segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Política e Religião na Velha Redinha

Tudo bem que a Redinha Velha, embora cheia de solidão, é sempre convidativa e ninguém precisa pedir licença. Mas é preciso respeito com sua história e seu povo. O que se viu domingo foram futricas políticas se misturarem a uma das mais antigas tradições da praia: a procissão da padroeira da Redinha, festa religiosa em homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes.

Os nativos da Redinha Velha são um povo sofrido e fervoroso. Se a “praia bonita” – como chamou Cascudo – preserva uma herança é a da boemia, da pesca ainda artesanal e do esquecimento. Desde sempre a Redinha amarga a falta de atenção de autoridades. É injusto na festa religiosa mais prestigiada e tradicional da praia, político querer aparecer.

Tudo começou mesmo antes da procissão, quando blogs especularam um verdadeiro palanque político durante a celebração, com encontro de senadores, governadora, prefeito, deputados e outros “fiéis” à santa. Misturar no mesmo bojo política e religião provoca efeitos colaterais seríssimos.

Durante a missa, o padre João Maria aproveitou o momento para pôr fogo na fogueira. Depois de agradecer a presença de cada um dos edis, indagou o prefeito da exclusão da Redinha do calendário de eventos da prefeitura. Por fim, comentou de uma homenagem a ser feita. Após segundos de espera e ânsia de cada autoridade, o padre fez o que há muito deveria ser feito na prática pelos gestores: homenageou o povo da Redinha.

Imagino a cara de felicidade de dona Francisca Florêncio. Aos 69 anos, ela acumula mais um ano de abandono no Mercado Público. Está ali há quase 60 anos. Se algum engravatado foi lá, viu uma fossa estourada na saída do Mercado. O quilo do peixe também aumentou. É outra reclamação daqueles comerciantes. O preço da ginga passou, após anos congelado, de R$ 2,50 para R$ 3 - um agravo a iguaria mais representativa do lugar. Apesar da ponte, o movimento manso do Mercado permaneceu. Parece sina daquele povo esperar sempre a melhor sorte.

Também deve ter esboçado largo sorriso o pescador Santino. Quando o conheci há 3 anos, contava 65 anos e sofria de saúde. Com a perna debilitada, era escanteado pelos pescadores mais novos. Robusto, me lembrou o personagem de Hemingway, de nome parecido: Santiago.

Santino é uma caricatura dos nativos da Redinha. Aparenta mais idade, como outros pescadores. Mora em casa simples. Sofre com a labuta diária. Mesmo sem condições do alto-mar, joga suas tainheiras nas beiradas para o sustento do dia. Sem maiores auxílios, arrasta o tempo com a força da sobrevivência.

É que a Redinha ainda é morada gostosa aos de vida simples, mesmo àqueles de melhor sorte, com casas de alpendres largos. Ali não cabe politicagem. São aos humildes de sina ou de escolha que a Redinha descortina seus segredos e oferece, talvez por impulso incontrolável, um sentido para a vida.

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