegar bom lugar. Fiquei embaixo da governadora. Assisti tudo de “camarote”. Ao meu lado, populares, cheiro de leite de rosa vencido e um bêbado perturbando toda hora por um pedaço de papel e caneta.

Se para chegar foi fácil, para sair... Descemos uns 200 metros da ponte, na altura do primeiro pilar (lado do Forte) e contornamos a ponte até o palco oficial, na Praia do Forte. Ficamos em uma espécie de camarote para imprensa. Enfim, uma cadeira.

Comigo, Gabi, meu bloquinho, a caneta, a fome e a sede. Repórteres das TVs com lanchinhos da Pittsburg. Nós, nem a pão e água. “Ops, lembrei que fui incumbido de cobrir a participação popular”. Lá fui eu pro “meião”. Procurei logo os da faixa do município de Taipu (vizinho a Ceará-Mirim). Personagens interessantes, pensei. “A governadora é maravilhosa, é guerreira, é...”. Não teve jeito. Só saía isso da boca do rapaz taipuense.

Um outro, líder comunitário de Lagoa Seca, disse que o povo de Natal era de interior, que não podia ver inauguração de obra e se “ajuntava junto”. A obra em questão é a maior da história do estado e... o que diabos ele estava fazendo ali também? Fato é que se “ajuntou” tanta gente no palco que ele cedeu. Lá no “meião” ninguém sabia o porquê do barulho.

Voltei ao camarote da imprensa. Com alguns minutos, chegou a água; faltou o pão. Nem o que o diabo amassou. 20h e começou o depoimento das autoridades, no palanque oficial. Naquele mesmo tom das passeatas eleitorais. A palavra mais ouvida era “povo”: “meu povo”, “a ponte é do povo”, “temos que servir ao povo”.

O discurso do prefeito de Extremoz pareceu piada. Disse que se a governadora tivesse caído no piso que cedeu cairia nos braços do povo. Aposto que se o prefeito resolver visitar a praia de Santa Rita (da sua Extremoz), o povo come ele vivo.

O esperado depoimento da governadora começou umas 20h30. Seria a hora para voltarmos ou estarmos no jornal para escrever a matéria. Após os aplausos... onde estão os fotógrafos? Onde está o carro? Pareciam questionamentos existencialistas na hora. E agora? O que faremos. Quem somos nós?

Sair do camarote, contornar a obra embaixo da ponte, procurar o carro. Tudo em meio a multidão. Para resumir: fomos andando até o viaduto da ponte, distante uns... bocados de chão, o suficiente para minha perna começar a doer. Ao chegar no lar da redação, umas 22h, enfim, a pior parte: escrever com fome, cansado e apressado. É isso. Um dia apresento o Jornal Nacional.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Das embarcações e suas almas

Toda embarcação guarda histórias de maré. No silêncio calmo da sabedoria, padecem com seus segredos de aventuras náuticas. Algumas alcançam os mediterrâneos e os mares mais bravios; colecionam auroras e cruzam oceanos até ancorarem na melancolia do cais. E se o cais é uma saudade de pedra, a névoa das tristezas também envolve a praia na espera das catraias para se lançarem ao mar – retratos da simplicidade.

E a espera das pequenas embarcações artesanais é de angústia. Sabem do perigo iminente e diário de seus donos, conquistadores de peixes. O mar que afaga também é ladrão de almas. Ancoradas sobre toras de coqueiro, inertes como um cartão-postal, anseiam pelo vinda do pescador. É a quebra do sono quase eterno de um dia e do reencontro com o mar. E se mais de um dia passa, é sabido do fim de seu único amigo.

Há quem herde o ofício. No comum das vezes morrem ali as catraias e jangadas, pouco depois de seu pescador. Miram pela última vez a paisagem marítima e num último arquejo de tédio, morrem. É que as catraias têm alma, amigo leitor. Alma provinciana e amiga. Suportam os dias para servir e deleitar-se ao mar, em namoro infinito. E se para mais nada servem, entregam sua alma.

São dali, longe da imponência dos grandes cargueiros e transatlânticos, onde repousam as catraias de minha praia-refúgio. Das areias alvas de Santa Rita, miram o mar já mais calmo da estação veraneio. E desdenham da agitação passageira da época. Reconhecem o rastro de ilusões e saudades deixadas pelo verão e recolhem-se no tédio inebriante das horas próximas ao mar.

Desconfio mesmo que as embarcações têm alma. Todas elas. Algumas mais ambiciosas preferem avançar no desconhecido. Dos saveiros vêm o espírito aventuroso. Dos cargueiros, a vocação comercial. Ali na praia espremida encontram-se as de alma provinciana. São jangadas sem pretensão, conhecedoras de seu ofício de galinha: limitadas a apenas imaginar o além-maré.

Longe das cargas valiosas do comércio exterior, as catraias carregam apenas o peso do tédio, de seus nativos e dos samburás de poucos e magros peixes. Desconhecem as grandes rotas e esperam ancoradas em areias conhecidas o seu fim, no desgaste pela maresia, esquecidas, sedentas pela água salgada do mar. Porque para as embarcações, amigo leitor, é doce morrer no mar.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Alma de beco, de bebo, do belo

Às vezes penso em território boêmio como proibido. Ali repousam almas sedentas. E o leque de desejos é amparado pela ânsia. Assusta. No Beco da Lama é diferente. Sempre foi. É chão escorregadio, sim. Mas cabe todo mundo. E freqüentam quase todos. Quase todos os de alma libertária. É como na vila da Redinha: o gosto pelas coisas simples se faz necessário para sentar, beber e prosear. E das prosas brotam histórias e estórias, como as contadas pelo jornalista Leonardo Sodré, reunidas em livro de crônicas lançado sábado no bar Bardallos, ali nas adjacências de um beco-confraria; de um beco-praça; de um beco-cantão.

E na mesma noite de lançamento do livro, um dos maiores violonistas desse mundo de menos fronteiras, resolve aparecer. Recebeu convite de amigo e foi lá. Quem bateu foto viria Yamandu Costa perto de garrafas de cerveja. Uma “canja” gratuita aos apreciadores da boa música. E quem são esses loucos? Os amantes da arte e da cultura mais genuinamente marginal. Os poetas errantes e certeiros de palavra, estrofes e sonetos. São os de vozes ecoadas dentro da redoma do beco e espalhadas aqui e ali. Vozes desejosas de gritos mais altos e outros que sequer sabem que são ouvidos. Nem fazem questão.

Neste sábado, esse beco sem vontade de avenida e de alma enlameada pelo perfume da província, prossegue com a quarta edição do festival de gastronomia chamado Pratodomundo. A alcunha resume o convite inconteste a todos. O filtro cabe ao participante de se adaptar à realidade daquela atmosfera. Claro, há o perigo. Uma vez do beco, os contornos da cidade modificam. Aquela eterna espera por grandes novidades, herdada da época da Segunda Grande Guerra, quando os americanos chacoalharam a cidade, se esvai. O amante do beco se volta às novidades dos arredores. A cena cultural da cidade ascende. O Centro Histórico despe-se do cinza e ganha cores. E a medida em que se é tragado pela alma do beco, uma sinfonia entoada por Cascudo começa a tornar-se audível, vinda lá das funduras do Potengi.

domingo, 18 de novembro de 2007

Pelo olhar de Dostoiévski

Observo a vida como quem mira o mar. Aprecio detalhes e a simplicidade das coisas. É onde encontramos muitos dos segredos escondidos. Arquivo os retratos do mundo; suas mazelas e amores: o tesouro da alma. Aprecio acompanhar comportamentos, atitudes, olhares de esperança, inquietude ou tristeza. São fisionomias agoniadas, mais das vezes. Escondem culpas. Fogem da contemplação para responder aos chamados ludibriantes do sistema.

Da observância dos cenários cotidianos sinto crescer em mim um arquétipo do romancista russo Dostoiévski: um estudioso da realidade psicológica, da problemática da natureza humana e suas percepções. Seu criticismo, de caráter universal, atravessou incólume todo o século XX, permanecendo hoje ainda mais atual, como um escrito profético do comportamento ocidental contemporâneo.

