sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A onda é ser pop

O Encontro Natalense de Escritores (Ene) abriu ontem sua terceira e última edição. A voz da boa “vontade política” dirá se o respeitável público pagão assistirá mais um encontro de escritores, literatos, artistas e popstars. Melhor aproveitar. Amanhã, por exemplo, um encontro ou “entre-choque” de temáticas, como classificou Dácio Galvão, darão o tom das palestras. A obra de Oswaldo Lamartine – nosso Euclides da Cunha – e a Bossa Nova são as vitrines de discussão. São assuntos de realidades distantes e evidenciam o teor multifacetado do evento. Ou o leitor imagina o velho Lamartine apreciando cada nota harmônica na voz e violão de João Gilberto? Ou Menescal em conversa de cumpade com vaqueiros e aboiadores debaixo de um umbuzeiro?

A última edição do Ene chega mais amadurecido ou pelo menos mais aprimorado. Palco separado da tenda literária, diversidade de debates e, principalmente, um público mais afeito e acostumado com o evento. Uma platéia ainda pop e interessada em nomes mais palatáveis à mídia. A prova ocorreu no primeiro dia. O ex-titã e ex-tribalista Arnaldo Antunes arrastou centenas para sua palestra. Poucos sabiam, mas o cara é poeta, autor de 13 livros e, mesmo com seus escritos de qualidade contestada, foi agraciado com o Prêmio Jabuti de Poesia, em 1993. Mas na tenda literária precisou cantar e balançar as perninhas mesmo sentado, falar de Titãs, Marisa Monte e muita música. É o que interessa. É o pop.

Bastou o encontro de Arnaldo Antunes terminar e o público se esvaiu. Machado de Assis e Seus Amigos, o imortal poeta Diógenes da Cunha Lima e o intelectual e figura renomada do meio literário Antônio Carlos Secchin, ainda tentaram gritar: “Vamos discutir a obra do maior escritor brasileiro, no ano nacional em sua homenagem!”. Tudo em vão. É o público mulato que preferiu aguardar do lado de fora o show do popstar Arnaldo Antunes. O ex-titã privou os jornalistas de sua palavra falada. Não concedeu uma entrevista sequer. Nem por insistência. Preferiu a companhia dos seguranças e da Produção Protetora dos Artistas Vips (Pav).

Do lado de fora, o público ávido. O público mulato. Nosso poeta do baobá afirmou que estamos no “século mulato”. O passado foi um século hitlerariano, de culto à raça branca, considerada a “raça pura”. “Por isso foram assassinados milhões de pessoas. Veja que o país mais preconceituoso do mundo elegeu um mulato (Obama, o salvador do mundo). Ele é filho de um pai branco e mãe negra, como a maioria dos brasileiros; como Machado de Assis. Machado foi um escritor pop na medida em que atingiu a genialidade”, disse Diógenes. Então, ser genial também é ser pop. Claro. Mas, o que é ser genial? O público talvez saiba a resposta e preencheu o largo do Teatro Alberto Maranhão para assistir o performático Arnaldo Antunes.

Show
É curioso essa coisa de ser pop. Muito mesmo. Se o cara é reconhecido pela música e menos pela poesia, conseguiu animar mais a platéia na tenda literária do que no show. Talvez seja o estilo, a letra pouco melódica da música do ex-titã. Uma inflexão peculiar de música falada pouco vista. Talvez com registros similares em Noel Rosa. Mas que de fato deixou o público a ver poesia musicada e menos cantada. O único ensaio de animação emergiu quando da música da época-titã, com uma versão de Não Vou Me Adaptar, ou com um de seus maiores sucessos-solo, Socorro, que diz: “Socorro não estou sentindo nada; nem medo, nem calor, nem fogo; não vai dar mais pra chorar, nem pra rir”.

Pois é. Coisa de Arnaldo Antunes; de quem é considerado o último dos poetas roqueiros, depois de Renato Russo e Cazuza. Coisa de quem é genial, poeta e popstar ao mesmo tempo. E hoje teremos uma mostra do estilo musical mais emblemático e representativo da chamada Música POPular Brasileira: a Bossa Nova. Teremos um dos fundadores do estilo: Menescal, e uma belíssima representante da nova geração, Paula Morelembaum, e os maiores estudiosos do assunto, como Zuza Homem e José Miguel Wisnik. Coisa boa de se ver.

Reitero o convite: é bom aproveitar. O titular da Capitania das Artes, Dácio Galvão, foi quem disse o que é preciso para manter um evento como o Ene: “Vontade política”. E explica: “Um evento como esse não é um produto de resultado político de fácil manipulação. Quem participa é um público de opiniões alicerçadas. Se há uma forma de montagem, é algo que atenda às várias concreções e congregue públicos diversos”. A despeito das reivindicações de uma temática voltada à literatura infantil, Dácio afirmou que teve a intenção de promover um “Eninho”, inclusive com a presença do convidado de ontem e vencedor do Prêmio Jabuti de literatura infantil, Inácio de Loyola Brandão. “Mas faltou grana”, disse Dácio.

O prefeito Carlos Eduardo esteve reunido há algumas semanas com a prefeita eleita Micarla de Sousa para discutir a transição de governo. Perguntado a respeito do que foi falado no âmbito cultural, notadamente da possibilidade da manutenção do Ene, o prefeito foi categórico: “Nada me foi perguntado”.

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