quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Jornalismo e Literatura

Jornalismo e Literatura são irmãos briguentos unidos pelo amor da irmandade. Convivem em mesma casa e têm uma mesma mãe chamada Escrita, casada com um senhor às vezes chato, pedante e cheio de regras, mas também um homem de boa índole quando bem tratado, é o senhor Texto. A Literatura, filha mais velha, costuma ensinar seus dotes artísticos ao irmão mais novo. E o Jornalismo é astuto, perspicaz; capta os fatos no ar. São irmãos inteligentes. E o destino os fez famosos. Tanto que mereceram uma mesa de discussão no Enconro Natalense de Escritores (Ene) entre renomados convidados para debater a importância e o centro de convergência de cada um.

O escritor, contista e diretor da revista literária Bravo!, João Gabriel de Lima foi preconceituoso ao seu modo com a Literatura. Segundo João Gabriel, a Literatura é mentirosa, é o “império da imaginação”. Já o Jornalismo é mais analítico. Mas para o diretor da Bravo!, algo em comum há entre os dois – uma herança genética, talvez: “Escrever é guardar registros para o futuro”. E de alguma forma, mostrou empatia e intimidade com os dois irmãos, filhos de dona Escrita e seo Texto: “Sou mais repórter e, de alguma forma esse lado está presente na minha literatura”.

Claro, ninguém é dono da verdade; nem da mentira, para se adequar às opiniões dos convidados. A unanimidade é burra, já dizia o autor de O idiota da Objetividade, Nelson Rodrigues. O convidado da mesa seguinte, Carlos Heitor Cony, por exemplo, foi categórico na sua definição de literato: “Todo escritor tem de ser telúrico”, embora concorde que a literatura nordestina, a qual tanto ressaltou, seja mais humana. E pela inspiração oceânica e verdadeira de Camões ou para defender a similaridade entre os irmãos, ou mesmo a verdade da literatura, resolvi provocar o diretor da Bravo!:

JOÃO GABRIEL DE LIMA

Qual a grande mentira do jornalismo e a grande verdade da literatura?
(risos) A pergunta é complexa, mas vamos lá. O jornalismo parte de fatos; de coisas que realmente aconteceram. Quando você escreve, não pode mentir. Mas o jornalismo de hoje é cada vez mais analítico. Se pega um fato e a partir dele se faz uma análise. Isso ocorre de forma explícita ou não. Mas só a maneira de você organizar as informações a partir de uma regra ou uma escolha já se tem uma idéia. Toda reportagem tem uma idéia. E a grande mentira do jornalismo é o leitor achar a reportagem uma verdade absoluta e não uma idéia da qual ele pode concordar ou discordar. Mas acho que hoje o leitor é muito crítico. Ele sabe que aquilo que o jornalista defende através do fato é uma opinião, uma visão do profissional. Isso não quer dizer que o jornalismo não seja factual. Ele é, mas o jornalismo sempre defende uma idéia. O jornalista dialoga com o leitor, que lê e aceita ou não aceita. Isso está mais explícito hoje. Tudo que eu escrevo na Bravo!, o leitor pode entrar no site e deixar sua opinião, se concorda ou não. Então, acho que a maior mentira é quando não se aceita o jornalismo como diálogo e sim como uma verdade absoluta, que não é.

E a grande verdade da literatura?
Olha, acho que a literatura busca um pouco a verdade do personagem. Então, o personagem pode estar delirando, mas aquilo é verdadeiro. A voz literária é a verdade do personagem.

Nesse contexto, a Bravo é mais mentirosa ou verdadeira?
A Bravo! é extremamente verdadeira no sentido de que temos total rigor factual. Tudo o que a gente fala na revista é checado. Mas dentro desse rigor de informação tentamos ter visões cada vez mais autorais. Até por ser uma revista. Quando chegamos às bancas, os jornais já passaram, a televisão já noticiou. Quando o cara pega a Bravo!, ele já sabe o que acham quase todos os críticos a respeito do filme da Portela, mas ele quer uma voz autoral, então ele vai ler o cara que mostra aquele universo de uma maneira pessoal, sem falsear. Temos a verdade, mas uma verdade cada vez mais autoral. Falo até um pouco sobre isso no próximo editorial da revista.

A meia-verdade entre as mentiras e verdades do jornalismo e da literatura está na crônica?
Acho a crônica um gênero literário porque o factual ali é pouco importante; é muito pequeno para o jornalismo. Você pega uma crônica do Rubem Braga e o factual dele é ele olhando a praia. Então isso é literatura. Pra mim não interessa saber que o Rubem Braga olhou a praia. Pra mim interessa como ele olhou e o que ele escreveu.

Já que a Bravo! tem feito listas de 100 melhores em diferentes gêneros culturais, a Bravo estaria em qual posição entre as 100 melhores revistas culturais do país?
(risos) A modéstia me impede de responder a esta pergunta.

Conhece as revistas culturais produzidas no Rio Grande do Norte, como Preá, Brouhaha e Papangu?
Gostaria muito de conhecer. A única revista literária que conheço do Nordeste é a Continente, que era do Homero Fonseca, coisa que eu leio e admiro há muito tempo. A gente vinha conversando na van e eu tinha muita curiosidade em saber como ela é produzida; esse equilíbrio que eles conseguem abordar entre o regional e o mundo. A Bravo! pertence à editora Abril: uma editora grande. Mas mesmo dentro de uma editora grande a gente vê a batalha que é produzir uma revista cultural. Não é um produto de grande vendagem, que fatura muita grana. Então, respeito muito quem faz.

Um comentário:

  1. Valeu, Sérgio! Pensei que o cara fosse um desses paulistas chatos, mas parece que não. Contra a parede, saiu-se muito bem. Vamos às próximas entrevistas! à propósito: entrevistas verdadeiras ou mentirosas? Abraço

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