Sigo pelas ruas, pelas mesmas ruas que costumo andar diariamente. O horário também é o de costume: uma noite típica dos romances dostoievskianos, onde o tom sombrio e real põe nossos sentidos mais aguçados e conflitantes. O tempo inesperadamente frio e a garoa fina desencorajam-me a continuar minhas andanças e sento em um banco de praça. Encolho-me dentro do meu casaco com medo do frio.

Um jovem casal, abraçado, passa em minha frente com certa pressa. Ele, elegante, de finos gestos e andar requintado. Parecia mais apressado. A moça, ao passar por mim, me olha de soslaio. Seu rosto, cabisbaixo, denunciava certa angústia, como se quisesse pedir socorro para se libertar de algo, que por instinto, acabou aprisionada. Acompanho o casal até sumir pela neblina noturna.

Com pouco tempo um homem surge do mesmo horizonte escuro que encobriu o casal. Ao passar por uma luz fraca e amarela de uma lamparina, estacionada no sobrado de uma casa, pude ver seu semblante. Era um senhor, já passado em anos, de aspecto respeitável. Fitei-o com simpatia, ousei um leve sorriso como forma de cumprimento, julgando que ambos éramos pessoas de boa índole. Senti que, para o senhor, pouco faltou para que levantasse seu chapéu e respondesse à minha singela atitude, mas reconsiderou a tempo, talvez por orgulho.

Mais adiante, via-se uma moça debruçada sobre um parapeito, banhada sobre o luar, observando o mar e os reflexos infinitos que a lua o emprestava. Era a mesma moça que vi há minutos atrás, acompanhada do rapaz de boas vestes. Desta vez, parecia mais tranqüila, embora ainda emanasse em seus olhos alguns medos difíceis de fugir. Era como se estivesse presa à vida, condenada a uma sentença da qual a culpa lhe seguia como sombra. Tentei aproximar-me e gentilmente dizer-lhe palavra de conforto. Mas ela, sonoramente disse-me o que há muito eu, também cárcere da existência, guardo em meu íntimo já caduco de desilusões: “Desculpa, mas não acredito em mais ninguém”.

Esse texto foi publicado na edição de 6 de abril de 2003, em O Poti

sábado, 17 de novembro de 2007

E as revistas culturais?

E por falar em revista, onde estão as novas edições das revistas de cultura Preá e Brouhaha? Estas, sim, de valor para o cidadão. A Preá, patrocinada pelo governo do estado, há muito tem sido renegada. Precisamente, desde a saída do diretor-geral da Fundação José Augusto e idealizador da publicação, o advogado François Silvestre.

Na época de François, a revista tinha regularidade (bimestral) e qualidade na impressão. O projeto era uma cria estimada e mereceu toda a atenção da FJA. Chegou a figurar na propaganda eleitoral da governadora quando da eleição, como um dos grandes projetos de seu primeiro mandato. Com a saída de François, a professora Amélia Rosado tentou manter, mas sem valorização alguma. A qualidade da revista caiu. A impressão, mais ainda. A regularidade não teve. Salvo engano, foram duas publicações em um ano.

Na administração de Crispiniano Neto, o discurso inicial foi de que os primeiros seis meses seriam para “arrumar a casa” e segurar os gastos. Ainda assim, a equipe da revista continuou seu trabalho. Na primeira semana de abril, visitou o município de Angicos, onde passou dois dias de intenso mapeamento cultural na cidade, e depois em Ceará-Mirim, em cansativo trabalho de ida e volta à cidade, algumas vezes em longos percursos até o litoral ou regiões periféricas do município. Tudo para editar a revista a tempo de ser lançada dentro do prazo.

Pois bem: a revista está pronta desde maio. Não só matérias com os municípios como outras que devem estar já ultrapassadas com o passar dos meses. Foi o caso de matérias sobre o lançamento do filme adaptado do livro de Nei Leandro de Castro: O Homem que Desafiou o Diabo, que precisou ser substituída após a estréia do filme.

Próximos de findar o segundo semestre, e a “casa” ainda está desarrumada, pelo visto. Crispiniano, que foi personagem prestigiado de ampla entrevista em uma das edições da revista, continua a renegar esse valor cultural de divulgação da cultura popular do estado para o potiguar. A equipe que tanto se esforçou para a elaboração de cada número da Preá, foi desfeita. O editor da revista, o jornalista Tácito Costa foi exonerado e sua equipe o acompanhou.

