quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Washington Novaes

O jornalista, escritor e documentarista Washington Novaes é a imagem pura do aspecto reflexivo do jornalismo. Não só por ser referência na cobertura de um campo que também exige maior atenção, mas pelo aprofundamento e “antevisão” do fato. Novaes é hoje um dos pioneiros e, com certeza, o maior destaque do jornalismo ambiental no Brasil. São reclamações dele a falta de cobertura da mídia para os desdobramentos cotidianos das questões ecológicas e da biodiversidade. Um de seus trabalhos mais aclamados – o documentário Xingu: terra ameaçada – é a prova material da necessidade de acompanhamento dos fatos. O vídeo foi originado a partir de um livro-reportagem escrito pelo jornalista e mostra o massacre da comunidade indígena na ilha do Xingu após mais de duas décadas de abandono, que separaram, também, os lançamentos do livro e do documentário.

Se é necessário considerar experiências anteriores para estabelecer parâmetros de cobertura jornalística, Washington Novaes é esta referência quando o assunto é meio ambiente. O jornalista, hoje aos 74 anos, já recebeu cinco prêmios nacionais renomados, como o Prêmio Esso Especial de Ecologia e Meio Ambiente e sete premiações internacionais, também por matérias e documentários relacionados às questões ambientais, como o Prêmio Unesco de Meio Ambiente, em 2004. Já foi repórter, editor, diretor ou colunista em várias das principais publicações brasileiras como Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, Última Hora, Correio da Manhã, Veja e Visão. Atualmente é colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Popular (de Goiânia, onde vive). Na televisão, foi durante sete anos editor-chefe do Globo Repórter e editor do Jornal Nacional, da Rede Globo.

Washington Novaes fará parte de uma mesa literária no segundo dia do Encontro Natalense de Escritores (ENE) para discutir a questão do meio ambiente a partir da obra literária Não verás país nenhum, escrita há 27 anos pelo premiado escritor Inácio de Loyola Brandão. O próprio escritor fará dupla com o jornalista na tenda literária. O livro de Inácio de Loyola romanceia uma São Paulo hipotética e caótica através da visão do personagem Souza: uma “antevisão fantástica” do escritor; um prenúncio dos dias que virão, segundo o próprio Novaes afirma nesta entrevista a seguir:

A hipotética São Paulo de 27 anos atrás romanceada no livro de Inácio Loyola Brandão, se assemelha a São Paulo de hoje?
Cada vez mais caminha para a ficção dele. Mas a ficção ainda é mais forte do que a realidade. Mas veja que o livro foi escrito há 27 anos. Inácio de Loyola teve uma antevisão fantástica dos caminhos que temos seguido: o da aglomeração urbana, do consumo insustentável... Os artistas são uma espécie de antena da raça: conseguem enxergar mais à frente que outros.

O senhor ingressou muito cedo como jornalista na temática da ecologia, do meio ambiente e hoje é referência no assunto. Foi um vislumbre ou antevisão, como citou agora, ou o senhor enxergou apenas um ramo ainda inexplorado no jornalismo?
Tanto na vida como na profissão de jornalista aprendi que não há ação humana que não cause impacto no meio físico e, conseqüentemente, sobre outros seres. Então, é impossível tratar de qualquer assunto sem observar esse impacto. Muito jovem fui estudante de direito, depois ingressei no jornalismo e durante este tempo sempre acentuei essa visão. Acho que a comunicação tem separado muito as questões ambientais dos assuntos econômicos ou políticos, por exemplo. No entanto, eles estão juntos; não tem como separar.

Então a mídia tem abordado o tema das questões ambientais de forma errada?
Digamos que trata de uma maneira que não acho boa. Claro, há exceções. Mas em geral acaba sendo prejudicial porque impede que se veja os impactos das políticas econômicas. A mídia parece preparada apenas para cobrir grandes catástrofes e mostrar emoções, quando deveria acompanhar sistematicamente o assunto. O dia-a-dia é o que leva às conseqüências negativas. Um exemplo é o caso recente dos soterramentos e mortes em Santa Catarina. Ocuparam durante muito tempo áreas de preservação inadequadas para moradia ou construções. As inundações que ocorrem são decorrentes de construções de prédios e casas nas planícies nativas de inundações dos rios. Eles ficam sem poder desaguar, se expandir. Afora os assoreamentos. E estamos no momento de mudanças do clima, em que há precipitações em quantidades brutais. Então, tudo isso deve ser levado em conta diariamente.

O senhor é sistematizador da Agenda 21 Brasileira, que poderia tratar, também, destes assuntos levantados acima. A Agenda tem sido cumprida?
A Agenda é um conjunto de estratégias prioritárias que continua no papel, ou se fez muito pouco. O porquê? Exige-se, antes, que se mude a visão da realidade e da política. Essa mudança tem que partir do cotidiano até ser levada ao campo administrativo e político para algo acontecer. E a política continua sendo feita da forma tradicional, com a mesma visão retrógrada de antigamente.

Uma parte considerável do trabalho realizado pelo senhor, como também do antropólogo Darcy Ribeiro nessas décadas de jornalismo ambiental tratou da causa indígena. Um dos resultados foi o livro-reportagem Xingu: uma flecha atravessada no coração, que originou o documentário Xingu: terra ameaçada. O senhor se sente gratificado de alguma forma por esse trabalho, seja pela repercussão ou pelos desdobramentos em prol da sociedade indígena?
Do ponto de vista pessoal valeu a pena porque mudou a minha visão da realidade; pude conviver com uma cultura admirável sob muitos aspectos. Mas não creio que tenha modificado as políticas voltadas aos povos indígenas, que continuam sendo massacrados. A repercussão tanto do livro quando do documentário foi grande, mas infelizmente não se traduziu em nada concreto para a sociedade indígena. Hoje, o Xingu se encontra numa ilha cercada de soja e pecuária, de recursos e serviços culturais de valores extraordinários, mas não há nenhuma proteção. Um lugar que deveria ser tombado como patrimônio cultural, social e ambiental da humanidade. Quanto ao trabalho do Darcy Ribeiro, também em nada resultou. Mas a culpa é de quem deveria refletir sobre a obra admirável de Darcy e procurar resolver alguma coisa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário