Mary del Priore é uma conhecida historiadora brasileira, ex-professora da USP e da PUC-RJ, e tem se dedicado à história do amor. De suas pesquisas resultou o trabalho História do amor no Brasil, publicado pela editora Contexto. Também escreveu uma História das crianças no Brasil e uma História das mulheres no Brasil (ambos, pela Contexto), tendo recebido, por essa última obra, o Prêmio Jabuti. Apresentando uma reflexão rica e fartamente documentada, Del Priore toma a sério a reflexão sobre o imperativo do amor, que, “como outros imperativos – comer, por exemplo –, está inscrito em nossa natureza mais profunda”. A obra percorre o Brasil Colônia, o século XIX e o século XX, mostrando como a concepção romântica de amor – idealizadora do encontro entre duas pessoas – é inteiramente recente, apesar de uma ênfase erótica explícita já em formas literárias medievais, renascentistas e modernas. Como conclusão, Mary del Priore assume posições muito instigantes, em defesa, por exemplo, de uma concepção tradicional de amor, diagnosticando a angústia da juventude diante da liberdade sexual e denunciando uma ditadura moderna do gozo. Gentilmente, ela concedeu uma entrevista à CULT, cujas respostas mais significativas para o dossiê deste mês apresentamos aqui.
CULT: Seria possível resumir em etapas mais ou menos homogêneas a cronologia do amor no Brasil? Como?MARY DEL PRIORE: Não há etapas homogêneas em história, mas momentos de mudanças e permanências coexistentes. Por exemplo, o século XIX introduziu a ideia do amor romântico. As pessoas começam a ler romances onde heróis e heroínas buscam um casamento por amor e um final feliz para suas histórias. Isso era novo. Ao mesmo tempo, nas elites, o casamento arranjado com parentes ou amigos era uma constante. Isso era arcaico. As fórmulas coexistiam. Daí começarem os raptos de noivas que se recusavam a casar com candidatos impostos pela família, preferindo fugir com os escolhidos do coração. É como se tivéssemos passado de um período em que o amor fosse uma representação ideal e inatingível (a Idade Média), para outra em que vai se tentar, timidamente, associar espírito e matéria (o Renascimento). Depois, para outro, em que a Igreja e a Medicina tudo fazem para separar paixão e amizade, alocando uma fora, outra dentro do casamento (a Idade Moderna). Desse período, passamos ao Romantismo do século XIX, que associa amor e morte, terminando com as revoluções contemporâneas, momento no qual o sexo tornou-se uma questão de higiene, e o amor parece ter voltado à condição de ideal nunca encontrado.
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