A Brouhaha – promovida pela prefeitura do Natal – vinha mantendo boa regularidade e qualidade editorial em ascendência. Sabe-se lá o porquê, há uns bons meses foi escanteada pela Fundação Capitania das Artes – responsável pela edição. A última informação que este blogueiro teve é a de que seriam lançadas quatro edições nos últimos dois meses do ano (algumas temáticas, como para homenagear os 40 anos do Poema Processo), para compensar o intervalo entre as publicações. Até agora, nada.

E assim, ficamos nós, potiguares, natalenses, à mercê de revistas de variedades, com sessões de quatro páginas de fotografias de eventos da ala vip da cidade, ou com artigos chinfrins de pessoas que nada têm a dizer. Caminhemos...

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Da mania de ser igual

Acabo de ler a terceira edição da revista Contexto – mais uma no mercado potiguar. Revista que de pouco ou quase nada acrescenta ao cidadão, já tão bombardeado de informações. É publicação igual a tantas outras, de variedades e sem aprofundamento em assunto algum. Mas eis que na última página, a boa e velha filosofia – mãe de todas as ciências – nos traz algo com que pensar em um dia atribulado.

O artigo do professor de filosofia da UFRN José Ramos Coelho, intitulado Dos Buracos ao Abismo, levanta uma questão interessante. Nada original, mas quando o tema é argumentado a partir de pensadores como Jung e observações De um professor capacitado, a coisa alcança outras dimensões. Uma frase reflete o teor do texto: “Nascemos originais e morremos como meras cópias”.

O professor ressalta um paradoxo presente na vida de cada um: de um lado, procuramos de forma criativa sermos únicos e especiais em meio a uma multidão de iguais. Por outro, cedemos facilmente à pressão social e aos apelos do consumismo – uma tendência à massificação e uniformização dos padrões comportamentais, de hábitos e pensamentos.

O mais bacana no texto são as soluções e apontamentos do professor para superar essa tendência alienante. Segundo José Ramos Coelho, o primeiro passo é perceber o quanto diariamente repetitivos e redundantes, escravos e prisioneiros dos padrões nós somos. O segundo passo, é ousar, fazer diferente. Essa tarefa seria mais difícil porque, segundo o professor, “temos a tendência à vida gregária, a procurarmos aquilo que os outros valorizam sem nenhum senso crítico ou reflexão”.

O melhor mesmo é o terceiro passo: “Finalmente, é preciso viver poeticamente. Soltar a imaginação, resgatar os próprios sonhos. Os poetas dão asas à imaginação e criam com a mente leve, livre e sem amarras. O nosso sonho é, desde os tempos imemoriais, voar como pássaros por entre os abismos”. E a pergunta final: “Se lhe parecer muito, que tal pelo menos a aventura de um rapel para conhecer os seus próprios abismos?”.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Encontro Natalense de Escritores

Meu sangue fervilhou ao ver a programação para a segunda edição do Encontro Natalense de Escritores. Lembro de ter sugerido em matéria escrita ano passado, uma abertura maior para a poesia popular e as literaturas de cordel e infantil. Pois faltou somente um convite ao jornalista e escritor Juliano Freire, autor já de dois livros dedicados à molecada e com algum reconhecimento nacional.

Mas a programação está tão boa que nem sei onde colocar Juliano. Nem saberia bem quais nomes destacar. Posso citar alguns temas de discussão que agradam sobremaneira este blogueiro sem glórias. Ora, será muito assistir um bate-papo entre Zuenir Ventura e Luis Fernando Veríssimo sobre a crônica e seu contexto literário.

E afora os debates e palestras sobre variadas vertentes da literatura, tem ainda shows musicais de primeira qualidade, como a volta de Tom Zé a Natal e exposições no espaço cultural. Homenagens, lançamentos de livros. Tudo gratuito.

