Por Julio Daio Borgesno
Digestivo CulturalCom a indústria fonográfica virtualmente moribunda, era apenas questão de tempo até surgirem duetos do além-túmulo. Porque, se a programação das rádios parou no século XX, a indústria do videoclipe foi cooptada pela dos reality shows e as apresentações “ao vivo” se concentraram nas múmias ressuscitadas das décadas passadas, a indústria do disco, sem canais de distribuição e divulgação, abdicou da mesma produção, desistindo de lançar novas tendências e preferindo reembalar defuntos dos seus anos dourados. E, no universo do rock brasileiro dos anos 80, nenhuma galinha dos ovos de ouro melhor que a Legião Urbana e, na falta dessa, seu líder Renato Russo.
Seria precipitado, contudo, descartar esse duetos post-mortem – musicalmente falando – apenas porque a velha indústria sofre de falta de imaginação. A imprensa, que não está muito melhor em termos de sobrevivência neste milênio, foi impiedosa. De fato, “Celeste” é o retrato de uma Marisa Monte infantilizada, pós-Tribalistas, em seis minutos de mais tatibitate. O 14 Bis, em “Mais uma Vez”, poderia ter ficado só na lembrança hippie (e rural) dos anos 70 brasileiros. E Leila Pinheiro deveria poupar o mundo de sua má pronúncia em italiano, que a transformou numa fanha irreconhecível em “La Solitudine”.
Há, porém, bons momentos. Como Dorival Caymmi dividindo os vocais – e Renato Russo tentando alcançá-lo com galhardia – em “Só Louco”. Também na casa de José Maurício Machline, uma interpretação sensível para “Esquadros”, a melhor composição de Adriana Calcanhotto. Ainda, “Strani Amori” (por incrível que pareça), com uma Laura Pausini gratíssima por haverem conferido sobrevida ao seu hit no Brasil. E são OK, embora não sejam novos (nem surpreendentes): “A Cruz e a Espada”, com Paulo Ricardo; e “Nada por Mim”, com Herbert Vianna. Em “Cathedral Song”, com Zélia Duncan, e “Change Partners”, com Caetano Veloso, bastava usar a imaginação, porque são medleys ou, como se dizia, “mixagens”. (O resto não fede nem cheira.)
Renato Russo, tão cioso de sua imagem (ou, apenas, ególatra), provavelmente não teria aprovado a necrofilia. O fato é que os anos 90 não produziram ídolos à altura, e os anos 2000, via internet, só têm produzido iconoclastas. Esse Duetos vale pela memória – mas não pela história – de Renato Russo.
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