segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A Casa de Alice

Assisti ontem A Casa de Alice, dentro da programação de arte do Cinemark. Os leitores mais fiéis deste blog já devem esperar mais uma crítica chata de um jornalista desentendido. Não. Gosto de comentar apenas alguns filmes que vejo. Seja por chamar-me a atenção de forma positiva ou negativa.

A Casa de Alice contradiz muito do que disse nos textos anteriores e ratifica outros pontos de vistas meus. Mostra a criatividade, inteligência e o tal olhar da sociedade brasileira. O melhor é que os atores são desconhecidos. Consegui identificar apenas uma. E nem era a protagonista. Nada de Selton Mello, Wagner Moura ou Lázaro Ramos. Parece um filme independente e já muito premiado em festivais internacionais.

É um filme com muito menos estardalhaço que o Meu Nome Não é Johnny e, na minha opinião, melhor. Mais original e inteligente. Provoca; instiga a platéia a refletir. Por vezes lembrou-me o cinema europeu. O estilo é muito “cru”, como disse minha namorada. Aprecio esse excesso de realidade. Sinto-me livre de Hollywood.

O filme também traz outra particularidade que aprecio muito: o diretor Chico Teixeira (outro desconhecido pra mim), soube adicionar os silêncios – aquelas cenas paradonas, com os atores olhando para o nada e que parecem desnecessárias. Coisa parecida vi em Eu, Tu, Eles e O Outro Lado da Rua. Os silêncios do primeiro serviram para retratar a rotina arrastada do sertão nordestino. No segundo, uma quase metáfora da solidão na terceira idade.

Acho que os silêncios de A Casa de Alice serviram também para mostrar a solidão. Mas é outra solidão que não a da velhice. É a solidão como carência; da tristeza e do medo. É a solidão dos nossos dias. Uma solidão camuflada e hipócrita. A falsidade, o egoísmo e a carência estavam em cada fala ou olhar dos atores. De todos eles.

A sinopse do filme se confunde com a rotina de uma família de classe média baixa brasileira. Alice trabalha em um salão de manicure. Sustenta três filhos. Os dois mais velhos ganham dinheiro de forma ilícita. O marido é taxista e a trai com uma vizinha adolescente. A mãe também mora com ela e já sente o peso da idade. Mais tarde, Alice revê um antigo namorado e tudo parece mudar...

Como disse, o filme reflete não só os problemas de uma família brasileira, como retrata a solidão e hipocrisia do nosso tempo. Mas outro ponto também merece relevância: o sexo como fator preponderante em um casamento. Lembrei de O Centro do Mundo (2001). O filme mostra o sexo como o centro do universo na vida de todos. E Schopenhauer já falava disso bem antes. Talvez tenha sido o primeiro filósofo a abordar o assunto de forma tão clara e objetiva.

Enfim, A Casa de Alice mistura de forma inteligente (filme de baixos custos) a rotina da contemporaneidade universal a partir de um núcleo de família brasileira. Mostra vidas entediadas; o desajuste familiar pela questão econômica e sexual. Dentro daquele apartamento, o egoísmo impera. Fora dele, a hipocrisia parece morar nas calçadas do cotidiano. A fragilidade do ser humano é colocada em evidência. E dela, brota a inveja, exibida de forma primorosa nas conversas entre a manicure (maravilhosamente interpretada por Carla Ribas) e sua cliente.

O final do filme traz o expectador de volta à dura realidade e põe fim à esperança. O desprezo parece ser irmão da solidão, e ambos, amigos íntimos de uma vida construída sob pilares de argila. Embora todos os temas pareçam estar em nós ou nas calçadas da nossa rotina, tudo parece assombroso. E qualquer semelhança com nossa realidade, não é mera coincidência, não.

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