Natal merece eventos dessa magnitude. O momento cultural na cidade é de efervescência. Em diferentes searas. E está na hora da literatura potiguar aparecer para o Brasil. E para constatar isso, nomes como Carlos Heitor Cony, Veríssimo, José Neumanne Pinto e outros. O ENE ocorre entre os dias 22 e 24 de novembro, em um pavilhão climatizado e armado no Largo da Rua Chile.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Da prisão das ruas

Vontade de sumir. De escapar. As armadilhas estão em cada esquina. Em cada palavra dita, o odor da hipocrisia. De poucas e passageiras alegrias se vive. De migalhas de vida, se sobrevive. Onde estão escondidas as ilusões? A realidade dói. É preciso máscara para camuflar a face horrenda da frustração demasiada.

Se são linhas tortas, pergunte a Deus. Fato é que a escrita do mundo é um romance melancólico de Dostoievski. Versos de Chapman já contavam que nenhuma pena pode escrever nada de eterno, se não for mergulhada na tinta das trevas. O ar está pesado. E a fragrância desse perfume é a da carência, do medo e da raiva. É o que respiramos. E o perfume é extraído de raízes profundas da ganância e da competitividade excessiva.

A sabedoria de Buda concluía: a vida é sofrimento. Como remédio para a enfermidade da existência, ele pregava o desapego às coisas, idéias, pessoas e à própria vida. Se o homem conseguir livrar-se dos desejos, apegos e do eu interior, encontraria o caminho para uma vida amena. E o caminho é varrer da mente as vontades e apegos através do exercício da meditação.

Cortar os fios da vontade que ligam o homem ao mundo é missão quase impossível. Schopenhauer sugere a arte. A música de Wagner, por exemplo, o fazia transcender as vontades do mundo. Mas o amigo leitor há de concordar: somos sugados pela rotina. Não há como se dedicar à meditação exclusiva ou à música. O contato com o homem é necessário. Seja no trabalho, em casa, no convívio em cada esquina do cotidiano.

Antes, o homem pudesse olhar para trás; para a ilusão do mundo e sorrir, indiferente como um jogador de xadrez ao final da partida. Mas somos puxados para trás e para frente a cada instante. São as vontades do mundo. E o mundo está perdido. A transformação do inferno em metáfora ou a descrença ativa no céu deixou o Ocidente sem coordenadas. Vagamos como zumbi, intolerantes, carentes e solitários. E acredite: dos dois, o inferno demonstrou ser o mais fácil de recriar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Livro, diversão e arte para poucos

Quando passei pelo sebo Paraupaba acho que ouvi Goethe gritar lá de dentro: “Luz, mais luz!”. Talvez para iluminar um ambiente esquecido, de pouco movimento. Mais à frente, o rei Roberto Carlos cantava pretensioso: “Não adianta nem tentar, me esquecer...” Inútil. Lá estava o vinil ainda novo encostado ao relento, numa prateleira de sebo. Na prateleira de ofertas de até três reais, uma multidão menos ilustre recebe alguma atenção. As estórias (ou seriam histórias?) de cordel pediam leitura em voz alta. Tudo em vão. A décima edição da Feira de Sebos de Natal guarda todos esses nomes e uma programação cultural vasta, diversificada e atrativa. Nem assim.

A Feira permanece na Praça André de Albuquerque – nascedouro da cidade – até quarta-feira. Se este sábado fizer sol ou chuva, vale uma visita. Já às 10h haverá sarau sobre o escritor regionalista José Bezerra Gomes (1911-1982). Tem ainda oficinas, apresentações musicais, palestras, lançamento de livro de João Gualberto, papo com Vicente Serejo, Ana Maria Cascudo, Abimael Silva e João da Mata, sobre a história da cidade de Natal. E muito mais. Talvez pouco para estudantes que afirmaram ter ido em busca de vinis antigos de heavy metal. “Ta fraco de vinil. E essa música ta uma m..., tá ligado?”. Tocava um samba de coco naquele instante.

O evento reflete muito da situação educacional e econômica. A opinião do repórter numa matéria jornalística é ratificada por músicos, artistas e sebistas. E fácil, também, de constatar. Visite e verá. Antes fosse um formigueiro de formiguinhas ávidas pelo açúcar do cordel ou o veneno gostoso dos clássicos literários. Um pequeno amontoado de gafanhotos ainda compareceu ao lançamento do livro do chargista Cláudio Oliveira, Pizzaria Brasil. Cláudio já passou por este Diário e hoje publica seu trabalho no jornal popular do grupo Folha: o Agora São Paulo. “Fui convidado a lançar aqui e gostei da idéia. Sinto-me bem entre livros e amigos”.

Opinião diferente da “galera” dos vinis de heavy metal e de muitos ali. O estilo do público parece variado. Médicos, jornalistas, homo sapiens de pensamentos e atividades distintas. Mas a atmosfera do ambiente é uma só e formada por uma maioria de adolescentes vestidos com camisas de bandas de rock. Há até um varal com venda de roupas de Avril Lavigne, Metallica e outros. Gente de cabelo grande, adereços e calças fora do convencional. Claro, visto de perto ninguém é normal. Mas em cenários de esquinas afora o retrato é outro: o da grande massa consumidora. E essa massa ainda não percebeu a riqueza de uma Feira de Sebos.

Um dos produtores do evento, o sebista e editor Abimael Silva, disse ser difícil quebrar a casca do ovo. “A cada ano damos uma bicada”. O compositor e cantor Romildo Soares defende uma Feira permanente, toda semana ou pelo menos uma vez ao mês. “A Praça é um lugar agradável e a cidade carece de eventos como esse, de incentivo à leitura e à arte”. A lembrar o extinto Domingo na Praça. Outro músico, Mirabô reclama do notório: “o livro ta caro, o povo lê pouco”. E reivindica: “Eventos como esse merecem incentivos. É uma maneira de despertar a curiosidade do público para a leitura”.

Mirabô apontou o público presente: “São intelectuais e pessoas que já freqüentam sebos”. O sebista Franklin Serrão afunila o estereótipo: “São pessoas que freqüentam sebos, bibliotecas, ainda assim, sem freqüência”. E que tipo de pessoas são essas? Estudantes, punks e skatistas que já freqüentam a praça, pseudo-intelectuais, autônomos curiosos, músicos e artistas, bebuns do Centro? Franklin Serrão é dono do Sebo Paraupaba – é nome do índio que expulsou os portugueses da Paraíba. Era meio que inimigo do nosso índio Poti, o Felipe Camarão, amigo dos gajos. Paraupaba era caba brabo. Se saltasse do sebo e visse aquela gente esquisita, pouca e sedenta por livros baratos, nem sei da reação. Mas se tivesse a visão da grande massa comprando e se deleitando sobre os livros, de certo iniciaria a dança da chuva, na taba, para celebrar o fim da seca.

Piadinha

Uma piadinha ultramodernista só para descontrair nesta sexta-feira de meio-sol e vontades inteiras:

- Pai, como é que eu nasci?- Muito bem, tínhamos que ter essa conversa um dia! O que aconteceu foi o seguinte: eu e sua mãe nos conhecemos e nos encontramos num CHAT, destes da NET que existem para se conversar. O papai marcou um INTERFACE com a mamãe num CYBERCAFÉ e acabamos PLUGADOS no banheiro do Cybercafé. A seguir, a mamãe fez um DONWLOADS no JOY STICK do papai e quando estava tudo pronto para a transferência de arquivo, descobrimos que não havia qualquer tipo de FIREWALL conosco. Como era tarde para dar um ESC, papai acabou fazendo o UPLOAD de qualquer jeito com a mamãe e nove meses depois, o VIRUS apareceu.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O ano em que meus pais saíram de férias

O título do texto é o do filme exibido segunda-feira no Cinemark, dentro da promoção de R$ 2. Um luxo, digamos. É de encher os olhos. E fui com essa expectativa. Há poucas semanas, entrevistei um crítico de cinema cubano, convidado do Goiamum Visual e ele elogiou muito o filme – um dos indicados do Brasil ao Oscar.

Acredito em boas chances. É o estilo de filme que a Academia gosta. Uma estória sentimental e uma criança como protagonista. Como pano de fundo, o contraste da euforia com a fantástica conquista da seleção do tri campeã de futebol e a ditadura do general Médici.

Alguns podem confundir e pensar na tentativa de retratar a época. Discordo. Acredito na intenção de mostrar a transitoriedade entre a fase infantil e adolescente do personagem Mauro, interpretado pelo ator-mirim Michel Joelsas. E o diretor consegue penetrar bem nesse mergulho psicológico e comportamental de uma criança.

Mauro é filho de pais perseguidos pela ditadura. Diante do cerco militar, os pais são obrigados a fugir e deixar Mauro na casa do avô, em um bairro famoso por abrigar imigrantes e nordestinos, com a desculpa de que sairiam de férias. Diante da morte do velho, Mauro é criado por um judeu e vive a expectativa do início da Copa do México, data em que seus pais prometeram voltar.

Para retratar a solidão do menino, Cao Hamburger recorreu à metáfora do goleiro. O pai ensinou a Mauro que o goleiro está fadado a uma condição solitária durante uma partida de futebol. Quando ficou só após a fuga dos pais, Mauro também sentiu a mesma situação. E ascendeu o sonho de se tornar goleiro.

Cao Hamburger consegue retratar as solidões, as carências, decepções e aprendizados da criança. Tudo de forma simples, mas excepcional. E mesmo sem a intenção de mostrar pioritariamente a tensão dos anos de chumbo, o diretor – em seu segundo longa – conseguiu retratá-los melhor que muitas produções temáticas, como Olga.

Não é um filme pra mudar a vida do telespectador. Nem tem essa proposta. Alguns podem achar monótono pelos poucos diálogos. Mas acredito que o diretor quis mesmo retratar momentos de solidão. Foi assim também com O Outro Lado da Rua, de Marcos Bernstein – um longa que retrata a solidão na terceira idade.

Além do mais, os gestos, os olhares de Mauro falam muito mais e confirmam o clichê de que uma imagem vale mais que mil palavras. E pra quem não sabe, Cao Hamburger foi diretor da série e do filme Castelo Rá-Tim-Bum. Ele deve conhecer o universo, os dramas e as reações infantis. Um filme que vale muito a pena, mesmo ao preço normal dos cinemas. Se for R$ 2 e com promoção também na pipoca? Que alento ao bolso e ao bom gosto!

Ausência

Correria. É esse o motivo da ausência neste espaço. Além da rotina estressante e turbulenta do dia-a-dia, novas atividades. Aderi àqueles do esporte, na tentativa de uma vida mais saudável. Agora sou nadador. Quase todos os dias, no hiato entre os dois expedientes. Além do mais, a incumbência na elaboração de uma revista de cultura temática, sobre o Poema Processo, tem roubado algumas boas horas.

Tudo contornável, como quase tudo nesta vida. Ainda hoje atualizo este blog. Gostaria de comentar sobre o filme do diretor Cão Hamburge, que assisti segunda-feira, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias. Coisa muito boa de se ver. Talvez da noite de lançamento do novo livro do jornalista Agnelo Alves. Ou quem sabe da expectativa para inauguração da nova ponte e das perspectivas para a velha Redinha. Até mais tarde...

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O progresso e Santa Rita

É com pesar que leio a notícia de que minha praia-refúgio já é mira dos altos empreendimentos imobiliários. É notória a valorização daquelas beiradas de mar. As cifras são milionárias e conhecidas de qualquer nativo. Mas até então, amigo leitor, Santa Rita vivia de vislumbres. Extensas áreas ainda abrigam apenas a mata rasteira e continuam coadjuvantes da beleza do mar. É a paisagem característica da praia: o verde do mar e as alvas areias, ponteadas por coqueiros.

Mas a notícia traz o chumbo daquelas verdades mais doídas. Um complexo imobiliário com um hotel, um condomínio horizontal e mais 3,2 mil apartamentos serão erguidos sobre minhas areias. E digo minhas, amigo leitor, porque miro aqueles chãos há mais de 25 anos. E até então, a praia ressentiu-se do progresso – primo-irmão do tempo. É o sinal dos tempos. Com pouco mais, a praia pacata e espremida ganhará ares de cidade. E na linha de frente, grandes empreendimentos estrangeiros.

Agora veja você: o mega-empreendimento é da empresa ValeroBrasil e será lançado próxima semana na Espanha, durante a Barcelona Meet Point – a feira imobiliária mais importante da Europa. Não, não cabe em minha imaginação aquela praia cercada de tédio e de balanços lânguidos de seus coqueiros, exposta dessa forma, desnuda e indefesa, à sanha dos estrangeiros. Seria preciso um nativo ou um veranista-amante daqueles alpendres à beira-mar para defender aquele pedaço de praia.

Coisa inútil, talvez. Progresso não se freia, amigo leitor. Há os que defendam, desde que de forma sustentável. Sou contra, ainda assim. O progresso apaga memórias, paisagens e muito dos costumes. A defesa primeira é a do desenvolvimento. Mas qual o preço a se pagar? Desenvolvimento também é preservação. Aos poucos seremos expulsos do nosso litoral. Santa Rita não possui sequer um Plano Diretor, como há, por exemplo, na praia de São Miguel do Gostoso. Imagino a visão do mar para aqueles jogados às periferias ou o impacto ambiental.

Tradições há aos montes. A maioria sobrevive em jogo de empurra contra o progresso. Agora imagine aquela catraia estacionada sobre toras de coqueiros, propriedade única de nativos da praia. Ela se apagará do mapa de minhas memórias. Duvido que continue ali como observadora passiva do mar. Em breve, lanchas dominarão o lugar e a linha de frente da praia será tomada não pelo ranger dos punhos das redes artesanais em seus alpendres, mas por áreas de lazer luxuosas, de piscinas e paredes de vidros, e o muito sagrado será coisa reservada a poucos profanos.

E agora, José?

Quase que diariamente o amigo leitor lê ou assiste na mídia deflagrações de greves ou reclamações de trabalhadores e profissionais de categorias as mais variadas quanto aos salários defasados. Por trás das notícias, estamos nós, os jornalistas, responsáveis por significativa parcela de formação da opinião pública.

Hoje – dia de assembléia da categoria, vivemos nós, os jornalistas, um momento irônico: luta pelos próprios direitos de equiparar os salários ao árduo trabalho diário, à função que exerce como profissional ou mesmo baseado em perdas acumuladas em quase dez anos de atividade. E agora, José, quem irá noticiar nossas reivindicações? O periódico Correio da Tarde foi a única mídia, até o momento, a publicar matéria sobre o assunto.

E o consenso parece difícil, a julgar pelas duas reuniões ocorridas entre sindicalistas e empresários dos meios de comunicação. Na manhã de terça-feira ocorreu a 2ª rodada de negociação na Delegacia Regional do Trabalho. Para defender a categoria, participaram apenas representantes dos jornais Diário de Natal, Tribuna do Norte, TV Potengi e Rede Intertv Cabugi.

Infelizmente, o reajuste apresentado pelas empresas participantes foi de apenas 4%. Muito aquém do piso salarial unificado de R$ 945 apresentado como proposta do Sindicato dos Jornalistas do RN (Sindjorn). O reajuste com o novo piso é de aproximadamente 30% sobre os R$ 721 recebidos hoje por um jornalista recém-formado. O piso salarial para um repórter nível 3 (mais graduado da categoria) é de R$ 907.

A presidente do Sindjorn, jornalista Nelly Carlos reclamou ainda de algumas propostas referentes às cláusulas sociais, ignoradas pelos empresários. Estranho os empresários fecharem acordo com os radialistas de um reajuste de 8%. Para os jornalistas esse aumento só pode ser de apenas 4%?

Por esse motivo, pedi que os representantes das empresas se reúnam e façam uma avaliação da proposta que foi apresentada. Em contra-partida, os patrões pediram que a categoria se reúna em assembléia para definir uma nova proposta salarial, para evitar com isso, que o Acordo Coletivo vá a dissídio.

Para tanto, é importante a presença dos jornalistas na Assembléia-Geral Extraordinária, a ser realizada hoje, na sede do Sindjorn, situado à Rua Felipe Camarão, 385 - Cidade Alta, em primeira convocação, às 18:30h, com 10% (dez por cento) dos sócios, sediados na base, e em segunda convocação, meia hora depois, com qualquer número de presentes, conforme reza o Estatuto da Entidade.

A deliberação será sobre a avaliação da contraproposta da classe patronal quanto à pauta de reivindicação salarial 2007/2008. É importante lembrar que a 3ª rodada de negociação entre profissionais e empresários está marcada para as 10h, da segunda-feira (4 de novembro), na Delegacia Regional do Trabalho. Na oportunidade será apresentada a proposta resultante da Assembléia.